Maria Amalia Pie Abib Andery e Tereza Maria de Azevedo Pires Sério
Iniciamos com uma nota sobre a história
do conceito. Com o conceito de contingências de reforçamento parece acontecer o
mesmo que já identificamos em outros conceitos que constituem o sistema
explicativo proposto por Skinner: O
conceito não aparece de uma hora para outra; ao contrário, é possível
reconhecer um longo processo de elaboração do conceito de contingências de
reforçamento. Podemos identificar a presença do conceito de contingências de
reforçamento em momentos importantes da obra de Skinner; por exemplo, no
primeiro livro por ele publicado (The
Behavior of Organisms, 1938) e no livro em que analisa a aplicação de
seu sistema explicativo ao comportamento humano (Science and Human Behavior, 1953). De qualquer forma, o
livro de Skinner Contingencies of Reinforcement, publicado em 1969, tem sido considerado como um marco no
processo de elaboração do conceito de contingências de reforçamento. É assim
que Skinner define, neste livro, contingências de reforçamento:
Uma adequada formulação da interação
entre um organismo e seu ambiente deve sempre especificar três coisas : (1) a
ocasião na qual uma resposta ocorre, (2) a
própria resposta e (3) as conseqüências reforçadoras. As inter-relações
entre elas são as ‘contingências de
reforçamento’. (. . .) As inter-relações
são muito mais complexas do que aquelas entre um estímulo e uma resposta e são muito mais produtivas nas análises
teórica e experimental. O comportamento gerado por um dado conjunto de
contingências pode ser explicado sem se apelar para estados ou processos
hipotéticos internos.
(pp. 7, 8)
Em um artigo em que analisa a história
do conceito de contingência na análise do comportamento, Souza (2000) destaca a
relação entre as noções de contingência e de contigüidade. Segundo esta autora,
inicialmente os dois termos eram vistos como sinônimos, entretanto, com o
desenvolvimento da própria análise do comportamento, hoje significam aspectos
distintos das relações sujeito-ambiente; o termo contigüidade é utilizado para
descrever a proximidade temporal ou
espacial entre eventos e o termo contingência “é empregado para enfatizar uma
relação de dependência entre os eventos” (p. 127). Segundo Souza (2000), duas razões podem
explicar essa ‘confusão’ inicial entre os termos contingência e contigüidade:
Relações de dependência muitas vezes
incluem as seqüências ou a proximidade temporal entre eventos. Esta talvez seja
a razão pela qual é comum uma certa confusão entre contingência e contigüidade.
(...) Talvez a confusão entre a contigüidade e
a contingência seja ocasionada também pela ênfase na importância da
imediaticidade do reforço para a aquisição e manutenção do comportamento. (p.127)
O estudo da contigüidade como parâmetro das contingências
(por exemplo, pesquisas que estudam os efeitos do atraso na liberação do
reforço e pesquisas que estudam os efeitos de relações acidentais entre
resposta e reforço, isto é, relações que podem envolver contigüidade mas não
contingência) produziu um conjunto de resultados que permite afirmar que
as relações de contingência que
envolvem a contigüidade temporal são mais efetivas que as contingências que
envolvem atraso, na aquisição, na manutenção e na regularidade do
comportamento; e a contigüidade em relações de contingência é mais efetiva que
a contigüidade em relações acidentais entre o comportamento e o ambiente.
(Souza, 2000, p.128)
Segundo Souza (2000), então, hoje o termo contingência
descreve relações de dependência entre eventos ambientais (por exemplo, entre
dois estímulos, como ocorre no processo de condicionamento clássico ou
respondente), ou entre eventos ambientais e comportamentais (por exemplo, entre
a resposta e o reforço que é por ela produzido). E, considerando o que foi
proposto por Skinner (1969), as relações
contingentes entre resposta e reforço acabam por produzir relações entre os
eventos que antecedem a resposta e a resposta; desta forma, no caso do comportamento operante, as
relações de contingência envolverão sempre relações ou inter-relações entre
três ‘eventos’: a situação na qual a resposta ocorre, a própria resposta e as
conseqüências que esta resposta produz nesta situação; tais contingências são
comumente chamadas de contingências
tríplices ou contingências de três
termos.
Diante de um processo de elaboração longo e nem sempre
percorrido de maneira sistemática, é difícil dizer em que momento o conceito de
contingência tríplice passa a dirigir o olhar dos analistas do comportamento
para seu objeto de estudo; hoje, reconhecidamente, ele é central na análise do
comportamento. O trabalho do analista do comportamento no laboratório (a análise experimental do comportamento) tem
como objetivo identificar as diferentes contingências de reforçamento, os
efeitos que produzem e os parâmetros que modulam estes efeitos, chegando ao
estudo da interação entre diferentes contingências. Este trabalho tem sido orientado pelo sistema
explicativo proposto originalmente por Skinner e tem, ao mesmo tempo, permitido a ampliação, complementação e
reformulação deste mesmo sistema explicativo. O trabalho prático, de
intervenção do analista do comportamento (análise do comportamento aplicada)
tem como instrumento básico o conceito de contingências de reforçamento, ele é
seu instrumento de análise. Isto quer dizer que, para compreender um episódio,
um problema, uma determinada situação de forma a poder intervir nela, o
analista do comportamento irá decompor (analisar) esta situação em
contingências de reforçamento: ele buscará identificar as diferentes contingências envolvidas, ou
seja, as diferentes inter-relações situação antecedente-resposta-consequência que
compõem tal situação.
Para ilustrar como este trabalho de
análise pode ser feito, destacaremos alguns dos aspectos abordados por Todorov
(1985), em um artigo no qual ele procura demonstrar a importância do conceito de contingência tríplice na análise
do comportamento humano. Do conjunto de aspectos abordados por Todorov (1985),
destacaremos três: o controle
discriminativo da resposta, o controle da resposta por generalização de
estímulos e as diversas funções do estímulo antecedente.
O controle discriminativo da resposta
Quando falamos em controle
discriminativo de uma resposta, estamos falando, pelo menos, de:
a)
uma história de reforçamento diferencial: história na qual algumas respostas
são reforçadas e outras não, tendo-se como critério o estímulo antecedente na
presença do qual a resposta foi emitida; por exemplo, a mesma resposta
produzirá reforço se for emitida na presença do estímulo X e não produzirá
reforço se for emitida na ausência deste estímulo;
b)
os resultados desta história: a probabilidade de determinada resposta ser
emitida irá variar dependendo da situação de estimulação presente; por exemplo,
será maior a probabilidade da resposta ocorrer na presença do estímulo X e
menor dela ocorrer na ausência deste estímulo. Desta forma, a apresentação do
estímulo X aumentará a probabilidade dessa determinada resposta ocorrer.
Assim, ao tentar compreender um
determinado problema, identificadas as respostas envolvidas, precisamos
identificar se há, e qual é, o controle
discriminativo de cada uma dessas respostas: a freqüência de cada uma das
respostas varia de uma situação para outra? Identificado este controle, devemos
supor uma história anterior de reforçamento e procurar conhecê-la.
Para ilustrar este tipo de controle,
Todorov (1985) apresenta um estudo feito em 1966, por Zarlock, com pacientes
psiquiátricos hospitalizados, com diagnóstico de esquizofrenia. Neste estudo, o
pesquisador variou características do ambiente da enfermaria na qual os
pacientes permaneciam. Durante dez dias, o ambiente era mudado quatro vezes ao
dia; a mudança consistia em alterações no mobiliário e nos objetos presentes na
enfermaria. Com estas mudanças eram compostos
quatro ambientes distintos: ambiente recreativo (jogos disponíveis na
sala), ambiente ocupacional (material para a realização de diferentes trabalhos
disponível na sala), ambiente social (material típico de salas sociais
disponível) e ambiente médico (móveis e objetos típicos de
consultórios e hospitais presentes na sala). Cada ambiente permanecia por uma
hora. Vários aspectos do comportamento dos pacientes foram registrados, dentre
eles a freqüência de verbalizações consideradas como apresentando conteúdo
patológico. A freqüência destas verbalizações variou muito de ambiente para
ambiente: houve trinta vezes mais verbalizações de conteúdo patológico no
ambiente médico, quando comparado aos ambientes social e ocupacional e cem
vezes mais se comparado com o ambiente recreativo. Estes resultados: a) sugerem que pode estar
ocorrendo controle discriminativo dessas verbalizações, e b) sugerem, portanto,
que deve ter havido uma história anterior de reforçamento diferencial das
respostas classificadas como de ‘verbalizações com conteúdo patológico’, a
depender do ambiente no qual tais respostas foram emitidas. Estas suposições trazem implicações: as
verbalizações de conteúdo patológico parecem ser mais produtos de uma história
anterior das relações desses pacientes com o ambiente do que manifestações de
características intrínsecas dos pacientes.
Controle da resposta por generalização de estímulos
Quando falamos em controle
por generalização de estímulos, estamos falando da extensão dos efeitos do
reforçamento diferencial no estabelecimento de uma discriminação: após uma
história de reforçamento diferencial, a resposta envolvida não terá sua
probabilidade aumentada apenas na presença do estímulo X (na presença do qual
ela foi reforçada), ela poderá ter sua probabilidade aumentada na presença de
estímulos relacionados com o estímulo X (por exemplo, estímulos que tenham
algumas propriedades em comum com o estímulo X).
É possível imaginar algumas
das implicações práticas diante deste tipo de controle:
a)
uma história de reforçamento diferencial diante de um estímulo pode produzir
controle por um conjunto maior e, em
princípio, desconhecido de estímulos. Supondo que esta história seja conhecida,
não conhecemos, a partir dela, a extensão do controle que foi estabelecido;
b)
diante dos indícios de que há controle de estímulos, se procurarmos apenas por
exemplos de reforçamento diferencial na presença dos estímulos cujo controle
estamos examinando, podemos ter dificuldade de identificar a história que gerou
tal controle; podemos estar diante dos resultados da generalização de
estímulos, estabelecida por reforçamento diferencial na presença de estímulos
relacionados aos estímulos em questão.
Diversas funções do estímulo antecedente
O estímulo que antecede a resposta, em
uma tríplice contingência, terá três funções: função de estímulo
discriminativo, a função de estímulo eliciador condicionado e a função de
estímulo reforçador condicionado (Todorov, 1985).
Um mesmo estímulo, portanto, interfere
simultaneamente, de maneiras distintas, em distintas respostas de um organismo.
a)
Função
discriminativa do estímulo antecedente: como resultado de
história específica de reforçamento diferencial tendo como critério a emissão
de uma determinada resposta na presença de um determinado estímulo, a
apresentação deste estímulo evocará essa
resposta operante, ou respostas dessa classe operante (respostas pertencentes à
classe de respostas que foram reforçadas na presença deste estímulo, ou de
estímulos da mesma classe).
b)
Função
eliciadora do estímulo antecedente: este mesmo estímulo,
como resultado de sua relação com o estímulo reforçador que constitui a
contingência tríplice, poderá eliciar as respostas que preparam o organismo
para o estímulo reforçador. Em outras palavras, a história de reforçamento na
presença do estímulo discriminativo gera uma condição típica do processo de condicionamento
respondente: o estímulo discriminativo sistematicamente antecede a apresentação
do estímulo reforçador (e não há estímulo reforçador na ausência do estímulo
discriminativo). Desta forma, o estímulo
antecedente, ao adquirir a função de estímulo discriminativo, pode também
adquirir a função de estímulo eliciador condicionado. Um exemplo pode ilustrar
bem esta dupla função do estímulo antecedente em uma tríplice contingência:
suponha um sujeito experimental privado de alimento; na presença de uma luz,
pressiona a barra e recebe alimento e, na ausência de luz, pressão à barra não
produz alimento. Quando o controle discriminativo se estabelecer, a presença da
luz produzirá duas mudanças neste sujeito: além de aumentar a probabilidade da
resposta de pressão à barra, deverá eliciar a resposta de salivação.
c)
Função
reforçadora do estímulo antecedente: nas duas condições
anteriores, o estímulo antecedente de uma contingência tríplice é ocasião para,
ou antecede sistematicamente, a presença
de um estímulo reforçador; essas relações entre o estímulo antecedente e o
estímulo reforçador, por definição, estabelecem o estímulo antecedente como um
estímulo reforçador condicionado. Assim, se estabelece a terceira função de um
estímulo antecedente, que, então, poderá fortalecer respostas que o produzam.
Resumindo, a
apresentação do estímulo antecedente de uma tríplice contingência poderá
produzir, então, três alterações: fortalecerá a resposta que antecede esta
apresentação, evocará respostas operantes e eliciará respostas respondentes.
Isto implica que todo estímulo, ainda que se esteja analisando uma contingência
simples, tem múltiplas funções e esta é possivelmente uma das fontes de
complexidade do comportamento, tornando a tarefa de analisar comportamentos
difícil e desafiadora.
Referências
bibliográficas
Skinner, B. F. (1938). The Behavior of Organisms. New York :
Appleton
Century.
Skinner, B. F. (1953). Science and Human Behavior. New York : MacMillan.
Skinner, B. F. (1969). Contingencies of Reinforcement. New York : Appleton
Century Crofts.
Souza, D. G. (2000). O conceito de contingência: um enfoque
histórico. Temas em Psicologia, 8, 125-136.
Todorov, J.C. (1985). O conceito de contingência tríplice
na análise do comportamento. Psicologia:
Teoria e Pesquisa, 1, 75-88.
Psicologia
Comportamental II
conjunto 6- Roteiro de leitura
roteiro
de leitura: Andery, M A, & Sério, T M. Algumas notas sobre o conceito de
contingência de reforçamento.
1. A
análise histórica do conceito de contingência de reforçamento permite
identificar uma característica deste conceito que é comum a outros conceitos do
sistema explicativo proposto por Skinner. Qual é esta característica?
2.
Como Skinner define, em seu livro Contingencies
of Reinforcement, o conceito de contingências de reforçamento?
3.
Souza, ao analisar a história do conceito de contingência na análise do
comportamento, indica que atualmente contingência e contigüidade têm
significados distintos. Como são utilizados ambos os conceitos? Por que houve uma
confusão inicial entre estes dois conceitos?
4.
Estudos que analisam os efeitos de relações de contigüidade e contingência
apresentam diferentes resultados. Sistematize-os.
5.
O termo contingência descreve, hoje, diferentes tipos de relações. Quais são
elas?
6.
Quais relações estão envolvidas no comportamento operante. Como as
contingências envolvidas neste comportamento são chamadas?
7.
Como o conceito de contingência tríplice orienta as análises dos analistas do
comportamento, no laboratório e no trabalho prático.
8.
Pelo menos três aspectos demonstram a importância do conceito de contingência
tríplice na análise do comportamento. Quais são eles?
O controle discriminativo da resposta
9.
O controle discriminativo de uma resposta envolve, pelo menos, uma história de
reforçamento diferencial e resultados desta história. No que consiste esta
história e quais são seus resultados?
10.
No estudo de Zarlock com pacientes psiquiátricos indique:
a)
o que foi manipulado e quais as manipulações realizadas?
b)
os resultados obtidos a partir destas manipulações?
c)
o que estes resultados sugerem?
d)
que implicações estes resultados trazem?
O controle da resposta por generalização de estímulos
11. Descreva o controle que se estabelece por
generalização de estímulos.
12.
Que implicações práticas podem ter o controle da resposta por generalização de
estímulos?
Diversas funções do estímulo antecedente
13.
Quais são as funções que um mesmo estímulo antecedente pode ter?
14.
Explique como se estabelece a função discriminativa do estímulo antecedente e
indique que tipo de resposta ou classe de resposta ocorre.
15.
Explique como se estabelece a função eliciadora do estímulo antecedente e
indique que tipo de resposta ocorre.
16.
Explique como se estabelece a função reforçadora do estímulo antecedente.
17.
Quais as três alterações que podem ser produzidas por um estímulo antecedente
de uma tríplice contingência? Qual a implicação destas diversas funções do
estímulo antecedente?