Os olhos castanhos acompanhavam o homem à sua
frente. Pés duros estavam plantados no chão. Uma leve tremida nas costas de
Hans passou desapercebida, assim como um gesto imperceptível do homem à sua
frente. O homem faz uma pergunta a Hans e ele não titubeia: responde
corretamente. As pessoas acham aquilo fantástico, mas também não sabiam que
aquilo seria o início de uma pesquisa que demoraria muito tempo e ainda é
levada nos dias de hoje. Hans não era bem um cientista, mas ele foi a base para
se analisar como as pessoas podem dar respostas mediante requisições devidas.
Em outras palavras, por causa de Hans, psicólogos estudaram como “dicas” (ESTIMULOS DISCRIMINATIVOS) e
linguagem corporal poderiam influenciar na decisão das pessoas e como elas
respondiam a determinadas ações, mesmo que inconscientemente. Hans não era
médico, cientista ou psicólogo. Hans era apenas um cavalo, mas não um cavalo
qualquer. Hans, o Esperto sabia contar… Ou pelo menos é isso que se supunha na
época.
Der kluge Hans nasceu
em cerca de 1895. Ele seria mais um cavalo de corridas e, no máximo, serviria
para pessoas apostarem seu rico dinheiro nele. Mas em algum momento, Hans – da
raça dos Trotadores Russos – mostrou que ele não entraria para a história de
nenhum hipódromo. Ele não lutaria em nenhuma guerra. Seu nome foi escrito em
livros de Ciência. Ele ficou conhecido pelo nome em inglês: Clever Hans ou, em
português, Hans, o Esperto.
O destino de Hans foi mudado quando seu dono, um
professor de matemática chamado Wilhelm Von Osten, começou a propagandear que
Hans era esperto o suficiente para fazer contas e até mesmo soletrar palavras.
Von Osten nasceu em 30 de novembro de 1838 em Schönsee, Alemanha. Ele se tornou
professor de Ensino Fundamental e lecionou em algumas cidades. Em 1866, von
Osten mudou-se para Berlim. No ano que o Brasil aboliu de vez a escravatura, von
Osten comprou um cavalo para servir de transporte e puxar carroça. Anos mais
tarde, ele comprou um outro cavalo: Hans e vida de ambos mudaria. Von Osten
estudava frenologia,
a pseudociência que arroga para si a capacidade de determinar o grau de
inteligência de alguém por meio do formato de seu crânio. De algum modo, von
Osten ficou convencido que Hans era inteligente, devido a uma protuberância na
testa do animal (estou me referindo ao cavalo) e resolveu testar suas (do
cavalo) habilidades matemáticas.
No alvorecer do século XX, Wilhelm Von Osten
começou a fazer apresentações com Hans, o Esperto. Ele era capaz de distinguir
10 cores, sabia que a raiz quadrada de 16 era 4 e, através de batidas no chão
representado letras, Hans era capaz de soletrar palavras. As pessoas ficavam
maravilhadas e os estudiosos debruçaram-se sobre isso, buscando uma correlação
disso com as teorias de um certo inglês chamado Charles Darwin. Por seus
conhecimentos, Hans seria capaz de tirar uma excelente nota no ENEM, passar no
vestibular e capaz de dar aula em muitas Universidades brasileiras.
O problema de von Osten é que algumas pessoas não
acreditam em tudo piamente, sem o crivo do Método Científico. Depois da notícia sair no The New York Times, pesquisadores
resolveram estudar o que acontecia com Hans. Uma comissão realmente entendeu que Hans era inteligente,
mas isso não convenceu a todo mundo. Von Osten se dizia um cientista e não
tinha nada a esconder, ele sabia que não havia nenhuma trapaça, e ele estava
absolutamente certo. Ele realmente não fez nenhuma artimanha ou pegadinha. Quem
fez foi seu cérebro, da maneira mais inconsciente possível.
A então chamada “Comissão Hans” era composta por
13 pessoas, sendo chefiada pelo professor de Filosofia (sim, você leu certo)
Carl Stumpf. Eles estavam certos que Hans era “o cara”, digo, “o cavalo”. Como
eles não passaram disso, Stumpf, creio que meio enfadado, passou a investigação
para Oskar Pfungst, um biólogo e psicólogo, que trabalhava com ele. Pfungst não
caiu naquela que o cavalo era espertão e resolveu fazer uns testes. Só que ele
iria usar metodologia totalmente diferente. Ele usou testes duplo-cegos.
Recapitulando, um teste mono-cego é quando o
cientista estipula experimentos, mas sabendo das possíveis variáveis que podem
dar. Por exemplo, eu elaboro umas questões do tipo “Quanto é 2 + 2?”. Eu ainda
posso armar alguma pegadinha do tipo “Qual é o último dígito de Pi?”. Eu sei,
mas muitos não sabem o resultado. Bem, a verdade é que não há resultado, e o
Wolfram Alfa me explica, como retardado que sou, que
o número Pi não tem um último dígito.
Num teste duplo cego, nem o cientista nem o alvo
a ser estudado sabem das possibilidades e do eventual resultado. É como eu
mandar dispor vários baldes emborcados no chão, com um dado dentro de um deles.
Então, eu entro na sala junto o com um médium e peço a ele para me indicar onde
está o dado e qual é o número que está sendo mostrado na face superior.
Obviamente, eu deixarei claro que a pesquisa não se importa se o médium tem
dado em casa.
Assim como uma certa menina ficaria famosa por
desmascarar pseudocientistas na década de 1970 (v. Emily Rosa), Pfungst estabeleceu experimentos onde Hans e
seu dono estavam totalmente alheios do que seria. Quando o experimento não era
feito por Von Osten, o resultado apontava que Hans, o Esperto, não se mostrou
tão esperto assim. Já quando Von Osten era instruído a fazer as perguntas, Hans
era brilhante. A chave, portanto, era Von Osten. Pfungst pediu para outras
pessoas apresentarem as perguntas. Algumas delas sabiam as respostas, outras
não. Quando as perguntas eram feitas por pessoas que sabiam a resposta, Hans
acertava. O mistério estava na linguagem corporal das pessoas, que
“denunciavam” a resposta. É o chamado Efeito Clever Hans.
É inusitado saber que hoje vivemos a era dos
títulos, onde você tem que ser doutor, pós-doutor,
senhor-professor-mestre-doutor-mago etc para ser reconhecido (às vezes, mesmo
sem ter feito nada de útil. Oskar Pfungst nunca tirou grau de mestre ou doutor.
No máximo, ganhou um título de Doutor em Medicina (Medicine Doctor, MD)
honorário, mas isso não o impediu de publicar vários estudos sobre o efeito
Clever Hans e de ganhar uma cátedra na Universidade de Frankfurt, Alemanha.
O Efeito Clever Hans é muito estudado e já foi identificado até mesmo em cães usados pela polícia para farejar
drogas. Inconscientemente, policiais às vezes “dizem” aos cães onde
supostamente está a droga. Em pessoas, é mais comum ainda, como não poderia
deixar de ser. Um olhar, um menear de cintura etc podem dizer muita coisa,
mesmo que a(o) dona(o) da “mensagem” não esteja com intenção de passar aquela
mensagem… ou, pelo menos, não para uma determinada pessoa e sim para outra. Tal
efeito foi testado pelo dr. John Bargh, professor de Psicologia Cognitiva da
Universidade de Yale, e seus colegas descobriram que poderiam influenciar as
pessoas alegando que a idade alteraria seu desempenho físico.
Somos muito influenciáveis. Só a expectativa de alguém,
mediante sua linguagem corporal, nos diz o que é pra fazer… e fazemos. Nós não
sabemos disso e a outra pessoa também não sabe. Isso, talvez, implique como
muitos grupos podem sobrepujar outros grupos. A necessidade de conformidade nos
faz agir e interagir de forma que nosso consciente não faz a menor ideia. E
tudo isso, porque um certo cavalo batia os cascos no chão, há mais de 100 anos.
Clever Hans morreu em 1916, e entre um torrão de
açúcar e uma maçã, ele de forma totalmente simples escreveu seu nome nos livros
de Ciência, através de humildes batidas no chão.
FONTE: http://ceticismo.net/2012/01/20/grandes-nomes-da-ciencia-clever-hans/