Carolina Laurenti
Universidade Estadual de Maringá – PR – Brasil
Universidade Estadual de Maringá – PR – Brasil
A proposta de uma ciência do comportamento defendida por Skinner
(1904-1990) traz consigo inúmeras questões controversas. Uma delas diz respeito
à relação entre ciência e determinismo. Skinner (1953) admite que a
possibilidade de uma ciência do comportamento está ancorada na suposição de que
o comportamento humano é determinado. Não se trata, pois, de um compromisso
tácito, mas declarado:
Para termos uma ciência da
psicologia, devemos adotar o postulado fundamental que o comportamento é um
dado sujeito a leis, que ele não é perturbado pelos atos caprichosos de
qualquer agente livre – em outras palavras, que ele é completamente
determinado. (Skinner, 1947/1999b, p. 345).
Embora, posteriormente, tenha dosado suas declarações sobre a
determinação do comportamento, admitindo a impossibilidade da tese poder ser
provada, Skinner (1974, p. 189) não parece ter se desvencilhado do
determinismo. Na verdade, Skinner parece conceber o determinismo como uma
cláusula da própria noção de cientificidade. Assim segue o argumento
skinneriano: se quisermos aplicar os métodos da ciência no campo das questões
humanas, devemos assumir que o comportamento é completamente determinado
(Skinner, 1953). Isso porque “não se pode aplicar os métodos da ciência em um
assunto que se presuma ditado pelo capricho” (p. 06). Dado o suposto vínculo
estreito entre determinismo e ciência, o estatuto determinista do comportamento
parece inquestionável: criticar o determinismo seria o mesmo que duvidar da
possibilidade de tratamento científico do comportamento.
Além da conspícua inclinação de Skinner (1947/1999b, 1953, 1971) ao
determinismo, muitos dos estudiosos de sua obra também parecem compartilhar de
uma interpretação determinista do Behaviorismo Radical (Chiesa, 1994; Slife,
Yanchar & Williams, 1999). Nessa linha de raciocínio, as eventuais
controvérsias sobre o assunto parecem girar em torno de qual tipo de
determinismo é o mais adequado para fundamentar as práticas de pesquisa de
analistas do comportamento (Slife et al.). Em suma, não parece ser o caso,
aqui, de questionar a própria interpretação determinista dos compromissos
científico-filosóficos de Skinner1. Na
esteira da interpretação predominante do behaviorismo de Skinner, a
determinista, este texto pretende examinar com mais detalhe uma acepção de
‘determinismo’ que é usualmente empregada na literatura
analítico-comportamental do assunto: a noção de determinismo probabilístico
(Abib, 1997, pp. 43-44; Carrara, 2004, pp. 39-40; Carvalho Neto, 2002, p. 04;
Galuska, 2003, p. 263; Moxley, 2007, p. 73; Tourinho, 2003, p. 38).
A noção de determinismo probabilístico traz à baila outro debate acerca
das interpretações deterministas do behaviorismo skinneriano. O embate agora é
entre determinismo probabilístico e determinismo absoluto. Vejamos como isso se
dá. A Análise do Comportamento, ciência orientada pela filosofia do
Behaviorismo Radical, não sai ilesa de seu compromisso com o determinismo. Não
é incomum encontrarmos críticas alegando que, com sua concepção determinista, a
Análise do Comportamento está preocupada somente com previsão e controle. Sendo
assim, não deixa espaço para a liberdade e criatividade, tratando o homem como
um mero fantoche das determinações inexoráveis do ambiente natural e social
(Carrara, 2005).
No contexto dessas críticas, a noção de determinismo probabilístico
parece colocar as coisas em boa ordem. Afirma-se, por um lado, que o
comportamento é determinado, o que, de imediato, parece garantir o status científico
do comportamento. Mas, por outro lado, não se trata de um determinismo
absoluto, mas probabilístico. Isso porque o comportamento é um objeto de estudo
complexo, que encerra relações funcionais envolvendo uma pluralidade de
variáveis. Em razão dessa multideterminação, é praticamente impossível
especificarmos uma causa exata para os fenômenos comportamentais e,
conseqüentemente, determinar de maneira absoluta o comportamento (Carrara,
2004; Tourinho, 2003).
Assim, mesmo assumindo que o comportamento é determinado, a noção de
determinismo probabilístico chama a atenção para o fato de que o nosso
conhecimento do comportamento é bastante modesto. Previsões certas e absolutas
não são a regra. Seria, portanto, mais adequado dizer que podemos apenas fazer
enunciados sobre ocorrências prováveis do comportamento. Nesse contexto, a
noção de determinismo probabilístico sugere que incertezas, imprevisibilidades
e probabilidades dizem respeito aos limites metodológicos, e não à natureza do
próprio objeto de estudo (o comportamento), que continua sendo considerada
determinada – pois, os métodos da ciência, vale lembrar Skinner (1953), não
podem ser aplicados a um objeto de estudo que supõe ser governado pelo
capricho.
Com efeito, a noção de determinismo probabilístico parece satisfazer às
exigências de algumas concepções científicas, que tratam o determinismo como
uma cláusula da própria definição de ciência. Ao mesmo tempo, o determinismo
probabilístico também parece ser uma resposta às críticas daqueles que acusam a
Análise do Comportamento de arrogância pela pretensão de manipular, controlar e
prever, de maneira absoluta, algo tão complexo como o comportamento.
Podemos perceber que a noção de determinismo probabilístico geralmente se
opõe à de determinismo absoluto. O objetivo deste artigo é, justamente,
estabelecer uma comparação entre as noções de determinismo absoluto e
determinismo probabilístico, aquilatando, então, a plausibilidade dessa
oposição. Com isso, pretende-se examinar também diferentes maneiras (ontológica
e epistemológica) de discutir o conceito de probabilidade na Análise do
Comportamento.
Determinismo absoluto
Usualmente a idéia de determinismo absoluto remonta à proposta de
Pierre-Simon Laplace (1749-1827), sintetizada em um célebre trecho de seu
livro, Um ensaio filosófico sobre as probabilidades:
Devemos considerar o estado atual do universo como efeito do seu estado
anterior e causa do que vai se seguir. Suponha-se (...) uma inteligência que
conhecesse num momento dado todas as forças que atuam na Natureza e o estado de
todos os objetos que a compõem, e que fosse suficientemente ampla para submeter
esses dados à análise matemática, ela, então, poderia expressar numa única
fórmula os movimentos dos maiores astros e dos menores átomos. Nada seria
incerto para ela; e o futuro, tal como o passado, estariam presentes aos seus
olhos. (Laplace, 1814/1951, p. 04)
A função de tal inteligência, ou “demônio” (como ficou popularmente
conhecido), pode ser alvo de inúmeras especulações, dado o caráter evidentemente
irrealizável de tal potência. Reparemos que o determinismo laplaciano começa
com uma conotação causal: “devíamos (...) considerar o estado atual do universo
como efeito do seu estado anterior e causa do que vai se seguir”. Depois acaba
por identificar determinismo com conhecimento completo do passado e futuro:
“nada seria incerto para ela [inteligência]; e o futuro, tal como o passado,
estariam presentes aos seus olhos”. Em vista disso, a formulação laplaciana
ficou conhecida como a forma mais radical e paradigmática de determinismo: ela
combina descrição completa do estado do mundo em um dado tempo (as condições
iniciais) com as leis da natureza. Se tivermos tudo isso, então, o estado
presente do mundo torna necessários todos os estados, passados e futuros.
No entanto, o apelo de Laplace (1814/1951) a uma inteligência superior
acaba subordinando o determinismo ontológico à epistemologia: “o ‘determinismo
laplaciano’ propõe-se qualificativamente o conhecimento total e absoluto,
entretanto bastante ideal” (Paty, 2004, p. 474). Em outras palavras, o
determinismo ontológico torna-se realizável apenas ao demônio, que conhece
todos os estados do mundo, mas jamais ao homem. Isso porque a limitação
cognitiva do homem nunca lhe permitirá conhecer a totalidade dos estados do
mundo. Em razão desse aspecto cognitivo, que vincula determinismo com a
possibilidade de conhecimento completo de um sistema, alguns físicos e
filósofos não consideram o determinismo laplaciano uma boa formulação do
determinismo ontológico (Earman, 1986; O’ Connor, 1957).
Todavia, mesmo que o determinismo laplaciano possa ser colocado, de
maneira acertada, do ponto de vista do conhecimento, ele dá indícios de que há
uma necessidade oculta que opera na natureza (Paty, 2004). Na concepção de Laplace,
o universo seria perfeitamente unificado, constituído por relações causais
rigidamente concatenadas, em que todas as coisas estão fixas e imutavelmente
unidas umas às outras. É justamente essa necessidade oculta que muitos entendem
por determinismo ontológico (Paty, 2004; Wilson, 1958/1974). Nesse sentido,
podemos dizer que o determinismo laplaciano, mesmo que indiretamente, explicita
o determinismo ontológico ao supor a necessidade da natureza que o conhecimento
humano deve buscar. Em outros termos, é no contraste entre necessidade absoluta
da natureza e as restrições cognitivas em apreender tal necessidade que o
determinismo ontológico ganha relevo.
A relação entre determinismo ontológico e limitação epistemológica talvez
fique mais clara quando examinarmos, a seguir, o estatuto da probabilidade no
sistema laplaciano.
Determinismo ontológico e
probabilidade
Como é possível notar no trecho citado anteriormente, a famosa declaração
de Laplace (1814/1951) não emprega o termo ‘determinismo’. Essa designação só
será mencionada em 1865 nos trabalhos de Claude Bernard, e em 1878, quando o
termo é incorporado como verbete do Dictionnaire de l’Académie (Paty,
2004). Não obstante, a formulação laplaciana presumivelmente serviu como pano
de fundo para as concepções de eminentes cientistas, como Claude Bernard, que
contribuíram para difundir o determinismo no último terço do século XIX. Mais
interessante ainda é que a possível raiz do sentido de ‘determinismo’ atribuído
a Laplace havia sido expressa sessenta anos antes por d’Alembert, de quem
Laplace foi discípulo (Paty, 2004). O que pode ser destacado dessa suposta linhagem
do termo ‘determinismo’ é sua compatibilidade com probabilidade.
A antecipação da concepção laplaciana de determinismo encontra-se,
curiosamente, no verbete ‘fortuito’ da Enclyclopédie, de autoria de
d’Alembert, que diz o seguinte: “estando tudo ligado na natureza, os
acontecimentos dependem uns dos outros; a cadeia que os une é freqüentemente
imperceptível, mas não deixa de ser menos real” (d’Alembert, 1757, citado por
Paty, 2004, p. 470). À época, vigorava uma discussão acerca da causalidade e do
acaso, e da natureza necessária ou contingente das leis físicas. D’Alembert
posiciona-se explicitamente do lado da causalidade e necessidade, e o suposto
caráter fortuito de eventos físicos é considerado apenas aparente. Por
conseguinte, conclui o mentor de Laplace, deve existir uma causa para tudo,
ainda que não a conheçamos.
Com efeito, para d’Alembert, tudo no mundo está interconectado compondo o
que ele designa por ‘sistema geral do mundo’ (Paty, 2004). Nesse contexto,
qualquer alteração no sistema, por mais diminuta que seja, modificaria a
constituição de todo conjunto: “Suponhamos um evento a mais ou a menos no mundo
(...), todos os outros ressentir-se-ão com essa alteração pequena, assim como
um relógio se ressente inteiramente da menor alteração sofrida por uma de suas
rodas” (d’Alembert, 1757, citado por Paty, p. 471).
Vale ressaltar, contudo, que para d’Alembert apenas uma inteligência
suprema (isto é, Deus) pode conhecer a totalidade indivisível da natureza,
incluindo as eventuais modificações e seus efeitos no sistema global. Tal
inteligência contrasta, por exemplo, com o conhecimento humano que, pela sua
finitude, é incapaz de ter uma visão imediata de tal totalidade, tendo que
percorrê-la passo a passo (Paty, 2004). Uma das funções da ficção de uma inteligência
superior é permitir conceber “a unicidade absoluta dos encadeamentos de
causalidade idênticos” (Paty, 2004, p. 472).
Vemos ecos dessa função na idéia de um observador onisciente ou “demônio”
de Laplace (1814/1951), que pode ser identificado logo no início do já
mencionado trecho de sua obra Um ensaio filosófico sobre as probabilidades:
“Suponha-se (...) uma inteligência que conhecesse num momento dado todas as
forças que atuam na Natureza...”. À semelhança de seu mentor, Laplace
reconhece, mesmo com otimismo contido, que o conhecimento humano é bastante
limitado, quando comparado ao poder cognitivo de tal potência:
O espírito humano oferece, na perfeição que soube dar à astronomia, um
fraco esboço dessa inteligência. (...) Todos seus esforços na procura da
verdade tendem a aproximá-lo sem cessar à Inteligência que acabamos de
conceber, mas da qual ele ficará sempre infinitamente afastado. (Laplace,
1814/1951, p. 04)
É justamente neste contexto, em que as limitações do conhecimento humano
são destacadas, em contraste com o conhecimento ideal, que surge a noção de
probabilidade. Paty (2004) esclarece o ponto: “O papel das probabilidades será
o de fornecer um paliativo a esta ignorância, permitindo-nos avaliar-lhe o grau
a partir do que sabemos, e é possível fazê-lo muito exatamente tirando
proveito, também aí, dos recursos da análise, pela teoria analítica das
probabilidades” (p. 473).
Com efeito, podemos dizer que, para o determinismo laplaciano, a
probabilidade nada mais é do que uma confissão da ignorância de todos os
determinantes dos eventos. Essa ilação pode ser conferida nas seguintes
palavras de Laplace (1814/1951): “a probabilidade é relativa, em parte à nossa
ignorância, em parte ao nosso conhecimento” (p. 06). Ou ainda:
Todos os eventos, mesmo aqueles que pela sua insignificância não parecem
seguir as poderosas leis da natureza, são o resultado dessas leis de modo tão
necessário como o são as revoluções do sol. Na ignorância dos elos que unem
tais eventos ao sistema total do universo diz-se que eles dependem de causas
finais ou do azar, mesmo que ocorram, ou se repitam com regularidade, ou mesmo
quando aparecem sem relação com qualquer ordem. Mas essas causas imaginárias
têm gradualmente sido afastadas com a ampliação dos limites do conhecimento e
desaparecido completamente diante de uma filosofia sólida, que as concebe
somente como expressão de nossa ignorância das verdadeiras causas. (Laplace,
1814/1951, p. 03)
Do ponto de vista do conhecimento, a probabilidade tem a função de
revelar a limitação ou o conhecimento parcial do homem. Em última análise, isso
nos leva a concluir que um conhecimento objetivo e verdadeiro deveria ser
expresso sem o recurso à probabilidade (Paty, 2004).
Em suma, a noção de determinismo absoluto ou laplaciano envolve, por um
lado, uma concepção de natureza constituída por relações causais rígidas e
necessárias, que, se conhecidas, não dariam espaço para noções tais como as de
acaso ou casualidade, por exemplo. Por outro lado, o determinismo laplaciano
estabelece o ponto de vista de um conhecimento acabado ideal, que se identifica
com o conhecimento total e absoluto das redes causais que constituem um dado
fenômeno.
Vale destacar que, na perspectiva laplaciana, somente “a Inteligência”,
com poderes cognitivos ilimitados, é capaz de conhecer a total determinação do
mundo, isto é, as conexões causais rígidas e inexoráveis entre os eventos na
natureza. Nesse sentido, Laplace (1814/1951) parece ser cético quanto às
possibilidades de o homem alcançar o conhecimento completo de um dado fenômeno.
Mesmo assim, ele afirma que todos os esforços científicos tendem a aproximar o
homem dessa Inteligência, mas pondera que este sempre estará infinitamente
afastado dela.
Essa discussão sugere que o determinismo absoluto de Laplace (1814/1951)
seja compatível com a noção de probabilidade, entendida como o grau de
conhecimento que conseguimos da totalidade de uma realidade inexorável. Em
tese, a noção de determinismo laplaciano pode ser interpretada como a conjunção
entre determinismo ontológico e probabilismo epistemológico. Temos, então, um
mundo rigidamente concatenado (determinismo ontológico), cujas conjunções o
homem pretende descobrir por meio do avanço do conhecimento científico. Ainda
que, devido à sua limitação cognitiva, o homem possa expressar tal conhecimento
apenas em termos de probabilidade (probabilismo epistemológico), a suposição
ontológica de um mundo determinado parece ser prolífica. Ela encoraja o homem a
aperfeiçoar cada vez mais seus métodos de análise e cálculo, motivado pela
esperança de que os avanços nessa empresa farão com que chegue cada vez mais
perto dos determinantes dos fenômenos.
Determinismo probabilístico
Voltemos ao conceito de determinismo probabilístico. O que significa o
adjetivo probabilístico? À primeira vista, ele parece remeter para o grau de
conhecimento que temos das múltiplas variáveis que determinam o comportamento.
Isto é, a noção de probabilidade reforça a idéia de que é impossível
especificar com precisão a causa exata de qualquer comportamento, ou a
totalidade dos fatores causalmente relevantes de um evento. Assim, a
probabilidade diz respeito a um enunciado sobre as limitações do conhecimento
sobre o objeto de estudo, e não sobre o próprio objeto, o comportamento.
Mas qual é o estatuto da probabilidade na produção de conhecimento sobre
o comportamento? A probabilidade indica uma limitação provisória ou insuperável
no tocante à identificação da multiplicidade de variáveis das quais o
comportamento é função? Do ponto de vista de uma epistemologia mais otimista, é
possível conceber que o avanço de nossos métodos de observação e cálculo
culminará na identificação de todas as variáveis determinantes do
comportamento. Nesse ponto, a noção de probabilidade pode ser considerada
supérflua e poderia ser abandonada, já que, no limite, seria possível conhecer
e prever o comportamento com certeza absoluta.
Mas, se estivermos afinados com Laplace (1814/1951), deveríamos admitir
que apenas uma superinteligência poderia conhecer todas as variáveis dos
fenômenos. Como pesquisadores em geral, e analistas do comportamento em
particular, não são supercientistas e, provavelmente, não atingirão a potência
cognitiva do demônio laplaciano, parece ser mais razoável pensar que nossas
limitações epistemológicas são insuperáveis. Isso não significa, em absoluto,
que os analistas do comportamento, assim como Laplace, desistirão de buscar
causas ou leis do comportamento.
No caso de Laplace (1814/1951), a motivação pela busca das causas dos
fenômenos parece estar fundamentada na crença ontológica de uma necessidade
absoluta na natureza. Em contraste, a probabilidade é interpretada como
expressão dos limites e finitude do conhecimento humano em apreender essa
necessidade. Nesse caso, a probabilidade designa uma limitação epistemológica
insuperável, isto é, uma restrição do nosso conhecimento em identificar todas
as variáveis determinantes de um evento.
E no caso dos analistas do comportamento? O que motivaria a busca
incessante por causas e regularidades comportamentais, mesmo reconhecendo que,
na melhor das hipóteses, só poderemos descrever regularidades que especificam
relações probabilísticas entre organismo e ambiente? Seria uma crença no
determinismo ontológico? Ou seja, seria a crença de que o comportamento é
completamente determinado, e que a probabilidade nada mais é que a expressão de
nossa ignorância dessa determinação absoluta? Nessa linha de raciocínio, a
expressão “determinismo probabilístico” parece sugerir a conjunção entre
determinismo ontológico (daí determinismo) e probabilismo epistemológico (por
isso, o qualificativo ‘probabilístico’). Assim, a despeito do caráter
probabilista de suas formulações, o determinismo probabilístico parece estar
comprometido com o determinismo ontológico. Isso porque ainda permanece a suposição
velada de que o comportamento é completamente determinado por um complexo
arranjo de variáveis ou causas, que escapa ao nosso conhecimento de forma
definitiva. Se essa análise for plausível, subjacente à noção de determinismo
probabilístico parece repousar, intocado, o mais implacável determinismo
ontológico. Sendo assim, o determinismo probabilístico não parece ser um
conceito alternativo ou mesmo uma versão mitigada do determinismo absoluto.
Trocando em miúdos: não parece haver diferença significativa entre determinismo
probabilístico e determinismo absoluto.
Determinismo probabilístico e
Análise do Comportamento
Se seguirmos uma filosofia da ciência de orientação mais positivista, que
defende uma separação radical entre ciência e filosofia (no caso, a ontologia),
parece ser possível salvar a expressão “determinismo probabilístico”. Podemos
argumentar, por exemplo, que se trata unicamente de um conceito epistemológico.
Nesse caso, a probabilidade mostraria a impossibilidade de encontrarmos todas
as causas, e a noção de determinismo poderia ser entendida como uma prescrição
para continuarmos a buscar essas causas, mesmo que sejamos céticos em um dia
levar essa investigação a termo. Assim, como no mito de Sísifo, o analista do
comportamento continuaria a procurar causas, mesmo considerando que seja
impossível apreender a totalidade delas. Tal interpretação parece ser um
encaminhamento plausível para essa discussão, pois nos exime de fazer
pronunciamentos sobre o funcionamento ou estrutura do mundo e, mais
especificamente, do comportamento. Proposições, diga-se de passagem, que não
podem ser justificadas empiricamente.
Embora algumas obras de Skinner ( 1931/1999a, 1938/1991) abram o flanco
para uma interpretação positivista de seus compromissos filosóficos, vale
mencionar que essa leitura é passível de crítica. O próprio Skinner (1979) dá
ensejo para tal questionamento: “eu não era uma positivista lógico. Eu não sei
por que muitas pessoas pensavam que eu fosse. Tampouco era um positivista
comtiano” (p. 47). Além disso, Smith (1986) mostra, de maneira consistente, a
incompatibilidade dos pressupostos filosóficos do behaviorismo skinneriano com
as teses básicas do positivismo lógico, como o apreço pelo tratamento
lógico-matemático dos enunciados científicos, bem como a defesa de um
reducionismo na ciência. Ademais, outros estudiosos argumentam que o
pragmatismo é a filosofia mais relevante para legitimar as práticas de pesquisa
do Behaviorismo Radical, e não o positivismo e o empirismo (Abib, 1999). Essa
interpretação ganha amparo nas próprias declarações de Skinner (1979). Na
verdade, quando, em uma entrevista, Skinner (1979, p. 48) foi questionado se
havia aproximação entre a teoria do condicionamento operante e algum sistema
filosófico existente, a resposta foi positiva, e aludiu ao pragmatismo.
Mais interessante ainda é que se levarmos adiante as afinidades entre o
behaviorismo skinneriano e o pragmatismo, o determinismo probabilístico, mesmo
restrito ao nível epistemológico, não parece encontrar guarida na filosofia
pragmatista. Isso porque tanto o pragmatismo de Peirce (1839-1914) e de James
(1842-1910), quanto o contextualismo de Pepper (1891-1972), uma variante do
pragmatismo, são filosofias declaradamente críticas do determinismo. O
pragmatismo não comunga da noção de probabilidade do determinismo
probabilístico, que é tratada apenas em termos de conhecimento insuficiente ou
ignorância das causas. Diferente disso, no contexto do pragmatismo a
probabilidade tem um estatuto ontológico e epistêmico positivo. Para Peirce
(1892/1992b), por exemplo, a ciência só pode alcançar regularidades
probabilísticas, pois no seio da própria lei opera o acaso. O acaso é o
elemento que produz desvios, mesmo que infinitesimais, de leis gerais, e não o
nome para uma causa desconhecida para nós. Por mais que Peirce, do ponto de
vista epistemológico, admitisse, entusiasticamente, a possibilidade de obtermos
inferências ou leis cada vez mais satisfatórias na ciência, tais enunciados
seriam nada mais do que inferências prováveis. E, enquanto tais, eles nunca
podem supor que algo seja “precisamente verdadeiro, sem exceção, em todas as
partes do universo” (Peirce, 1892/1992b, p. 300). Na verdade, o movimento que
acomete as investigações científicas parece ser bastante paradoxal. Peirce explica:
“tente verificar qualquer lei da natureza e você descobrirá que quanto mais
suas observações forem precisas, com mais certeza elas mostrarão desvios
irregulares da lei” (pp. 304-305).
Na esteira de Peirce, James (1963/1967) entende que o “determinismo
assegura-nos que toda a nossa noção de possibilidade nasce da ignorância
humana, e que a necessidade e a impossibilidade regem os destinos do mundo” (p.
79). Como um crítico do determinismo, James defende o livre-arbítrio que,
“pragmaticamente significa novidades no mundo, o direito de esperar
que em seus elementos mais profundos, como em seus elementos superficiais, o
futuro não possa repetir-se identicamente e imitar o passado” (p. 79). Em vista
disso, “a natureza só pode ser aproximadamente uniforme” (p. 79). Nesse caso,
James endossa a assertiva peirceana de que ciência só pode descrever relações
probabilísticas entre eventos.
Pepper (1942/1961), por seu turno, diz que a noção de probabilidade como
paliativo à ignorância é típica da visão-de-mundo mecanicista. Para o
mecanicismo, o acaso, ou a imprevisibilidade, diz respeito apenas a aspectos
mais restritos do mundo, que não são imprevisíveis por natureza, mas apenas em
decorrência de nossas limitações cognitivas. O mecanicismo torna tais eventos aparentemente
imprevisíveis em previsíveis recorrendo à “lei da probabilidade” (Pepper,
p. 143). Reparemos que, para o mecanicismo, a probabilidade é apenas um recurso
empregado para tentar sorver a aparente irregularidade em regularidade – ainda
que a descrição dessa regularidade seja menos precisa. Diferente disso, para o
contextualismo, a probabilidade é um aspecto positivo, característico dos
próprios fenômenos, pois entende que os eventos não estão atados de maneira
fixa e imutável (Pepper, 1942/1961). Referindo-se ao contextualismo, Pepper
diz: “a permanência absoluta ou imutabilidade em qualquer sentido é, para esta
teoria, uma ficção, e sua aparência é interpretada em termos de continuidades
históricas que não são imutáveis” (p. 243) e, em outro trecho, arremata: a
“desordem é um aspecto categorial do contextualismo” (p. 234).
Em suma, por mais que o determinismo probabilístico também possa
concordar com o pragmatismo de que a ciência só poderá descrever regularidades
probabilísticas, a noção de probabilidade em jogo é substancialmente diferente.
Para o primeiro, a probabilidade é definida negativamente: é ignorância da
totalidade das causas. Mesmo que, pela complexidade do fenômeno, a ciência
fique restrita a descrições em termos de probabilidade, o determinismo
probabilístico deixa a impressão de que descrições probabilísticas são uma
“edição barata” do conhecimento científico, já que a “edição de luxo” parece
estar ancorada na idéia de que o conhecimento científico legítimo e ideal não
deveria ser escrito no idioma da probabilidade. Para o pragmatismo, por sua
vez, a probabilidade tem estatuto positivo tanto no nível ontológico quanto
epistemológico. No nível ontológico, a probabilidade é entendida como uma
característica irredutível dos fenômenos da natureza. No nível epistemológico,
a probabilidade tem estatuto epistêmico positivo, pois o pragmatismo admite
como legítimo o conhecimento assentado exclusivamente em relações
probabilísticas. Com efeito, a noção de probabilidade do determinismo
probabilístico parece ser incompatível com a filosofia do pragmatismo.
Tendo em vista esses aspectos e as afinidades entre pragmatismo e
behaviorismo skinneriano, parece que o determinismo probabilístico, mesmo
entendido como uma tese inteiramente epistemológica, não encontra apoio nos
compromissos filosóficos da Análise do Comportamento. Mas, diante dessa
constatação, resta ainda indagarmos se o determinismo epistemológico é a única
tese que pode encorajar o empreendimento científico. Em outras palavras, será
que a tese geralmente considerada contrária ao determinismo, o indeterminismo,
não poderia, igualmente, estimular a pesquisa científica?
Sobre o papel motivacional do indeterminismo na pesquisa científica
Lidar com probabilidades, imprecisões e incertezas parece fazer parte da
rotina tanto de deterministas quanto de indeterministas. A questão é como se
posicionar diante dessas supostas “falhas”.
Ora, o determinista encara os desvios de leis causais universais como um
desafio para o aperfeiçoamento de sua teoria e aparatos de medidas (Wilson,
1958/1974). Frente à variação e à irregularidade, o determinista não
desanimaria, pois há uma causa necessária e suficiente (ou, pelo menos,
suficiente) para toda e qualquer ocorrência de um dado evento, que precisa ser
descoberta. Com efeito, tais imprecisões ou irregularidades, justamente por
serem resultado da ignorância de todas as causas, estimulam a busca incansável
por outras leis causais. Além disso, admite-se que o determinista adota uma
postura mais modesta diante da natureza, pois reconhece que há causas que ainda
lhe escapam. Temos aqui a imagem de um pesquisador humilde, otimista e
resiliente.
Nessa linha de raciocínio, podemos dizer que o indeterminista parece se
conformar diante das probabilidades, já que, em sua concepção, é o máximo que o
mundo poderia lhe oferecer. No limite, isso sugere que o indeterminista
deixaria de levar uma dada pesquisa científica adiante frente à persistência de
alguma “falha” no experimento. Com efeito, o indeterminismo, embora possa até
incitar a busca de causas ou leis, parece não ser capaz de encorajar uma postura
audaciosa diante do novo. Desse modo, justificar os desvios de leis gerais
apelando para a suposta probabilidade do mundo (pois não se pode prová-la)
parece ser incompatível com a própria curiosidade científica, que instiga à
descoberta de novas causas que poderiam estar atuando no fenômeno. Sob essa
ótica, o indeterminista, além de conformista, é considerado assaz pretensioso,
pois como poderia saber que não há causas desconhecidas que estão determinando
os eventos? (Eddington, 1932). Encontramos aqui a figura de um pesquisador com
aspiração à onisciência, embora apático e resignado.
O determinista pode, portanto, acusar o indeterminista de que sua crença
na suposta probabilidade e complexidade do mundo contribui para o fim do
progresso da ciência. Isso porque não mais se inquiriria sobre eventuais causas
ocultas alegando que é do feitio da natureza nos surpreender e nos atormentar.
No entanto, o indeterminista pode valer-se de argumento semelhante: a
crença no determinismo também não poderia culminar na paralisação da ciência
quando o determinista conseguir divisar todas as causas dos fenômenos? Se
lograsse o controle e a previsão absoluta dos eventos, como ir mais além?
Assim, a natureza surpreenderia o determinista até que se descobrissem todas as
leis e causas inexoráveis. Depois disso, seria o fim da ciência pelo
esgotamento de descobertas.
Todavia, um determinista mais cético poderia argumentar que a natureza
ainda o surpreenderia, embora tal surpresa significasse apenas o
desconhecimento de todas as causas necessárias e suficientes (ou, pelo menos,
suficientes). Embora reconheça tal limitação, o determinista é ainda motivado
pela crença de que há causas por serem descobertas.
Novamente, voltamos à indagação: a crença no indeterminismo desmotivaria
o indeterminista diante de possíveis falhas no experimento? Acusar o
indeterminista de condescendência é assumir que ele não está preparado para
testar sua conjectura, e para testá-la ele terá que fazer o mesmo que o
determinista, ou seja, procurar explicações para o evento em questão (Bennett,
1963). Nesse sentido, o indeterminista não esmoreceria, mas ainda inquiriria
uma explicação para o fenômeno.
Além do mais, comportar-se como se a natureza carregasse em seu bojo um
mínimo de indeterminação pode tornar mais desafiadora a elaboração de
procedimentos e técnicas para “domesticar essa indeterminação” – ou seja, para
procurar padrões de regularidade probabilística na natureza. Mas, talvez,
torna-se ainda mais interessante, em alguns momentos, maximizar essa indeterminação
de maneira a produzir mais variação experimentando as possibilidades de
interação entre os eventos da natureza.
Com efeito, o indeterminista pode potencializar a variação na tentativa
de criar um contexto propício para a observação de fenômenos nunca vistos,
sobre os quais pode se debruçar na busca por leis probabilísticas. Desse modo,
o indeterminismo pode encorajar uma prática científica não apenas eficiente, já
que incita a busca por leis probabilísticas, mas também criativa, já que o novo
não é visto como um desvio ou acidente de leis causais universais, mas como uma
nova configuração da natureza que está em constante transformação. Aqui podemos
ressaltar mais uma diferença entre deterministas e indeterministas: embora
ambos lidem com probabilidades e incertezas, esses aspectos parecem ter um
estatuto epistêmico distinto para eles. Para a epistemologia determinista, o
conhecimento científico legítimo deveria ser assentado em relações inexoráveis
entre eventos, por isso, o conhecimento expresso em relações probabilísticas,
embora possa ser o melhor que possamos alcançar, não parece ser o conhecimento
ideal. Mas, para a epistemologia indeterminista, a probabilidade tem status epistêmico
positivo. Isso significa que é possível estabelecer leis, conceitos,
explicações científicas genuínas com base no conhecimento de relações
instáveis, prováveis, variáveis entre eventos ou tipos de eventos (Laurenti,
2009).
Nessa linha de raciocínio, não poderíamos pensar também que o
determinista, justamente por dar um estatuto epistêmico mais positivo para
relações certas e precisas entre eventos, estaria deixando de lado a novidade,
o novo, na pesquisa? E, por outro lado, os indeterministas estariam propondo
uma racionalidade diferente, em que colocariam a instabilidade no seio da
própria ciência, e que o objetivo seria justamente pensar o incerto? Desse
modo, não poderíamos dizer que a pesquisa conduzida sob a suposição
indeterminista seria mais criativa, ou mais dinâmica?
Isso é o que sugere as palavras de Dewey (1922/1981) referindo-se à
discussão de William James de como crenças filosóficas conduzem a diferentes
modos de conduta. O que está em jogo é o problema filosófico do Uno e do
Múltiplo, mas podemos aproveitar essa reflexão para discutir a controvérsia sobre
o determinismo e indeterminismo:
Monismo é equivalente a um universo rígido no qual todas as coisas são
fixas e imutavelmente unidas umas às outras, onde a indeterminação,
livre-escolha, novidade, e o imprevisto na experiência não têm lugar; um universo
que demanda o sacrifício da diversidade concreta e complexa das coisas em favor
da simplicidade e nobreza de uma estrutura arquitetônica. No que diz respeito a
nossas crenças, o Monismo demanda um temperamento racionalista conduzindo a uma
atitude fixa e dogmática. Por outro lado, o Pluralismo, deixa espaço para a
contingência, liberdade, novidade, e dá completa liberdade de ação ao método
empírico, que pode ser indefinidamente estendido. Ele aceita a unidade onde a
encontra, mas não tenta forçar a vasta diversidade dos eventos e coisas em um
molde racional único. (Dewey, 1922/1981, p. 42)
Considerações finais: uma breve nota sobre o indeterminismo ontológico
Se considerarmos a crítica pós-empirista e pós-positivista na ciência
(Popper, 1956/1988, 1975), podemos argumentar que epistemologia e ontologia
estão interligadas: decisões e juízos epistemológicos podem ser orientados por
uma dada ontologia, e o exame de uma epistemologia pode dar indícios de
compromissos ontológicos subjacentes. Esses comentários servem apenas para
sugerir que a questão do determinismo talvez tenha que ser discutida também
considerando as conseqüências de adotarmos uma dada concepção de mundo e, mais
propriamente, de comportamento. Sem poder delongar mais o assunto, e sem fazer justiça
à complexidade do tema em jogo, cabe mencionar algumas características do
indeterminismo ontológico antes de encerrarmos a discussão.
Para o indeterminismo ontológico, o idioma da probabilidade não é
empregado para descrever falta de conhecimento. As probabilidades, variações e
incertezas parecem fazer parte da própria constituição do mundo, seja porque há
um elemento genuíno de acaso no mundo que produz a variação e novidade (Peirce,
1884/1992a, 1892/1992b), afrouxando o liame entre os eventos; seja porque o
mundo é constituído de propensões (Popper, 1956/1988); ou de
potência/probabilidade (Heisenberg, 1958/1999) que abrem vários cenários de
possibilidades, e não um caminho único e exclusivo. Num mundo indeterminista há
exceções, desvios de leis, e descrições aproximadas.
Não obstante, essas concepções não parecem significar a celebração do
caos absoluto, da completa relação de independência entre eventos. Na
cosmologia peirceana, por exemplo, o acaso coexiste com o hábito: o primeiro
explica a diversidade e o segundo a regularidade. No mundo de Popper
(1956/1988) as propensões, além de explicarem o fato de não podermos fazer
previsões absolutamente certas, também explicam a regularidade estatística.
Para Heisenberg (1958/1999) o mundo é energia, que é manifestação de uma
potência ou tendência para se comportar de uma dada maneira. Tais tendências
podem ser descritas na forma de leis (regularidades), mas se tratam de leis
probabilísticas, que estabelecem a probabilidade de ocorrência de algo.
Parece, portanto, que é no nível ontológico que podemos diferenciar com
mais nitidez as teses deterministas e indeterministas, pois uma epistemologia
indeterminista também parece ser compatível com a ontologia determinista, como
no caso de Laplace (1814/1951) – embora, como mencionamos alhures, há
diferenças mais sutis quanto ao estatuto epistêmico da probabilidade em
epistemologias deterministas e indeterministas. Entretanto, colocar a discussão
do determinismo e indeterminismo no nível estritamente ontológico pode gerar
controvérsias, pois, por definição, não podemos decidir empiricamente por uma
dessas teses. Se há irregularidades na natureza é logicamente possível afirmar
que há causas ocultas determinantes que não foram ainda descobertas. Nesse
caso, não é possível provar empiricamente a verdade do indeterminismo. Por
outro lado, pode ser logicamente possível que nunca encontremos tais causas.
Aqui, já não podemos provar empiricamente a verdade do determinismo.
Não obstante, questões de ordem ontológica parecem ser imprescindíveis
para o empreendimento científico, pois elas orientam as questões que os
projetos científicos fazem, bem como onde buscar as respostas. Talvez seja o
caso de discutirmos outros critérios de decisão, além do empírico, tais como:
qual tese é mais coerente com os objetivos da ciência em questão? Ou ainda, não
poderíamos recorrer a critérios estéticos, éticos, políticos, econômicos,
psicológicos, dentre outros, que também fazem parte do desenvolvimento da
ciência?
Para resumir o quadro, podemos dizer o seguinte: no nível ontológico
parece haver uma incompatibilidade irredutível entre determinismo e
indeterminismo. Seria o caso de escolhermos por uma dessas teses. Em outras
palavras, é o caso de escolhermos por relógios ou por nuvens, empregando a
alegoria de Popper (1965/1983) para diferenciar determinismo de indeterminismo
ontológicos.
Para o determinismo ontológico, todas as nuvens são relógios. Nesse
sentido, o caráter irregular, desordenado e razoavelmente imprevisível das
nuvens só pode ser explicado pela nossa ignorância de seu funcionamento.
Diferente disso, para o indeterminismo, todos os fenômenos são nuvens
(inclusive os relógios) com diferentes graus de “anuviamento”. Mesmo os
fenômenos mais regulares, como os movimentos dos planetas, apresentam em sua
estrutura algum grau de indeterminação ou “anuviamento” (Popper, 1965/1983).
Com efeito, é oportuno indagar: o comportamento seria um relógio, cujas
eventuais falhas são entendidas como pura ignorância de seus mecanismos de
funcionamento? Ou o comportamento seria uma nuvem com diferentes graus de
“anuviamento”? Quando Skinner (1953, p. 15) diz que o comportamento não é uma
coisa, mas um processo, que é mutável, fluido e evanescente, ele pode estar
dando pistas preciosas para sondarmos uma resposta. Enfim, essas perguntas
sugerem que a questão do determinismo é ainda um problema filosófico central no
Behaviorismo Radical, porque é prenhe de conseqüências para a Análise do
Comportamento.
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Enviado em Dezembro de
2008
Revisado em Agosto de 2009
Aceite final Setembro de 2009
Publicado em Maio de 2010
Revisado em Agosto de 2009
Aceite final Setembro de 2009
Publicado em Maio de 2010
Notas
I Endereço
para correspondência: Rua Rogério Mastrofrancisco, 71. Cep: 13571-130. Castelo
Branco – São Carlos – SP. E-mail:carolinapsicologia@hotmail.com.
Trabalho financiado pela
FAPESP por meio de bolsa de doutorado.
Nota da autora: Carolina
Laurenti. Doutorado em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar). Atualmente é professora colaboradora no Departamento de Psicologia da
Universidade Estadual de Maringá (UEM).
1 Isso
não quer dizer que não seja possível empreender uma crítica ao determinismo na
Análise do Comportamento, mas que a interpretação mais comum é a determinista.
Para um exemplo de crítica ao determinismo na Análise do Comportamento, cf.
Moxley (1997, 2007) e Laurenti (2009).