sexta-feira, 30 de março de 2012

O Cavalo Clever Hans e os Estímulos Discriminativos (SD)






Os olhos castanhos acompanhavam o homem à sua frente. Pés duros estavam plantados no chão. Uma leve tremida nas costas de Hans passou desapercebida, assim como um gesto imperceptível do homem à sua frente. O homem faz uma pergunta a Hans e ele não titubeia: responde corretamente. As pessoas acham aquilo fantástico, mas também não sabiam que aquilo seria o início de uma pesquisa que demoraria muito tempo e ainda é levada nos dias de hoje. Hans não era bem um cientista, mas ele foi a base para se analisar como as pessoas podem dar respostas mediante requisições devidas. Em outras palavras, por causa de Hans, psicólogos estudaram como “dicas” (ESTIMULOS DISCRIMINATIVOS) e linguagem corporal poderiam influenciar na decisão das pessoas e como elas respondiam a determinadas ações, mesmo que inconscientemente. Hans não era médico, cientista ou psicólogo. Hans era apenas um cavalo, mas não um cavalo qualquer. Hans, o Esperto sabia contar… Ou pelo menos é isso que se supunha na época.


Der kluge Hans nasceu em cerca de 1895. Ele seria mais um cavalo de corridas e, no máximo, serviria para pessoas apostarem seu rico dinheiro nele. Mas em algum momento, Hans – da raça dos Trotadores Russos – mostrou que ele não entraria para a história de nenhum hipódromo. Ele não lutaria em nenhuma guerra. Seu nome foi escrito em livros de Ciência. Ele ficou conhecido pelo nome em inglês: Clever Hans ou, em português, Hans, o Esperto.
O destino de Hans foi mudado quando seu dono, um professor de matemática chamado Wilhelm Von Osten, começou a propagandear que Hans era esperto o suficiente para fazer contas e até mesmo soletrar palavras. Von Osten nasceu em 30 de novembro de 1838 em Schönsee, Alemanha. Ele se tornou professor de Ensino Fundamental e lecionou em algumas cidades. Em 1866, von Osten mudou-se para Berlim. No ano que o Brasil aboliu de vez a escravatura, von Osten comprou um cavalo para servir de transporte e puxar carroça. Anos mais tarde, ele comprou um outro cavalo: Hans e vida de ambos mudaria. Von Osten estudava frenologia, a pseudociência que arroga para si a capacidade de determinar o grau de inteligência de alguém por meio do formato de seu crânio. De algum modo, von Osten ficou convencido que Hans era inteligente, devido a uma protuberância na testa do animal (estou me referindo ao cavalo) e resolveu testar suas (do cavalo) habilidades matemáticas.

No alvorecer do século XX, Wilhelm Von Osten começou a fazer apresentações com Hans, o Esperto. Ele era capaz de distinguir 10 cores, sabia que a raiz quadrada de 16 era 4 e, através de batidas no chão representado letras, Hans era capaz de soletrar palavras. As pessoas ficavam maravilhadas e os estudiosos debruçaram-se sobre isso, buscando uma correlação disso com as teorias de um certo inglês chamado Charles Darwin. Por seus conhecimentos, Hans seria capaz de tirar uma excelente nota no ENEM, passar no vestibular e capaz de dar aula em muitas Universidades brasileiras.
O problema de von Osten é que algumas pessoas não acreditam em tudo piamente, sem o crivo do Método Científico. Depois da notícia sair no The New York Times, pesquisadores resolveram estudar o que acontecia com Hans. Uma comissão realmente entendeu que Hans era inteligente, mas isso não convenceu a todo mundo. Von Osten se dizia um cientista e não tinha nada a esconder, ele sabia que não havia nenhuma trapaça, e ele estava absolutamente certo. Ele realmente não fez nenhuma artimanha ou pegadinha. Quem fez foi seu cérebro, da maneira mais inconsciente possível.
A então chamada “Comissão Hans” era composta por 13 pessoas, sendo chefiada pelo professor de Filosofia (sim, você leu certo) Carl Stumpf. Eles estavam certos que Hans era “o cara”, digo, “o cavalo”. Como eles não passaram disso, Stumpf, creio que meio enfadado, passou a investigação para Oskar Pfungst, um biólogo e psicólogo, que trabalhava com ele. Pfungst não caiu naquela que o cavalo era espertão e resolveu fazer uns testes. Só que ele iria usar metodologia totalmente diferente. Ele usou testes duplo-cegos.
Recapitulando, um teste mono-cego é quando o cientista estipula experimentos, mas sabendo das possíveis variáveis que podem dar. Por exemplo, eu elaboro umas questões do tipo “Quanto é 2 + 2?”. Eu ainda posso armar alguma pegadinha do tipo “Qual é o último dígito de Pi?”. Eu sei, mas muitos não sabem o resultado. Bem, a verdade é que não há resultado, e o Wolfram Alfa me explica, como retardado que sou, que o número Pi não tem um último dígito.
Num teste duplo cego, nem o cientista nem o alvo a ser estudado sabem das possibilidades e do eventual resultado. É como eu mandar dispor vários baldes emborcados no chão, com um dado dentro de um deles. Então, eu entro na sala junto o com um médium e peço a ele para me indicar onde está o dado e qual é o número que está sendo mostrado na face superior. Obviamente, eu deixarei claro que a pesquisa não se importa se o médium tem dado em casa.
Assim como uma certa menina ficaria famosa por desmascarar pseudocientistas na década de 1970 (v. Emily Rosa), Pfungst estabeleceu experimentos onde Hans e seu dono estavam totalmente alheios do que seria. Quando o experimento não era feito por Von Osten, o resultado apontava que Hans, o Esperto, não se mostrou tão esperto assim. Já quando Von Osten era instruído a fazer as perguntas, Hans era brilhante. A chave, portanto, era Von Osten. Pfungst pediu para outras pessoas apresentarem as perguntas. Algumas delas sabiam as respostas, outras não. Quando as perguntas eram feitas por pessoas que sabiam a resposta, Hans acertava. O mistério estava na linguagem corporal das pessoas, que “denunciavam” a resposta. É o chamado Efeito Clever Hans.
É inusitado saber que hoje vivemos a era dos títulos, onde você tem que ser doutor, pós-doutor, senhor-professor-mestre-doutor-mago etc para ser reconhecido (às vezes, mesmo sem ter feito nada de útil. Oskar Pfungst nunca tirou grau de mestre ou doutor. No máximo, ganhou um título de Doutor em Medicina (Medicine Doctor, MD) honorário, mas isso não o impediu de publicar vários estudos sobre o efeito Clever Hans e de ganhar uma cátedra na Universidade de Frankfurt, Alemanha.
O Efeito Clever Hans é muito estudado e já foi identificado até mesmo em cães usados pela polícia para farejar drogas. Inconscientemente, policiais às vezes “dizem” aos cães onde supostamente está a droga. Em pessoas, é mais comum ainda, como não poderia deixar de ser. Um olhar, um menear de cintura etc podem dizer muita coisa, mesmo que a(o) dona(o) da “mensagem” não esteja com intenção de passar aquela mensagem… ou, pelo menos, não para uma determinada pessoa e sim para outra. Tal efeito foi testado pelo dr. John Bargh, professor de Psicologia Cognitiva da Universidade de Yale, e seus colegas descobriram que poderiam influenciar as pessoas alegando que a idade alteraria seu desempenho físico.
Somos muito influenciáveis. Só a expectativa de alguém, mediante sua linguagem corporal, nos diz o que é pra fazer… e fazemos. Nós não sabemos disso e a outra pessoa também não sabe. Isso, talvez, implique como muitos grupos podem sobrepujar outros grupos. A necessidade de conformidade nos faz agir e interagir de forma que nosso consciente não faz a menor ideia. E tudo isso, porque um certo cavalo batia os cascos no chão, há mais de 100 anos.
Clever Hans morreu em 1916, e entre um torrão de açúcar e uma maçã, ele de forma totalmente simples escreveu seu nome nos livros de Ciência, através de humildes batidas no chão.


FONTE: http://ceticismo.net/2012/01/20/grandes-nomes-da-ciencia-clever-hans/