quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Resenha do livro “Behaviorismo Radical: Crítica e Metacrítica”, 2ª Edição, escrito por Kester Carrara. São Paulo: Editora Unesp (2005).





















Atualidade das críticas ao Behaviorismo Radical: proposta de uma agenda de pesquisa.

Carlos Eduardo Lopes - Universidade Federal  de Mato Grosso  do Sul – Campus Paranaíba


  
Falar da importância da crítica na construção do conhecimento científico é lugar comum mencionado na  maioria dos  manuais de metodologia científica  (e.g. Bachelard, 1965/1974;  Köche, 2002). No caso da Psicologia, essa correção  oferecida pela crítica, muitas vezes,  não é alcançada devido à multiplicidade de linhas teóricas  e a exacerbada especialização  que ocorre  dentro de cada  linha.  É o caso, por exemplo, de periódicos que, devido  à sua  especificidade, acabam por  excluir críticas,  provenientes de outras áreas,  aos assuntos-alvo do próprio periódico.


Facilitar essa correção  embasada em críticas   consistentes  de  certos   aspectos do Behaviorismo Radical  é o objetivo do livro Behaviorismo Radical: Crítica e Metacrítica do Professor  Kester   Carrara, que  ganhou,  em 2005, uma  segunda edição  revisada e amplia- da. A partir de uma cuidadosa e elegante análise das críticas tradicionalmente endereçadas ao Behaviorismo Radical, o Professor Carrara avalia a pertinência de tais críticas sugerindo, por fim, uma agenda de pesquisa que visa corrigir  algumas lacunas da Análise  do Comportamento.
Embora o objeto  de  análise  do  livro seja o Behaviorismo Radical  (o que é evidenciado pelo próprio título), nos primeiros capítulos  encontramos uma  retomada da história do  Behaviorismo desde os  primeiros textos de  Watson,   passando por   Tolman   e  Hull e chegando, finalmente, à  obra  de  Skinner. Nessa  (nem  tão)  breve  história, concluímos com o autor que,  ora pelo  conteúdo de suas teses (calcadas  basicamente na crítica ao mentalismo), ora pelo modo como essas foram apresentadas (de  maneira enfática  e, muitas vezes, irônica),  um grande volume de críticas sempre acompanhou o Behaviorismo.
O que deve ser destacado nessa  parte histórica do livro  do Professor Carrara é seu interessante capítulo sobre  Watson (capítulo 2), em que  as discussões sobre  as principais influências  epistemológicas  e  históricas do “arquibehaviorista”  (como   o  materialismo, o mecanicismo, o positivismo, o evolucionismo) são esmiuçadas de maneira clara e cuidadosa.  É possível afirmar, mesmo com o risco de cometer uma injustiça com outros autores, que um tratamento desse  porte  da obra de Watson não  encontra paralelo em  publicações nacionais.
Em relação ao Behaviorismo Radical, propriamente dito, o tratamento é extremamente  bem  articulado e fundamentado. Merece especial  atenção o número de  referências (tanto  de  livros  quanto de  artigos),  que surpreende e revela   outra virtude do  livro: trata-se  de   uma   ótima   fonte   bibliográfica para  estudos subseqüentes. Em vista da  diversidade de assuntos abordados pela crítica analisada, mesmo quem  conhece  a literatura especializada sobre  o Behaviorismo Radical, em  algum momento ver-se-á  consultando a bibliografia do livro com o intuito de verificar alguma referência desconhecida.
Voltando ao objetivo  principal do  livro,  a apresentação das  críticas  dirigidas ao Behaviorismo Radical  segue  uma  categorização (considerada pelo autor como meramente didática, uma  vez que na apresentação original das críticas os limites  não são tão nítidos) em três dimensões: “conceitual-filosófica”, “científico-metodológica” e “ético-social” (o que  nos  faz  lembrar da  famosa   divisão da Filosofia em “ontologia”, “epistemologia” e “ética”). Além disso, há uma quarta categoria de “miscelânea”, na qual são debatidos, rapidamente, algumas aproximações e distancia- mentos entre  o Behaviorismo Radical  e Psicanálise,  Neurofisiologia, Etologia,  Fenomenologia,  Humanismo, Behaviorismo Social, e Cognitivismo.
Sem dúvida, a maior relevância da análise das críticas seja mostrar sua pertinência, o que é conseguido por meio de uma metacrítica, ou seja, de uma crítica das críticas. Evidentemente, os analistas do  comportamento e o próprio Skinner  (e. g. 1974) reconhecem que muitas das  críticas  dirigidas ao  Behaviorismo Radical, e à Ciência do Comportamento embasada por  essa  filosofia,  são  vazias  (freqüentemente, confunde-se o Behaviorismo Radical  com o Behaviorismo Metodológico e até mesmo com  o Behaviorismo Clássico  de Watson).  Sem ignorar esse  “erro  de  endereçamento”, a análise  metacrítica do Professor Carrara mostra que  há uma  série  de  críticas que  são bastante pertinentes e que,  por  isso, reclamam uma  consideração mais  cuidadosa dos  analistas do  comportamento. Vale mencionar  aqui,  mesmo que en passant, os principais aspectos da crítica que são apontados no livro como relevantes.

Algumas críticas relevantes ao Behaviorismo Radical


Uma  primeira questão retomada pelo livro  do Professor Carrara é o reducionismo no  Behaviorismo Radical.  De modo  geral,  a
crítica parte do fato de que se os, assim chamados, fenômenos mentais podem ser interpretados em termos de comportamento, o Behaviorismo Radical  opera  uma  “redução comportamental”. Resta, então,  avaliar  o alcance desse tipo de reducionismo.
Avançando um  pouco  a análise  pro- posta  pelo Professor Carrara, podemos dizer que quando Skinner  (1974) interpreta conceitos  mentais em  termos de  comportamento, seu  interlocutor é  o  mentalismo. Uma  vez que o mentalismo defende a existência de uma mente não-física que causa o comportamento, ele pode  ser considerado como um posiciona- mento  ontológico. Nesse sentido, o Behaviorismo Radical opera  um  reducionismo ontológico (nega  a existência desse  tipo  de mente  e interpreta os conceitos mentais em termos de comportamento). No entanto, como  essa negação  da existência de uma  mente  não-física está restrita ao diálogo com o mentalismo, o Behaviorismo Radical  não  parece  operar um reducionismo   comportamental   ascendente (do fisiológico  ao comportamental), nem descendente (dos fenômenos sociais aos comportamentais). Com isso, o Behaviorismo Radical parece  ser  melhor avaliado, pelo  menos  no seu  diálogo com  outras disciplinas, de  uma perspectiva emergentista.
Contudo, segundo o Professor Carrara,  a questão do  reducionismo aflige  nem tanto  os  pressupostos  teórico-filosóficos (reducionismo de princípio), mas  sim,  a atuação de analistas do comportamento (reducionismo de prática). De acordo  com o autor,  a Análise do Comportamento Aplicada tende a reduzir indevidamente casos complexos a protótipos extraídos, sobretudo, de estudos experimentais de laboratório. Essa questão anuncia outras  críticas,  como  o posicionamento  acerca da continuidade entre espécies e a relação entre dados experimentais e aplicação.
Devido   à  influência do  darwinismo, o Behaviorismo em  geral,  e o Behaviorismo Radical  em particular, lançaram mão de uma série  de  pesquisas com  animais não humanos amparados em uma  suposta continuidade interespecífica. No entanto, com o avanço da área,  essa continuidade aos poucos deixa de ser um pressuposto teórico  para  tornar-se uma  questão empírica: passível de ser resolvida  por novas  pesquisas com humanos e de uma  comparação sistemática com  pesquisas similares em não-humanos.
Em relação à díade laboratório versus mundo real, embora a discussão seja antiga,  a atitude de muitos analistas do comportamento revela  a necessidade de uma  retomada de alguns pontos da  questão. A própria formação acadêmica desses  profissionais é um  dos aspectos  que   precisa   ser  considerado  com mais delonga. As aulas de laboratório não deveriam funcionar como um protótipo do funcionamento do mundo real, mas simplesmente  para  “treinar nosso  olhar”:   para  ensinar para  onde  devemos olhar  e, principalmente, o que devemos ver. Nas palavras de Skinner (1969) “com a ajuda de tais equipamentos [de laboratório], juntamente com  as técnicas  experimentais para  as quais  eles foram  planejados, nós começamos a ver contingências de reforçamento” (p. 08).
Nesse sentido, no contexto da formação,  o laboratório não  deveria ser  encarado como  um  modelo do mundo, mas  como  um ambiente artificial  planejado para  treinar futuros  analistas do comportamento. Já no contexto  da  pesquisa e aplicação, o laboratório deveria ter uma função heurística, ou seja, dirigir  nosso  olhar  para  algumas das  variáveis envolvidas no fenômeno estudado, de modo que  uma  futura atuação torne-se mais  efetiva. Com isso, o laboratório deveria ser considerado com uma etapa  fundamental, porém preliminar, na construção do conhecimento acerca do comportamento humano: com o desenvolvimento da Análise  do Comportamento espera-se um  aumento de  pesquisas com humanos em ambiente natural.
Já quando o laboratório é visto como protótipo para atuação, há uma  inversão perniciosa: tenta-se adequar o mundo ao modelo. Não há novidade em dizer que o laboratório, por  ambicionar um  controle estrito  de variáveis,  eventualmente, deixa  de  fora  variáveis que podem estar atuando na situação natural
(e.g. Cozby,  1977/2003).  Isso cria um problema  suplementar quando o assunto em  tela são fenômenos sociais complexos como a linguagem, as instituições sociais,  e as práticas culturais. Nesse  caso, como dificilmente será possível criar um ambiente social experimental, há uma  tendência em aplicar  modelos experimentais à análise  desses  fenômenos.
Ao explicar  os fenômenos sociais  por meio de modelos experimentais opera-se um reducionismo indevido: encara-se um  fenômeno  comportamental complexo como  uma mera  soma  de  fenômenos comportamentais simples. Uma das conseqüências mais patentes desse  reducionismo é a omissão de importantes variáveis na análise  dos fenômenos sociais complexos como, por exemplo, o contexto  social, político,  econômico, nutricional, familiar, etc.
Diante desse estreitamento da análise de variáveis envolvidas nos fenômenos sociais,  o  Professor Carrara propõe uma ampliação do escopo  de análise  ou, em seus termos, uma  Análise  do Comportamento Contextualista. Trata-se  de uma  retomada de alguns aspectos da análise  molar  do comportamento (proposta inicialmente por  Tolman,
1967/19323)  e, conseqüentemente, de um afastamento de  alguns fantasmas que  sempre  perseguiram o Behaviorismo em geral,  e o Behaviorismo Radical  em particular, como, por exemplo, o mecanicismo (Carrara & Gonzalez, 1996). Mas isso não é tudo. Ao ampliar a análise  de variáveis, a Análise  do Comportamento Contextualista volta-se,  inevitavelmente,  para  problemas sociais, uma  vez que, agora,  variáveis de ordem sócio econômicas e políticas tornam-se relevantes.
Isso responderia à crítica de que, devido a algumas afinidades com o Positivismo, o Behaviorismo Radical estaria comprometido inevitavelmente com ideais  reacionários e antidemocráticos. Contrariando essa visão,  o Professor Carrara, retomando alguns pontos defendidos por Holland (1974, 1978), argumenta que  a  parca  participação da  Análise do  Comportamento em  uma  atuação dirigi- da para princípios de igualdade e melhora na qualidade de vida  da coletividade não é uma questão de princípio, ou seja, não está teórica e inevitavelmente fundamentada pelo  Behaviorismo Radical.  O  maior  responsável por essa falha da Análise do Comportamento é, possivelmente, a filiação de analistas do comportamento ao mito  da neutralidade científica.
Seguindo a análise do Professor Carrara, diferente do que já se defendeu no passado, o fazer  ciência tem conseqüências sociais relevantes que  deveriam interferir nessa  atividade (e.g. Bachrach,  1965/1974).  Isso quer dizer  que  ao produzir conhecimento o cientista sempre se compromete com questões ético políticas que,  em  última instância, vão desde a manutenção de desigualdades sociais até  a possibilidade de  mudanças na  direção de uma  maior  igualdade entre  os indivíduos. Com  isso, quer  queira ou não,  o analista do comportamento sempre tem um  papel social (seja de manutenção da desigualdade, seja de catalisador de mudanças).
Nesse  sentido, não se trata  de afirmar (como parece fazer parte da crítica) que o Behaviorismo Radical,  quase  que  inevitavelmente,  culmina em  atuações antiéticas, mas de mostrar que  a falta de um  direcionamento  ético  faz  com  que  as práticas embasadas nessa filosofia da ciência do comportamento acabem  por  fortalecer (ou, pelo  menos,  nada fazer para  mudar) as desigualdades sociais.
No entanto, para que essa nova equalização dos objetivos  do Behaviorismo Radical seja possível faz-se necessário uma  discussão aprofundada de questões éticas no interior dessa filosofia da ciência do comportamento. Infelizmente, tais  discussões são  ainda incipientes, o que  nos  coloca  diante de  um  paradoxo: por  um  lado,  defende-se que o fazer científico  deve  ser eticamente orientado, mas por  outro,  não  há ainda uma  discussão ética aprofundada o suficiente para  tal direciona- mento.
Isso nos leva a concluir, com o autor, que  um  maior   investimento em  discussões sobre  ética  e política  no Behaviorismo Radical parece  fundamental. Talvez  um  primeiro aspecto  nessa  discussão seja definir,  de  maneira clara, os valores  dessa  ética que dirigirá o fazer ciência. Embora o livro não mencione esse ponto, parece  que  a definição dos  valores dessa  ética envolve muito mais  do que  o emprego da  expressão (repetida ad nauseam em discussões sobre ética no Behaviorismo Radical)  “sobrevivência das culturas”. Por outro  lado, também não parece  ser um caminho promissor retomar conceitos vagos como “felicidade”, “bem-estar”, “prazer”, etc. para definir  os valores  dessa  ética. Questões como “em que medida determinada prática do analista do comportamento contribui para  a melhora  na qualidade de vida  dos indivíduos?” ou “essa  prática está voltada para  a sobrevivência  das culturas?” só poderão ser respondidas quando formos  capazes de avaliar  a “qualidade de vida”  ou a “sobrevivência das culturas”; ou seja, quando definirmos de maneira  inequívoca o significado dessas expressões. Evidentemente, o escopo  das  variáveis que controlam a emissão dessas  respostas verbais é bastante amplo  indo  desde a nutrição até o tempo e o tipo  de lazer  disponível a um  indivíduo. Nessa  ampliação do escopo de análise,  reencontramos a proposta de uma Análise  do Comportamento Contextualista.
Por fim, é possível sumarizar o sentido do livro  do Professor Carrara como  uma proposta,  fundamentada  pela   metacrítica, de  uma  futura agenda de  pesquisa (teórico-conceitual, básica  e aplicada) da  Análise  do Comportamento.  O  que   chama   a  atenção nessa proposta é fato dela ter sido formulada pela  primeira vez em 1998 (na primeira edição do livro) e continuar válida  até hoje. Em suma,  parece  que  nesses  dez  anos  a Análise do Comportamento ainda não se voltou para a crítica de maneira satisfatória. Para  os analistas do comportamento resta,  então,  comportar-se para  que  a terceira  edição  do livro do  Professor Carrara deixe  de  ser  tão  atual quanto é a segunda.

Referências  Bibliográficas

Bachrach,  A. J. (1974). Introdução à pesquisa psicológica. Tradução de G. P. Witter.  São Paulo: EPU.
(Trabalho original publicado em 1965)
Carrara, K. (2005). Behaviorismo Radical: Crítica e metacrítica, 2ª. Edição. São Paulo: Editora Unesp.
Carrara, K. & Gonzalez, M. H. (1996). Contextualismo e mecanicismo: Implicações conceituais para  uma  análise  da Analise  do Comportamento. Didática, 31, 197-217.
Cozby, P. C. (2003). Métodos de pesquisa em ciências do comportamento. Traduzido por P. I. C. Gomide
& E. Otta. São Paulo: Editora Atlas. (Trabalho original publicado em 1977)
Foulquié, P. & Deledalle. G. (1965). A psicologia contemporânea. Traduzido por H. C. Campos. São
Paulo: Companhia Editora Nacional. (Trabalho original publicado em 1951)
Holland, J. G. (1974). Servirán los principios conductuales para  los revolucionarios? Em F. S.
Keller & E. Ribes (Orgs.)  Modificación de conducta: aplicaciones a la educación, pp.  265-281. México: Trillas.
Holland, J. G. (1978). Behaviorism: Part  of problem or part  of the  solution? Journal of Applied
Behavior Analysis, 11, 163-174.
Köche, J. C. (2002). Fundamentos de metodologia científica: Teoria da ciência e iniciação à pesquisa, 20ª.
Edição atualizada. Petrópolis: Editora Vozes.
Koffka, K. (1935). Principles of Gestalt psychology. New York: Harcourt, Brace and Company. Skinner,  B. F. (1969). Contingencies of reinforcement: A theoretical analysis. New  York: Appleton-
Century-Crofts.
Skinner,  B. F. (1974). About behaviorism. New York: Appleton-Century-Crofts.
Smith,  L. D. (1986). Behaviorism and Logical Positivism: A  reassessment of the alliance. Stanford: Stanford University Press.
Tolman,  E.   C.   (1967).   Purposive   behavior  in   animals  and   men.   Appleton-Century-Crofts. (Originalmente publicado em 1932)




Recebido em: 10/02/2008
Primeira decisão editorial  em: 18/02/2008
Versão final em: 26/04/2008
Aceito para publicação em: 20/05/2008

http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1517-55452008000100010&script=sci_arttext


Postado por Hilton Caio - UFGD