Skinner,
ao contrário de Freud - que se dedicou em algumas passagens dos seus escritos a
atacar frontalmente a crença em Deus -, não escreveu tanto sobre este assunto.
Nos seus textos há um posicionamento, em geral, contra instituições
autoritárias que interferem na vida humana exercendo formas de controle
alienante, sendo aí incluídas instituições religiosas. No entanto, ele não se
preocupou em falar tão diretamente sobre Deus quanto se pode imaginar, pela
forma como defendeu a ciência durante toda a vida.
Com isso,
me interessei bastante ao pôr as mãos sobre um texto do autor sobre o assunto,
intitulado "What Religion Means to Me", datado provavelmente
de 1986. Não encontrei menções oficiais sobre o texto - quando foi publicado,
se foi publicado, se foi resultado de uma fala informal ou apenas um escrito
avulso do Skinner. Portanto, não posso afirmar a veracidade do texto, embora
ele circule na internet já há algum tempo.
O texto
traz a visão de um Skinner já nos seus últimos anos de vida sobre a sua relação
com a religião. Traduzi o texto e ele está disponível na íntegra nas próximas
linhas. Não sou nenhuma exímia tradutora, então, disponibilizo também o
original no fim do post para aqueles que desejarem ler.
Cresci
numa cultura moderadamente religiosa. Por muitos anos eu fui a uma escola
dominical presbiteriana, onde um professor simpático e liberal levava seis
garotos de nós através de lições fornecidas pela igreja, a maioria delas, se me
lembro, do Pentateuco. Quanto eu estava no colégio, um relógio que havia
perdido voltou a mim de uma forma que pareceu miraculosa, e eu pensei que Deus
havia falado a mim. Eu logo perdi minha fé, entretanto, embora tenha me
preocupado quanto a isso por alguns anos. Na faculdade eu freqüentava
compulsoriamente o culto matinal, onde nossos professores se revezavam lendo
passagens da Bíblia, especialmente as Parábolas. Talvez isto explique como, aos
82 anos, eu leve um certo tipo de vida religiosa.
Comungo
todos os dias – não em uma igreja com Deus, mas comigo mesmo em uma comunidade
thoreauviana(1) de um. Faço isto por 40 minutos enquanto caminho pelo meu
escritório. Eu costumava carregar uma edição de bolso dos Sonetos de
Shakespeare, e memorizar alguns deles enquanto caminhava. Ocasionalmente eu
ainda recito algum para mim mesmo, sempre admirado de como eles são difíceis de
lembrar. Geralmente, quando caminho, coloco os afazeres do dia em alguma
espécie de ordem.
Eu
comungo comigo mesmo à tarde, enquanto escuto música – os 4 B’s (Bach,
Beethoven, Brahms e Bruckner), Mahler, Wagner – numa palavra, os Românticos.
Não leio enquanto escuto música, mas penso sobre meu trabalho, e sempre tenho
um caderno à mão, porque é quando ideias novas surgem mais frequentemente.
Quanto estou na minha mesa pratico uma espécie de Zen, como eu o entendo, me
colocando na melhor condição possível para dizer coisas. Escrever é um processo
de descobrimento. O texto que termino quase não tem semelhança com o texto que
comecei a escrever. Eu aprendo o que tenho de dizer.
A
ciência, e não a religião, me ensinou valores mais proveitosos, dentre eles a
honestidade intelectual. É melhor continuar sem respostas do que aceitar
aquelas que meramente resolvem embaraços. Eu gosto da resposta de Bertrand
Russell à aposta de
Pascal. Pascal argumentou que as conseqüências de acreditar em Deus são tão
vastas que apenas um tolo não acreditaria, mas, disse Russell, suponhamos que
Deus valorize a honestidade intelectual acima de tudo. Ele nos deu evidências
falsas de sua existência e planeja mandar ao inferno todos que acreditam Nele
fortemente por causa do prêmio brilhante(2).
Como
muitas pessoas, eu reflito sobre as coisas. Como o mundo começou? Nós não
estamos em uma posição muito boa para dizer. Nós vivemos num dos menores
planetas de um pequeno sol em uma das menores de milhões de galáxias. É notável
que tenhamos feito muito sentido a partir dos fatos como os temos. Isto não é
muito como resposta, mas eu acho mais crível do que o mundo como o trabalho
manual de um criador. Como o criador surgiu?
Como as
coisas vivas vieram a existir? Aqui estamos em terreno melhor. Teorias
moleculares correntes sobre a origem da vida parecem ser mais plausíveis para
mim do que qualquer uma que se diz revelada por Deus. É possível que cientistas
um dia construam grupos de moléculas que se auto-reproduzam. Se as moléculas
fizerem isso e depois forem submetidas à variação, elas podem evoluir como
coisas viventes.
O que é o
homem? Aqui, mais próximo ao meu próprio campo, estou menos propenso a
concordar com cálculos acadêmicos ou científicos. Eu acredito que a espécie
humana é distinguível por uma coisa: através de um passo extraordinário na
evolução sua musculatura vocal ficou sob controle operante. Como isso levou à
linguagem, auto-observação e auto-gestão é uma história muito longa para contar
aqui, e não é uma resposta plenamente satisfatória, mas eu penso que é melhor
do que dizer que o homem foi criado à imagem de um Deus criador.
Muitas
vezes queria poder orar. Quero ajudar pessoas, especialmente aquelas que amo.
Quando eu mesmo não posso ajudar, queria que fosse possível recorrer a alguém
que pudesse. Quando criança eu recorria aos meus pais, mas não mais acredito
que possa recorrer a um Deus pai (ou mãe).
Muitas
vezes queria poder agradecer pela boa sorte, como fui ensinado a fazer quando
criança, mas não acredito que boa sorte seja sinal de graça. O que acontece
acontece, e nós devemos aceitá-lo, não importa o quão inescrutáveis sejam as
razões. (Nem tampouco amaldiçôo Deus por quando sofri, ou peço a Deus para
amaldiçoar outros por mim).
Eu me
assombro com a complexidade da natureza. Olho para uma grande árvore e tento
imaginar como uma célula na ponta da folha mais alta pôde encontrar seu lugar
ali. Eu vejo os papa-figos(3) no nosso jardim voltando de uma viagem por milhares de milhas e me
admiro de como eles encontraram seu caminho. A natureza é assombrosa, mas não,
penso eu, miraculosa. Nós começamos a aprender mais quanto a isso assim que
paramos de considerá-la trabalho de um deus.
Crenças
religiosas têm sido responsáveis por bela arquitetura, música, pintura,
escultura, prosa e poesia. Elas têm mantido pessoas unidas em comunidades
duráveis. Algumas vezes, têm ajudado pessoas a se comportar bem em relação às
outras e gerir suas próprias vidas com mais sucesso. Mas o afirmado poder de
interferir em recompensas e punições sobrenaturais é o tipo de poder que
corrompe, e não é por acaso que a religião hoje é tão frequentemente associada
com terrorismo e repressão. Mesmo na relativamente pacífica América(4), organizações religiosas estão
tentando reprimir o conhecimento em nossas escolas, encorajando o nascimento de
crianças que não foram desejadas, impondo suas crenças sobre outros através de
atos políticos, e, de muitas outras formas, interferindo na vida pacífica,
esclarecida.
Aceito o
fato de que como todas as coisas viventes eu logo deixarei de existir. Por um
tempo, alguns dos genes que tenho carregado serão replicados nas minhas filhas,
e algo de mim sobreviverá nos livros que tenho escrito e na ajuda que tenho
oferecido a outras pessoas. A morte não me inquieta. Não tenho medo de punições
sobrenaturais, claro, nem poderei aproveitar uma vida eterna na qual não
haveria nada mais por fazer, com o trabalho de viver tendo sido cumprido.
[Texto
original]
[update]: O Christian informou a referência do texto nos comentários.
Obrigada, Christian!
Skinner, B. F. (1987). What religion means to me. Free Inquiry,
Spring, 7, 12-13.
(1) Referência a Henry David Thoreau,
escritor naturalista americano que escreveu Walden, uma espécie de
autobiografia em que defendia a vida simples em contraponto à civilização
industrial que florescia na época. O título de Walden II de Skinner parece ser
uma clara referência a este livro.
(2) No original, “He has given us shoddy evidence of His existence and is
planning to damn to hell all those who believe in Him on the strength of it for
the sake of the glittering prize”. Não estou muito certa da minha
tradução, mas acredito que o sentido esteja preservado.
(3) No original, “orioles”, um tipo de pássaro
semelhante ao papa-figo comum nos EUA.
(4) Imaginem se Skinner tivesse
podido ver os acontecimentos recentes em seu país que se relacionam com a
religião. 11 de Setembro de 2001, criacionismo nas escolas... talvez não
tivesse chamado sua América de “relativamente pacífica”.
Postado
por Aline às 08:18