sexta-feira, 11 de novembro de 2011

A prática e as implicações da análise funcional




























Luc Vandenberghe1
Universidade Católica de Goiás



A história da análise funcional como hoje a conhecemos começou quando Skinner (1935) propôs a contingência tríplice como idéia norteadora no entendimento de comportamentos que estão sob controle de suas conseqüências. Essencialmente, a análise funcional procura entender as interações entre os comportamentos estudados e as variáveis que os determinam, através de três perguntas : O que acontece? Em quais circunstâncias? Com quais conseqüências? (Fontaine e Ylieff, 1981).
O motivo para fazer e tentar responder a estas perguntas se encontra na busca de variáveis que controlam o comportamento segundo o raciocino do paradigma behaviorista. Haynes (1992) fez esforços louváveis para divulgar e integrar a análise funcional na prática da terapia cognitivo-comportamental, usando, como argumentos, a riqueza e a relevância clínica da informação obtida com esse método de investigação. No entanto, a análise funcional é raramente praticada dentro desta linha de atuação. Segundo Tryon (1996), o desinteresse se deve às exigências do método em termos de tempo e esforço e ao fato de que a terapia cognitivo-comportamental mantém uma ênfase teórica em cognições que podem ser identificadas por meio de técnicas de entrevista sem a necessidade de analisar amostras de interação.
Procura-se efetuar uma revisão de literatura acerca da análise do comportamento onde a noção de análise funcional nasceu, para entender melhor o significado da contingência de três termos como instrumento de investigação. Andery, Micheleto e Sério (2001) mostraram que a clareza e simplicidade aparentes desta noção são enganosas. Há uma variedade marcante de condições diante das quais behavioristas usam o termo ‘análise funcional’. O presente texto pretende articular a noção nas suas formas fundamentais, para poder refletir com maior respaldo sobre as escolhas epistemológicas implícitas no uso desta ferramenta.



Análise experimental
O exemplo da análise funcional que se tornou prototípico para os alunos de graduação em psicologia no Brasil (e.g. Guidi e Bauermeister, 1979; Gomide e Weber, 1985) se encontra numa seqüência de exercícios de laboratório envolvendo um rato devidamente privado numa caixa com parede transparente que recebe uma gota d’água quando aperta uma barra. Uma vez modelado esse comportamento, várias relações entre comportamento e ambiente são demonstradas. Quando a gota d’água não é mais liberada, como conseqüência, o comportamento entra em extinção. Quando diferentes esquemas de reforçamento são introduzidos, a freqüência e a distribuição do comportamento muda. Assim, o aluno logo aprende a relacionar contingências com padrões de comportamento e manipulação de variáveis ambientais com mudanças de resposta.
Esperamos que o professor também chame atenção para o fato de que não somente a liberação da água pelo experimentador reforça o comportamento do rato, mas que pressionando a barra, o rato reforça também o comportamento do experimentador. O comportamento de cada um deles configura a contingência à qual o outro responde (Skinner, 1956). O controle do comportamento é sempre bidirecional. Trata-se de interação, não de determinação linear.

A análise aplicada
A modificação do comportamento estende a filosofia Skinneriana para a área aplicada. Dois exemplos bem conhecidos são a economia de fichas e o treino de pais.
Com a economia de fichas, comportamentos selecionados de prisioneiros (Ribes-Iñestra, 1972), pacientes internados (Azrin e Ayllon, 1968), ou toda a população de um bairro (Cohen, 1994), podiam ser modelados e mantidos em detrimento de comportamentos indesejáveis que eram favorecidos pelas contingências naturais do ambiente. As primeiras aplicações foram baseadas numa tradição de pesquisas analitico-funcionais (e.g. Ayllon e Michael, 1959) que destacaram que as contingências naturais do ambiente hospitalar mantinham comportamento contraprodutivo nos pacientes e que a instalação de contingências artificiais poderia levar a mudanças.
Similarmente, a pesquisa experimental (e.g. Wahler, Winkel, Peterson e Morrison, 1965) e a aplicada (Patterson, 1982) de cunho analítico-funcional levaram ao desenvolvimento de programas de treino de pais como abordagem terapêutica para problemas de comportamento infantis, para serem aplicados no ambiente natural. Programas didáticos em que pais aprendem estratégias práticas para reforçar e extinguir comportamentos selecionados foram desenvolvidos a partir desta noção (e.g. Barkley, 1987; Hawkins, Peterson, Schweid e Bijou, 1966).
Vistas as bases analítico-funcionais do raciocínio que sustentam ambos, treino de pais e economia de fichas, pode surpreender que os programas práticos citados acima não incluam uma análise dos fatores no ambiente natural que mantêm o comportamento problemático. Vários autores (Wong, 1986; Carr, 1994; Carr; Levin; McConnachie et. al., 1994; Mace, 1994) apontaram que a análise funcional estava sendo desprezada pelos analistas aplicados do comportamento que preferiam aplicar programas padronizados, impondo contingências arbitrárias suficientemente poderosas sem examinar, primeiro, quais contingências naturais mantêm um certo comportamento problemático de um certo individuo num certo contexto. Não precisavam saber ‘por que’ o sujeito se comportava de forma problemática, já que o analista dispunha de uma tecnologia poderosa para mudar esse comportamento.
Ribes-Iñestra (1982) sinalizou um afastamento entre a prática fora do laboratório e as bases filosóficas do behaviorismo radical na tendência da análise aplicada do comportamento de colocar eventos e funções no mesmo nível de análise, usando categorias como bater no irmãozinho; chorar; gritar. Já que não existe correspondência entre a topografia de um comportamento ou evento de um lado, e a sua função (discriminativo, reforçador etc.) do outro, esta última não pode ser atribuída a casos discretos de uma seqüência interpessoal.
Kohlenberg, Tsai e Kohlenberg (1996) enfatizaram que o uso de reforço artificial levanta o problema da inserção do comportamento modificado nas contingências naturais do cotidiano do paciente. A imposição de contingências programadas, que às vezes têm pouco a ver com as especificidades da interação natural, tem um efeito alienador ao qual o analista do comportamento deve ficar atento. Além disso, a prática distrai a atenção do terapeuta das interações que ocorrem entre ele e o cliente e assim oportunidades únicas de reforçar naturalmente mudanças terapêuticas passam despercebidas.
As definições topográficas e o recurso ao reforço artificial põem em destaque um pensamento linear que é incompatível com a natureza contextualista da própria análise funcional. De fato, o que está sendo modificada é a interação entre o analista comportamental e os diferentes participantes do programa. Num programa de treino de pais, novas variações de comportamento parental resultam das trocas com o analista, e o efeito que os novos comportamentos têm sobre os comportamentos do filho vão selecioná-los. Assim, padrões mais adequados podem emergir. Os comportamentos do filho reforçam ou punem os comportamentos dos pais muitas vezes com mais eficácia do que os pais controlam a conduta do filho.
Enquanto estas críticas surgiram na literatura, já se havia iniciado um renascimento do método analítico-funcional com o trabalho de Iwata, Dorsey, Slifer, Bauman e Richman (1982) que originou uma avalanche de replicações: mais de 150 numa década e se tornou um dos clássicos da Análise Aplicada do Comportamento (Neef e Iwata, 1994). O trabalho foi considerado uma revolução na área por haver renovado o espírito analítico dentro do trabalho comportamental aplicado (Mace, 1994).
O motivo para centralizar o tratamento na análise funcional era a convicção de que comportamentos problemáticos são propositais e não podem ser modificados sem levar em conta essa função. Já que eles servem a um propósito, a aquisição de um novo padrão de interação que leva ao mesmo resultado pode torná-los desnecessários. Assim, padrões sociais que são bem mais amplos do que os comportamentos problemáticos são modificados (Carr et. al., 1994). A vantagem deste modelo de avaliação está na possibilidade de escolher intervenções que estão diretamente ligadas à função operante do comportamento, abrindo um leque para usufruir conhecimento proveniente da Análise Experimental sobre esquemas de reforçamento e comportamento de escolha (Mace, 1994).
O modelo exige consideravelmente mais tempo do que o típico para um programa de análise aplicada de comportamento, mas constitui um retorno para o raciocínio experimental. Consiste numa seqüência de (1) entrevistas, (2) observação direta e (3) aplicação de diferentes condições experimentais, manipulando as variáveis que foram detectadas como sendo potencialmente relevantes (Iwata et. al., 1982).
Carr et. al. (1994) descreveram em mais detalhes estas três fases. Na entrevista, informação é colhida sobre o contexto social do comportamento problemático. As informações são categorizadas segundo situações especificas de acordo com diferentes propósitos que o comportamento pode ter. Deve-se distinguir sempre os três termos da contingência: o contexto interpessoal, o comportamento e a reação social provocada. A categorização consiste em formular hipóteses sobre possíveis propósitos dos comportamentos; agrupar em categorias as informações segundo os diferentes propósitos identificando temas comuns nas diferentes categorias.
Na fase de observação, procura-se verificar ou completar os resultados da entrevista. Trata-se de uma fase que exige diferentes semanas de trabalho a partir do qual o analista poderá escolher com mais firmeza as conseqüências comportamentais e os contextos antecedentes que provavelmente são relacionados com o comportamento problemático e valem a pena ser incluídos na análise funcional.
A terceira fase que tem a estrutura de um experimento, consiste de no mínimo quatro sessões para cada propósito hipotético. Em duas sessões, a suposta conseqüência reforçadora do comportamento problemático é liberada depois do comportamento problemático. Em duas outras, é liberada depois de comportamentos adequados. A cada vez, as duas sessões são conduzidas em duas situações interpessoais diferentes. Somente a esta fase experimental os autores chamam de análise funcional, apesar da topografia do comportamento estar também durante as duas fases anteriores no ‘fundo’ do pensamento diagnóstico e o aspecto funcional se destacar como ‘figura’.
Durante a análise funcional, o analista providencia as conseqüências para os comportamentos supostamente mantidos por eles e também para outros comportamentos. Por exemplo, em duas situações interpessoais diferentes, atenção é liberada somente quando o sujeito agride. E de novo em duas situações diferentes, atenção é liberada somente quando o sujeito inicia uma interação amigável. O valor de atenção como reforçador de diferentes comportamentos em diferentes situações é assim verificado. O valor de fuga de exigências ou tarefas, por exemplo, será verificado deixando a pessoa escapar em duas situações diferentes depois de emitir o comportamento problemático, e deixá-lo escapar em dois outros contextos depois da emissão de comportamentos adequados. Outras quatro sessões serão necessárias para examinar cada propósito que o analista supõe relevante.
O número de sessões necessárias para fazer a análise funcional se multiplica quando operações estabelecedoras fisiológicas, físicas e sociais são tomadas em conta e de acordo com as quais o valor reforçador de uma determinada conseqüência num dado contexto interpessoal pode variar consideravelmente. Com este acréscimo de variáveis independentes, a análise aumenta em duração mas pode gerar informações muito mais completas que possibilitarão a escolha de comportamentos contendo as mesmas funções que os comportamentos problemáticos (isto é, são funcionalmente equivalentes) mas que são mais eficientes.
Usando as conclusões da análise funcional, contextos sociais adequados podem ser criados para treino de comportamento funcionalmente equivalente e para generalização dos mesmos. Os reforços naturais diretamente relacionados aos problemas são, assim, desde o início, integrados no tratamento. Além disso, o raciocínio funcional é garantido pela manipulação cuidadosa das variáveis e o perigo de cair na armadilha das categorias topográficas é afastado.

A análise clínica
O trabalho de Iwata et. al. (1982) revigorou a análise funcional no campo aplicado. Do ponto de vista do analista clínico, no entanto, falta ainda um aspecto importante. Focalizando o comportamento do paciente indicado, as ações dos outros envolvidos no sistema são definidas como produtoras de antecedentes e conseqüências. A análise deixa no segundo plano o como a ação do paciente indicado controla os comportamentos dos demais e não abraça as interações entre todos estes elementos. Como insistem Fontaine e Ylieff (1981), a análise funcional precisa ser recursiva e incluir relações entre relações para se adequar à complexidade da realidade clínica. Precisa examinar como as interações entre terceiros influenciaram o comportamento do sujeito e como o comportamento deste influencia o comportamento dos outros.
Devem ser feitas mais perguntas. Por exemplo: Como tal mudança de comportamento do paciente psiquiátrico afetou o comportamento de uma certa enfermeira? Como as reações das enfermeiras às mudanças do comportamento do paciente afetam o comportamento do psicólogo que está implementando o programa? Interações mais amplas dentro da rede social envolvida, deveriam ser questionadas sistematicamente durante a execução de um programa comportamental.
Esta forma de fazer-se análise comportamental foi adotada por um conjunto de abordagens skinnerianas conhecidas como “Psicoterapia Analítica Funcional”, “Terapia de Aceitação e Compromisso” e “Terapia Comportamental Dialética”. Estas emergiram paralelamente durante a década de 1980 nos Estados Unidos. Na literatura norte-americana, essas três abordagens são chamadas de Análise Clínica do Comportamento para serem diferenciadas da Análise Aplicada do Comportamento, esta última exemplificada acima pelo treino de pais e pela economia de fichas (Hayes e Toarmino, 2000). No mesmo período, idéias muito similares apareceram independentemente na Europa (e.g. Fontaine e Ylieff, 1981; Bakker-de Pree, 1984) e no Brasil (e.g. Queiroz, Motta, Madi, Sossai, & Boren, 1981; Guilhardi, 1987).
Essencialmente, trata-se de aplicar as noções skinnerianas na leitura que o terapeuta faz do fluxo de interações complexas que constituam o processo psicoterápico. A tendência geral dessas novas terapias é a de desistir de medidas de freqüência de comportamentos topograficamente definidos e privilegiar uma análise discursiva de seqüências funcionais recorrentes.
Queiroz et. al. (1981), por exemplo, deixaram de lado a exposição com prevenção de resposta como o método padronizado da Terapia Comportamental Clássica para o tratamento do Transtorno Obsessivo-Compulsivo. Segundo sua proposta, não o transtorno, mas a interação do cliente com o seu meio seria o foco da intervenção. O “transtorno” só rotularia uma maneira pela qual o cliente teria se adaptado a seu ambiente, e como Banaco (1997) nos alerta neste sentido, o comportamento atual, ainda que cause sofrimento, é a única coisa que o cliente poderia fazer dadas as contingências.
Definir padrões de comportamento adequados para o cliente é muito menos importante do que descobrir em função de que se quer provocar uma mudança (Guilhardi, 1987). As queixas com as quais o cliente chega na sessão são comportamentos (muitas vezes de esquiva) e não devem ser entendidos como descrições da real problemática do cliente. São, muitas vezes, as partes menos interessantes do comportamento a ser analisado (Bakker-de Pree, 1984). A análise funcional dos contextos sócio-verbais que os mantêm é muito mais relevante para desenvolver intervenções clínicas (Zettle e Hayes, 1986).
Queixas são socialmente construídas (Haydu, 2001) e, como Kohlenberg, Tsai e Kohlenberg (1996) apontaram, precisam ser compreendidas como comportamento no contexto da relação terapêutica. Isto significa que a história de aprendizagem que levou o cliente a produzir esta queixa e a função que o pedido de ajuda adquire dentro da interação com o terapeuta não devem ser negligenciadas na análise funcional.
Fontaine e Ylieff (1981) e Bakker-de Pree (1987) insistiram que a análise funcional não é completa se descrever o problema somente em termos do comportamento que é observável para os outros no ambiente natural em que ocorre. Precisa incluir os encobertos que podem dar dicas importantes sobre a história de aprendizagem do cliente e ajudam a entender o que os estímulos discriminativos e as conseqüências significam para o cliente – como ele os vivencia emocionalmente – o que implica numa análise das variáveis que determinam a especificidade funcional destes.
A análise precisa ainda incluir contextos sócio-verbais mantidos numa certa comunidade (Zettle and Hayes, 1986) e outros padrões culturais que modelaram o comportamento da pessoa (Richelle, 1980). Precisa então considerar as alterações que um novo padrão de comportamentos produzirá no ambiente interpessoal do cliente e como essas alterações afetarão, por sua vez, o comportamento do cliente (Guilhardi, 1987; Fontaine e Ylieff, 1981).
Durante o processo terapêutico, isto implica que o terapeuta precisa captar, em cada momento, as interações entre os eventos observados a fim de determinar o elemento que será o objetivo terapêutico prioritário e as estratégias para abordá-lo, as quais serão, por sua vez, avaliadas por meio da análise funcional. O clínico deve ser preparado para aplicar a análise a qualquer elemento do sistema sujeito-ambiente e especificamente às mudanças que ocorrem durante a terapia. Tal noção de análise funcional implica num vai-e-vem contínuo entre diagnóstico e tratamento e se adequa à realidade clínica sempre instável e em contínuo movimento (Fontaine e Ylieff, 1981).
A análise funcional só pode existir a partir da noção de que comportamento é ação e nunca estado (Richelle, 1980; Bakker-de Pree, 1987). Por isso, a observação deve focalizar diretamente relações funcionais e não primeiramente os eventos entre os quais as relações funcionais poderiam ser estabelecidas num segundo momento. O início da interação é rastreado. Não interessa quando a resposta começou a ser emitida, mas quando entrou em contato funcional com um aspecto do ambiente (Segura Gálvez et. al., 1991).
Fontaine e Ylieff (1981) ainda sugerem adicionalmente a tomada da linha de base que constitui uma análise topológica concernindo o que a pessoa faz e com que freqüência, como o primeiro momento da análise funcional. Assim, eles deixam a impressão de que identificam primeiro eventos para depois encaixá-los em relações funcionais, se bem que uma leitura cuidadosa desse texto mostra que os eventos já são escolhidos num primeiro momento, em função de relações funcionais hipotéticas.
Segundo Segura Gálvez et. al. (1991), compreende-se a interdependência sincrônica entre eventos de tal forma que as variáveis distintas são apenas diferentes aspectos concretos de um todo abrangente. Essa leitura impossibilita a experimentação como tradicionalmente concebida, já que não é possível manipular uma variável independente mantendo as outras estáveis, porque todas são interligadas.
Enquanto esses autores mostram-se coerentes em sua cosmovisão contextualista, parece mais correto dizer que o analista clínico deve manipular contingências para poder observar efeitos sobre o comportamento do cliente. Deve observar a sua própria atuação sendo controlada pelos estímulos antecedentes e conseqüências que são os comportamentos do seu cliente, porém sem acreditar que as variáveis que ele isola dentro do fluxo de interações interpessoais realmente possam ser independentes.
Como participante da interação, o analista clínico está numa posição privilegiada. Os comportamentos do cliente afetam os seus repertórios de maneira semelhante àquela com que afetam os repertórios das pessoas que convivem com ele no seu ambiente natural. Ele pode usar a sua vivência da relação com o cliente como material de análise e assim observar da forma mais direta possível, o que é mais relevante para o trabalho terapêutico. No mesmo ato, porém, ele perde as garantias metodológicas alcançadas pelo analista aplicado do comportamento com o seu método experimentalmente delineado.
Guilhardi (1987) delineou as garantias que podem ser resgatadas para evitar um vácuo perigoso. Todas têm a ver com a análise funcional dos controles do comportamento do terapeuta. Podemos relacionar esse fato com a convicção de Bakker-de Pree (1987) e Kohlenberg, Tsai e Kohlenberg (1996) de que a análise funcional deve, para ter alguma utilidade clínica, incluir o comportamento do terapeuta.
Percebemos, então, a necessidade do analista de fazer uma leitura crítica da maneira em que ele está envolvido na análise que está fazendo. O princípio contextualista da continuidade espacial e temporal significa que não existem unidades naturais de análise. Digamos que o analista esteja obrigado a aplicar cortes espaço-temporais relativamente arbitrários no contínuo interativo. Se a unidade analisada será mais ou menos molar ou molecular dependerá das características da interação focalizada e da maneira em que esta última estiver sendo indagada pelo analista (Segura Gálvez et. al., 1991).
As separações que o analista do comportamento faz, isolando variáveis para serem manipuladas, assemelham-se à pontuação numa frase: tornam possível uma certa leitura dos dados. Porém, muitas vezes, a manipulação de uma variável a partir de uma certa leitura impõe uma revisão da pontuação. Tal visão está de acordo com a exigência de Fontaine e Ylieff (1981) de que a análise funcional seja dinâmica no sentido de acolher as interferências permanentes entre ações e retroações e que ela continue como instrumento diagnóstico sempre aberto aos efeitos dos atos do terapeuta que foram direcionados pela própria análise funcional.

Discussão
O que tudo isto nos diz sobre o objeto da análise funcional? A escolha epistemológica que justifica o uso desta ferramenta implica numa definição do universo como unidade dinâmica de interações. Não é o organismo, mas a rede de relações dentro das quais ele existe, que é examinada. Não é o que a pessoa faz, mas as relações nas quais as ações estão envolvidas que são relevantes. Resumimos esta característica da análise funcional no conceito de ‘primazia funcional’.
Potencialmente, a quantidade de relações envolvidas num padrão de comportamentos é indeterminada. Não se pode ‘saber’ tudo o que determina um comportamento. Mas para construir um ‘saber’ válido, é preciso escolher relações a serem incluídas na análise em termos da sua relevância pragmática. Isto é, devem ser formuladas perguntas do tipo: “Existe a possibilidade de influenciar esta contingência?”; “Que novas contingências podem ser contrapostas a ele?” e “Mudar a contingência resultaria numa mudança significativa do comportamento?”
A ciência da ciência ou a análise da análise é uma questão inevitável numa ciência do comportamento que considera que a própria ciência é comportamento. Observações de regularidades, predições, descrições e explicações são construções derivadas da interação do cientista com os eventos que estuda. Como Skinner (1974) aponta, saber é ação. O conhecimento é comportamento que se modifica em função das mesmas leis como qualquer outro comportamento humano.
A partir desta reflexão, podemos, sem fazer uma escolha entre eles, contrastar dois modelos extremos. De um lado, o modelo epistemologicamente simples e elegante de Iwata et. al. (1982), que traz as garantias metodológicas para a elucidação das variáveis que devem ser consideradas no programa de intervenção que segue. De outro lado, as abordagens de Segura Gálvez et. al. (1991) e de Fontaine e Ylieff (1981) que exemplificam um paradigma complexo, nos quais as garantias residem na capacidade do analista de raciocinar em termos analítico-funcionais.
O primeiro se adequa a contextos de atuação em que a fase de tratamento será claramente diferenciada da fase diagnóstica e o controle do analista sobre as contingências é suficientemente forte para se aproximar da idéia de causação linear: “se eu organizo tal contingência, o sujeito responderá de tal forma.” O segundo se adequa ao contexto de psicoterapia ambulatorial em que o terapeuta não tem poder algum sobre as contingências que agem nos ambientes onde os problemas aconteçam e precisa considerar interferências e retroações em toda relação que examina.
Muitas vezes, a pragmática da atuação clínica nos obrigará a encarar a análise funcional de uma perspectiva que se encontra num contínuo entre estas duas posições extremas, respeitando as precauções epistemológicas do segundo modelo, sem se afastar das considerações práticas representadas pelo primeiro.
Paradigmaticamente, a análise funcional é uma abordagem complexa e recursiva e significa uma quebra com o empirismo tradicional. A sua complexidade implica na aceitação de que toda análise será incompleta. Implica em sempre continuar experimentando, sem jamais aceitar uma “sacada” como sendo a explicação definitiva. Implica ainda em aceitar que o processo diagnóstico só termina quando a terapia está encerrada. Tal processo diagnóstico só visa a certos aspectos do relacionamento entre o indivíduo e o seu ambiente e não cede para a ilusão de entender o sujeito inteiramente.
A sua recursividade se adequa ao fato de que o próprio analista faz parte da rede de interações. O cientista que manipula o comportamento do sujeito está sob controle do comportamento do sujeito. O comportamento do sujeito experimental determina o comportamento do experimentador. Até a unidade de interação recíproca entre comportamento e ambiente que será examinada é estabelecida em função da interação entre analista e participante. Assim, ele está sempre estudando, de alguma forma, a sua relação com o objeto do seu estudo. Isso traz implicações importantes para a prática da ciência.
Na análise funcional, o saber sobre um evento só é possível dentro do intercâmbio com este evento. Não é, como se argumenta em certas abordagens pós-modernas, que o sujeito se confunde com o objeto, mas tanto a possibilidade de saber quanto a possibilidade de validar este saber estão nas trocas entre sujeito e objeto, porque analisar e saber também são comportamentos.

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