quinta-feira, 14 de julho de 2011

O CONCEITO DE CONTINGÊNCIA DE REFORÇAMENTO


                           
 Algumas notas sobre o conceito de  contingência de reforçamento 

Maria Amalia Pie Abib Andery e Tereza Maria de Azevedo Pires Sério

         Iniciamos com uma nota sobre a história do conceito. Com o conceito de contingências de reforçamento parece acontecer o mesmo que já identificamos em outros conceitos que constituem o sistema explicativo proposto por Skinner: O  conceito não aparece de uma hora para outra; ao contrário, é possível reconhecer um longo processo de elaboração do conceito de contingências de reforçamento. Podemos identificar a presença do conceito de contingências de reforçamento em momentos importantes da obra de Skinner; por exemplo, no primeiro livro por ele publicado (The Behavior of Organisms, 1938) e no livro em que analisa a aplicação de seu sistema explicativo ao comportamento humano (Science and Human Behavior, 1953). De qualquer forma, o livro de Skinner  Contingencies of Reinforcement, publicado em 1969,  tem sido considerado como um marco no processo de elaboração do conceito de contingências de reforçamento. É assim que Skinner define, neste livro, contingências de reforçamento:



Uma adequada formulação da interação entre um organismo e seu ambiente deve sempre especificar três coisas : (1) a ocasião na qual uma resposta ocorre, (2) a  própria resposta e (3) as conseqüências reforçadoras. As inter-relações entre elas são as  ‘contingências de reforçamento’. (. . .)  As inter-relações são muito mais complexas do que aquelas entre um estímulo e uma resposta e  são muito mais produtivas nas análises teórica e experimental. O comportamento gerado por um dado conjunto de contingências pode ser explicado sem se apelar para estados ou processos hipotéticos internos.  (pp. 7, 8)

         Em um artigo em que analisa a história do conceito de contingência na análise do comportamento, Souza (2000) destaca a relação entre as noções de contingência e de contigüidade. Segundo esta autora, inicialmente os dois termos eram vistos como sinônimos, entretanto, com o desenvolvimento da própria análise do comportamento, hoje significam aspectos distintos das relações sujeito-ambiente; o termo contigüidade é utilizado para descrever  a proximidade temporal ou espacial entre eventos e o termo contingência “é empregado para enfatizar uma relação de dependência entre os eventos” (p. 127).  Segundo Souza (2000), duas razões podem explicar essa ‘confusão’ inicial entre os termos contingência e contigüidade:

Relações de dependência muitas vezes incluem as seqüências ou a proximidade temporal entre eventos. Esta talvez seja a razão pela qual é comum uma certa confusão entre contingência e contigüidade. (...) Talvez a confusão entre a contigüidade e  a contingência seja ocasionada também pela ênfase na importância da imediaticidade do reforço para a aquisição e manutenção do comportamento.  (p.127)

O estudo da contigüidade como parâmetro das contingências (por exemplo, pesquisas que estudam os efeitos do atraso na liberação do reforço e pesquisas que estudam os efeitos de relações acidentais entre resposta e reforço, isto é, relações que podem envolver contigüidade mas não contingência) produziu um conjunto de resultados que permite afirmar que

as relações de contingência que envolvem a contigüidade temporal são mais efetivas que as contingências que envolvem atraso, na aquisição, na manutenção e na regularidade do comportamento; e a contigüidade em relações de contingência é mais efetiva que a contigüidade em relações acidentais entre o comportamento e o ambiente. (Souza, 2000, p.128)

Segundo Souza (2000), então, hoje o termo contingência descreve relações de dependência entre eventos ambientais (por exemplo, entre dois estímulos, como ocorre no processo de condicionamento clássico ou respondente), ou entre eventos ambientais e comportamentais (por exemplo, entre a resposta e o reforço que é por ela produzido). E, considerando o que foi proposto por Skinner (1969),  as relações contingentes entre resposta e reforço acabam por produzir relações entre os eventos que antecedem a resposta e a resposta; desta forma,  no caso do comportamento operante, as relações de contingência envolverão sempre relações ou inter-relações entre três ‘eventos’: a situação na qual a resposta ocorre, a própria resposta e as conseqüências que esta resposta produz nesta situação; tais contingências são comumente chamadas de contingências tríplices ou contingências de três termos.
Diante de um processo de elaboração longo e nem sempre percorrido de maneira sistemática, é difícil dizer em que momento o conceito de contingência tríplice passa a dirigir o olhar dos analistas do comportamento para seu objeto de estudo; hoje, reconhecidamente, ele é central na análise do comportamento. O trabalho do analista do comportamento no laboratório  (a análise experimental do comportamento) tem como objetivo identificar as diferentes contingências de reforçamento, os efeitos que produzem e os parâmetros que modulam estes efeitos, chegando ao estudo da interação entre diferentes contingências.  Este trabalho tem sido orientado pelo sistema explicativo proposto originalmente por Skinner e  tem, ao mesmo tempo,  permitido a ampliação, complementação e reformulação deste mesmo sistema explicativo. O trabalho prático, de intervenção do analista do comportamento (análise do comportamento aplicada) tem como instrumento básico o conceito de contingências de reforçamento, ele é seu instrumento de análise. Isto quer dizer que, para compreender um episódio, um problema, uma determinada situação de forma a poder intervir nela, o analista do comportamento irá decompor (analisar) esta situação em contingências de reforçamento: ele buscará identificar  as diferentes contingências envolvidas, ou seja, as diferentes inter-relações situação antecedente-resposta-consequência que compõem  tal situação.
         Para ilustrar como este trabalho de análise pode ser feito, destacaremos alguns dos aspectos abordados por Todorov (1985), em um artigo no qual ele procura demonstrar a importância  do conceito de contingência tríplice na análise do comportamento humano. Do conjunto de aspectos abordados por Todorov (1985), destacaremos três:  o controle discriminativo da resposta, o controle da resposta por generalização de estímulos e as diversas funções do estímulo antecedente.

O controle discriminativo da resposta
         Quando falamos em controle discriminativo de uma resposta, estamos falando, pelo menos, de:
a) uma história de reforçamento diferencial: história na qual algumas respostas são reforçadas e outras não, tendo-se como critério o estímulo antecedente na presença do qual a resposta foi emitida; por exemplo, a mesma resposta produzirá reforço se for emitida na presença do estímulo X e não produzirá reforço se for emitida na ausência deste estímulo;
b) os resultados desta história: a probabilidade de determinada resposta ser emitida irá variar dependendo da situação de estimulação presente; por exemplo, será maior a probabilidade da resposta ocorrer na presença do estímulo X e menor dela ocorrer na ausência deste estímulo. Desta forma, a apresentação do estímulo X aumentará a probabilidade dessa determinada resposta ocorrer.
         Assim, ao tentar compreender um determinado problema, identificadas as respostas envolvidas, precisamos identificar se há, e qual  é,  o  controle discriminativo de cada uma dessas respostas: a freqüência de cada uma das respostas varia de uma situação para outra? Identificado este controle, devemos supor uma história anterior de reforçamento e procurar conhecê-la.
         Para ilustrar este tipo de controle, Todorov (1985) apresenta um estudo feito em 1966, por Zarlock, com pacientes psiquiátricos hospitalizados, com diagnóstico de esquizofrenia. Neste estudo, o pesquisador variou características do ambiente da enfermaria na qual os pacientes permaneciam. Durante dez dias, o ambiente era mudado quatro vezes ao dia; a mudança consistia em alterações no mobiliário e nos objetos presentes na enfermaria. Com estas mudanças eram compostos  quatro ambientes distintos: ambiente recreativo (jogos disponíveis na sala), ambiente ocupacional (material para a realização de diferentes trabalhos disponível na sala), ambiente social (material típico de salas sociais disponível)  e  ambiente médico (móveis e objetos típicos de consultórios e hospitais presentes na sala). Cada ambiente permanecia por uma hora. Vários aspectos do comportamento dos pacientes foram registrados, dentre eles a freqüência de verbalizações consideradas como apresentando conteúdo patológico. A freqüência destas verbalizações variou muito de ambiente para ambiente: houve trinta vezes mais verbalizações de conteúdo patológico no ambiente médico, quando comparado aos ambientes social e ocupacional e cem vezes mais se comparado com o ambiente recreativo.  Estes resultados: a) sugerem que pode estar ocorrendo controle discriminativo dessas verbalizações, e b) sugerem, portanto, que deve ter havido uma história anterior de reforçamento diferencial das respostas classificadas como de ‘verbalizações com conteúdo patológico’, a depender do ambiente no qual tais respostas foram emitidas.  Estas suposições trazem implicações: as verbalizações de conteúdo patológico parecem ser mais produtos de uma história anterior das relações desses pacientes com o ambiente do que manifestações de características intrínsecas dos pacientes.

Controle da resposta por generalização de estímulos

                   Quando falamos em controle por generalização de estímulos, estamos falando da extensão dos efeitos do reforçamento diferencial no estabelecimento de uma discriminação: após uma história de reforçamento diferencial, a resposta envolvida não terá sua probabilidade aumentada apenas na presença do estímulo X (na presença do qual ela foi reforçada), ela poderá ter sua probabilidade aumentada na presença de estímulos relacionados com o estímulo X (por exemplo, estímulos que tenham algumas propriedades em comum com o estímulo X).
                   É possível imaginar algumas das implicações práticas diante deste tipo de controle:
a) uma história de reforçamento diferencial diante de um estímulo pode produzir controle por um conjunto maior  e, em princípio, desconhecido de estímulos. Supondo que esta história seja conhecida, não conhecemos, a partir dela, a extensão do controle que foi estabelecido;
b) diante dos indícios de que há controle de estímulos, se procurarmos apenas por exemplos de reforçamento diferencial na presença dos estímulos cujo controle estamos examinando, podemos ter dificuldade de identificar a história que gerou tal controle; podemos estar diante dos resultados da generalização de estímulos, estabelecida por reforçamento diferencial na presença de estímulos relacionados aos estímulos em questão.

Diversas funções do estímulo antecedente
         O estímulo que antecede a resposta, em uma tríplice contingência, terá três funções: função de estímulo discriminativo, a função de estímulo eliciador condicionado e a função de estímulo reforçador condicionado (Todorov, 1985).
         Um mesmo estímulo, portanto, interfere simultaneamente, de maneiras distintas, em distintas respostas de um organismo.
a)     Função discriminativa do estímulo antecedente: como resultado de história específica de reforçamento diferencial tendo como critério a emissão de uma determinada resposta na presença de um determinado estímulo, a apresentação deste estímulo  evocará essa resposta operante, ou respostas dessa classe operante (respostas pertencentes à classe de respostas que foram reforçadas na presença deste estímulo, ou de estímulos da mesma classe).
b)    Função eliciadora do estímulo antecedente: este mesmo estímulo, como resultado de sua relação com o estímulo reforçador que constitui a contingência tríplice, poderá eliciar as respostas que preparam o organismo para o estímulo reforçador. Em outras palavras, a história de reforçamento na presença do estímulo discriminativo gera uma condição típica do processo de condicionamento respondente: o estímulo discriminativo sistematicamente antecede a apresentação do estímulo reforçador (e não há estímulo reforçador na ausência do estímulo discriminativo).  Desta forma, o estímulo antecedente, ao adquirir a função de estímulo discriminativo, pode também adquirir a função de estímulo eliciador condicionado. Um exemplo pode ilustrar bem esta dupla função do estímulo antecedente em uma tríplice contingência: suponha um sujeito experimental privado de alimento; na presença de uma luz, pressiona a barra e recebe alimento e, na ausência de luz, pressão à barra não produz alimento. Quando o controle discriminativo se estabelecer, a presença da luz produzirá duas mudanças neste sujeito: além de aumentar a probabilidade da resposta de pressão à barra, deverá eliciar a resposta de salivação.
c)     Função reforçadora do estímulo antecedente: nas duas condições anteriores, o estímulo antecedente de uma contingência tríplice é ocasião para, ou antecede sistematicamente, a  presença de um estímulo reforçador; essas relações entre o estímulo antecedente e o estímulo reforçador, por definição, estabelecem o estímulo antecedente como um estímulo reforçador condicionado. Assim, se estabelece a terceira função de um estímulo antecedente, que, então, poderá fortalecer respostas que o produzam.
   Resumindo, a apresentação do estímulo antecedente de uma tríplice contingência poderá produzir, então, três alterações: fortalecerá a resposta que antecede esta apresentação, evocará respostas operantes e eliciará respostas respondentes. Isto implica que todo estímulo, ainda que se esteja analisando uma contingência simples, tem múltiplas funções e esta é possivelmente uma das fontes de complexidade do comportamento, tornando a tarefa de analisar comportamentos difícil e desafiadora.


Referências bibliográficas
Skinner, B. F. (1938). The Behavior of Organisms. New York: Appleton Century.
Skinner, B. F. (1953). Science and Human Behavior. New York: MacMillan.
Skinner, B. F. (1969). Contingencies of Reinforcement. New York: Appleton Century Crofts.
Souza, D. G. (2000). O conceito de contingência: um enfoque histórico. Temas em Psicologia, 8, 125-136.
Todorov, J.C. (1985). O conceito de contingência tríplice na análise do comportamento. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 1, 75-88.

Psicologia Comportamental II                                                          
conjunto 6- Roteiro de leitura

roteiro de leitura: Andery, M A, & Sério, T M. Algumas notas sobre o conceito de  contingência de reforçamento.

1. A análise histórica do conceito de contingência de reforçamento permite identificar uma característica deste conceito que é comum a outros conceitos do sistema explicativo proposto por Skinner. Qual é esta característica?

2. Como Skinner define, em seu livro Contingencies of Reinforcement, o conceito de contingências de reforçamento?   
3. Souza, ao analisar a história do conceito de contingência na análise do comportamento, indica que atualmente contingência e contigüidade têm significados distintos. Como são utilizados ambos os conceitos? Por que houve uma confusão inicial entre estes dois conceitos?
4. Estudos que analisam os efeitos de relações de contigüidade e contingência apresentam diferentes resultados. Sistematize-os.
5. O termo contingência descreve, hoje, diferentes tipos de relações. Quais são elas?
6. Quais relações estão envolvidas no comportamento operante. Como as contingências envolvidas neste comportamento são chamadas?
7. Como o conceito de contingência tríplice orienta as análises dos analistas do comportamento, no laboratório e no trabalho prático.
8. Pelo menos três aspectos demonstram a importância do conceito de contingência tríplice na análise do comportamento. Quais são eles?

O controle discriminativo da resposta

9. O controle discriminativo de uma resposta envolve, pelo menos, uma história de reforçamento diferencial e resultados desta história. No que consiste esta história e quais são seus resultados?
10. No estudo de Zarlock com pacientes psiquiátricos indique:
a) o que foi manipulado e quais as manipulações realizadas?
b) os resultados obtidos a partir destas manipulações?
c) o que estes resultados sugerem?
d) que implicações estes resultados trazem?


O controle da resposta por generalização de estímulos

11. Descreva o controle que se estabelece por generalização de estímulos.
12. Que implicações práticas podem ter o controle da resposta por generalização de estímulos?

Diversas funções do estímulo antecedente

13. Quais são as funções que um mesmo estímulo antecedente pode ter?
14. Explique como se estabelece a função discriminativa do estímulo antecedente e indique que tipo de resposta ou classe de resposta ocorre.
15. Explique como se estabelece a função eliciadora do estímulo antecedente e indique que tipo de resposta ocorre.
16. Explique como se estabelece a função reforçadora do estímulo antecedente.
17. Quais as três alterações que podem ser produzidas por um estímulo antecedente de uma tríplice contingência? Qual a implicação destas diversas funções do estímulo antecedente?