terça-feira, 8 de novembro de 2011

SOBRE O SURGIMENTO DO BEHAVIORISMO RADICAL DE SKINNER




Emmanuel Zagury Tourinho


O Behaviorismo Radical constitui uma abordagem em Psicologia estreitamente identificada com as proposições de B. F. Skinner para uma ciência do comportamento. Falar de seu surgimento implica considerar duas alternativas: por um lado, podemos tratar dos primeiros textos de Skinner, nos quais encontramos tanto relatos de pesquisas empíricas quanto ensaios teóricos; por outro, podemos analisar a ocasião em que este autor distingue sua abordagem psicológica de todas as demais então existentes. Embora consideremos as primeiras obras de Skinner como importantes na construção de sua epistemologia, estaremos examinando o surgimento do behaviorismo radical em termos da segunda alternativa enumerada. Isto é, procuraremos, neste trabalho, analisar o artigo intitulado The Operational Analysis of Psychological Terms (Skinner, 1945/1984a)***, onde Skinner pela primeira vez caracteriza sua epistemologia como behaviorista radical, apontando os aspectos que a distinguem de outras versões comportamentais em Psicologia. Para realizar esta tarefa, recorreremos, também, a outras informações que facilitem a compreensão do momento em que Terms foi escrito, bem como da importância de seu conteúdo.


Terms foi elaborado para ser lido em um Simpósio sobre Operacionismo, realizado em 1945. Deste evento participavam psicólogos que então trabalhavam com investigação sobre o comportamento, mas a partir de uma perspectiva que Skinner refutaria, denominando-a de behaviorismo (meramente) "metodológico". No artigo, Skinner questiona alguns princípios desta abordagem e apresenta, então, seu modelo behaviorista radical. No centro das discussões, como o próprio título do Simpósio indica, estava a possibilidade de chegar-se a uma psicologia efetivamente operacionista. Assim, iniciamos levantando alguns aspectos relativos ao surgimento da doutrina operacionista e suas influências na Psicologia.
Em 1928, Percy Bridgman, um físico, publicou uma obra intitulada Logic of Modern Physics, na qual eram apresentados, pela primeira vez, os princípios operacionistas da ciência. Bridgman preocupava-se com o impacto provocado pela teoria da relatividade de Einstein no meio científico da física. A fim de compreender por que isso havia ocorrido, começou a estudar os hábitos de pensamento e expressão na física que precedeu Einstein, particularmente na física de Newton. E observou que Newton explicava conceitos como tempo, espaço e comprimento (exatamente os conceitos sobre os quais a teoria de Einstein impunha uma drástica revisão) a partir de supostas propriedades não disponíveis na natureza, ou seja, explicava conceitos físicos em termos de propriedades sobre as quais não indicava uma relação precisa com o próprio mundo físico. Bridgman considerava que estes conceitos eram ambíguos e não se articulavam com o trabalho científico dos físicos. Isto é, a atitude de Newton excluía a possibilidade de que aqueles conceitos fossem reformulados com maior precisão a partir do progresso que as pesquisas da Física pudessem alcançar no futuro. Insistir neste tipo de conceito significava manter a Física como uma ciência permanentemente sujeita a revoluções. Para Bridgman, a alternativa era formular os conceitos da Física de uma forma que pudessem ser sistematicamente revistos, à medida que as pesquisas fossem estabelecendo novos fatos. Isso seria possível definindo-se os conceitos físicos em termos de eventos igualmente físicos -como o fez Einstein, mesmo sem discutir o problema como levantado por Bridgman.
De um modo geral, o que Bridgman postulava é que os conceitos não deveriam ser definidos em termos de suas supostas propriedades, mas sim a partir do conjunto de operações relativas às circunstâncias em que são empregados. Este procedimento eliminaria a possibilidade de explicação de fenômenos através do recurso a conceitos por natureza não verificáveis empiricamente. Bridgman exemplifica sua postura tratando do conceito de comprimento.

"O que é que entendemos pelo comprimento de um objeto? Sabemos, evidentemente, o que queremos dizer com comprimento se pudermos indicar qual é o comprimento de todo e qualquer objeto; e, para o físico, nada mais ( necessário. Para apurar o comprimento de um objeto temos de realizar certas operações físicas. Portanto, o conceito de comprimento é fixado quando se fixam as operações pelas quais o comprimento é medido; quer dizer, o conceito de comprimento implica, nem mais nem menos, um conjunto de operações; o conceito é sinônimo do conjunto correspondente de operações" (Bridgman, 1928, p.5, grifos do autor).

Como indicam Day (1969) e Moore (1981), as propostas de Bridgman tiveram grande repercussão entre os psicólogos experimentais da época. Tanto Skinner, quanto seus colegas na Universidade de Harvard, principalmente Boring e Stevens, foram fortemente influenciados pelos argumentos daquele discurso.
Skinner teve contato direto com a obra de Bridgman, pouco tempo após sua publicação. Em um artigo publicado em 1931 (mas escrito em 1930), ele já se referia a Bridgman e procurava aplicar os princípios operacionistas em uma análise do conceito de reflexo (Skinner, 1931/1961). Mais tarde, em 1945, ele afirmaria que seu artigo de 1931 trilha sido não só a primeira publicação psicológica a apresentar uma referência a Bridgman, como também a "primeira análise explicitamente operacio-na1 de um conceito psicológico" (Skinner, 1945/1984a, p.551). A despeito deste fato, um outro tipo de operacionismo surgiu na psicologia, através de outros behavioristas de Harvard. Este outro modelo (como se deduz de um relato de Boring, 1950), contudo, já surgiu comprometido com outros princípios que nada tinham diretamente a ver com as proposições originais de Bridgman.
Boring (1950) relata que o primeiro contato dos psicólogos de Harvard com o trabalho de Bridgman ocorreu em 1930, através de Herbert Feigl, um positivista lógico, membro do Círculo de Viena. Este fato teria tido uma implicação séria no tipo de operacionismo a ser desenvolvido por psicólogos como o próprio Boring, Stevens e até Spence (Moore, 1981). Estes, ao interpretarem a obra de Bridgman, teriam atribuído uma ênfase exagerada à questão da objetividade e chegado, assim, a uma ciência dos fenômenos publicamente observáveis, fundamentada num critério de verdade por consenso público. Segundo Day (1969), Stevens viria a tomar-se o líder deste grupo, tendo publicado, em 1939, um artigo que sumarizava sua postura acerca dos problemas levantados pelos operacionistas. Neste trabalho, o problema do comportamento verbal do cientista é abordado a partir da perspectiva de uma teoria de referência do significado. De acordo com esta teoria, a linguagem deve ser explicada em termos de um conjunto de proposições simbólicas, descritivas de conteúdos da consciência. Para efeito de tratamento científico, deve-se identificar os elementos deste conjunto com operações mensuráveis, a respeito das quais possa haver concordância pública. Na opinião de Moore, esta posição.

".., admitia a possibilidade de uma linguagem privada. Isto é, ao assumir que a linguagem era uma atividade simbólica, eles assumiam que havia entidades (tais) como significados subjetivos privados que possuíam uma existência independente. (...)... esta posição implica na existência de algum sistema não comportamental que, com efeito, é responsável pela linguagem, Ela implica em que as pessoas sejam automaticamente capazes de descrever elementos de sua própria experiência privada - e que a linguagem seja essencialmente descritiva de manipulações lógicas destes elementos. Quando seguida a este extremo, esta posição impõe um dualismo pernicioso e um agente controlador interno ..." (1981, p.58).

Boring (1950) refere-se àquele artigo de Stevens como "o manual da nova ’psico-lógica’" (p.657). E é exatamente nesta linha que o behaviorismo de Boring, Stevens, e Spence irá desenvolver-se nas décadas de 30 e 40. No intuito de enfrentar os problemas da psicologia mentalista, estes autores desenvolvem um operacionismo bastante influenciado pelo positivismo lógico da época e que acabará desembocando numa postura com implicações igualmente mentalistas e dualistas em Psicologia. É contra este tipo de operacionismo que Skinner se levantará em seu artigo The Operational Analysis of Psychological Terms (ao qual estaremos nos referindo denominado-o de Terms, como o fazem alguns autores que o comentaram recentemente).
Terms trata basicamente de três questões: a natureza dos eventos privados, o problema do critério de verdade por concordância pública e os processos através dos quais um indivíduo passa a relatar eventos que lhe ocorrem de forma privada.
Sobre a natureza dos eventos privados, Skinner é enfático ao negar-lhes qualquer status distinto daqueles dos eventos públicos. Para ele, o que ocorre de forma privada a um indivíduo é tão físico quanto comportamentos publicamente observáveis. São eventos pertencentes a um mesmo sistema de dimensões que os eventos publicamente reconhecidos como físicos.

"... a minha dor de dente é simplesmente tão física quanto minha máquina de escrever, embora não (seja) pública..." (Skinner, 1945/1984a, p.552). 

B.F. Skinner

Esta posição tem uma implicação fundamental que é a eliminação de uma perspectiva dualista no estudo do comportamento humano. Ela implica uma visão monista de homem que não seda compartilhada pelos behavioristas metodológicos. Estes últimos (representados por Boring e Stevens), embora concordassem em tomar a Psicologia como ciência do comportamento, admitiam que o mundo está dividido entre eventos públicos (físicos) e eventos privados (de outra natureza), devendo a Psicologia confinar-se aos primeiros afim de estabelecer-se como ciência. Este último aspecto já diz respeito à questão do critério de verdade por consenso público. Vejamos o que ela implica para o behaviorismo metodológico e como será tratada pelo behaviorismo radical.
A necessidade de distinguir os eventos entre públicos e privados não é gratuita para o behaviorismo metodológico. Segundo Skinner, por trás desta distinção encontramos uma forte preocupação de ordem epistemológica. Aquela abordagem repousaria na crença de que um estudo só pode ser tomado como científico enquanto tratar de fenômenos acessíveis a dois ou mais observadores. Já para o behaviorismo radical, o problema da concordância pública deve ser tomado como secundário, em favor de um critério mais pragmático e de coerência interna do sistema teórico.

"A distinção público-privado enfatiza a filosofia árida da ’verdade por consenso’. O público, na verdade, acaba sendo simplesmente aquilo sobre o que se pode concordar porque é comum a dois ou mais concordantes. Isso não é uma parte essencial do operacionismo; ao contrário, operacionismo nos permite dispensar esta solução demais insatisfatória do problema da verdade. (...) O critério último para a boa qualidade de um conceito não é se duas pessoas entram em acordo, mas se o cientista que usa o conceito pode operar com sucesso sobre seu material - sozinho, se precisar. O que importa para o Robison Crusoé não é se ele está concordando consigo mesmo, mas se ele está chegando a algum lugar com seu controle sobre a natureza" (Skinner, 1945/1984a, p.552).

Resumindo estas duas questões, o behaviorismo radical trata dos eventos privados como eventos físicos (enquanto os behavioristas metodológicos tendem a atribuir-lhes uma outra natureza) e acredita ser tarefa da Psicologia tratar destes eventos; mesmo que de forma inferencial (enquanto os behavioristas metodológicos insistem no princípio de verdade por consenso público).
A terceira e principal questão tratada naquele artigo de Skinner é um pouco n1a$ complexa e diz respeito aos processos através dos quais um indivíduo se toma capaz de relatar seus próprios eventos privados. Para tratar deste assunto, Skinner mia examinando o problema de respostas verbais a eventos públicos. E um ponto que se coloca de forma importante para ele é como explicar o comportamento verbal do cientista.
Na perspectiva de Skinner, termos como conteúdo, significado ou referente devem ser desprezados, pelo menos enquanto propriedades de respostas verbais. Estes termos só fariam sentido enquanto especificações das contingências sob controle das quais uma dada resposta verbal ocorre. Isto é, deve-se lidar com os termos verbais na forma como são observados, qual seja, como respostas verbais. Dessa forma, precisamos compreendê-los no contexto de uma análise funcional.
O princípio geral da análise funcional que Skinner postula para o tratamento das respostas verbais pode ser entendido sem dificuldades. O que acontece é que uma comunidade verbal ensina o indivíduo a emitir uma dada resposta verbal (a "expressar um termo") provendo estímulos reforçadores quando esta resposta ocorre na presença de um dado estímulo discriminativo (da "coisa" para a qual o termo será tornado como "referente"). O indivíduo, então, aprende a dizer "cadeira" na presença de uma cadeira ou objeto similar, não por uma questão de "apreensão do significado" de cadeira, mas porque esta resposta, na presença de cadeira, tem uma história de reforçamento provido pela comunidade verbal.
A abordagem Skinneriana pretende eliminar a necessidade de recorrência a explicações linguísticas ou filosóficas para que se compreendam as bases do discurso verbal. Como, para Skinner, cada resposta verbal deve ser entendida enquanto funcionalmente relacionada a um conjunto de estímulos que tomem sua ocorrência (mais) provável, o comportamento verbal constitui-se num problema a ser tratado pela Psicologia e não por outras disciplinas.
Neste ponto, vale à pena fazer um parêntese para acrescentar que esta questão da relação funcional entre termos e estímulos que aumentam sua probabilidade de ocorrência será tratada de forma mais sistemática no livro Verbal Behavior (Skinner, 1957/1978), onde aparece sob a classe de operantes verbais denominados "tatos".

"O tato surge como o mais importante operante verbal, por causa do controle incomparável exercido pelo estímulo anterior. Este controle é estabelecido pela comunidade reforçadora (...) No tato (...) estabelecemos uma relação excepcional com um estímulo discriminativo. . Fazemos isso reforçando a resposta tão consistentemente quanto . possível na presença de um estímulo, com muitos reforçadores diferentes ou com um reforçador generalizado. O controle resultante é feito por meio do estímulo. Uma dada resposta ‘específica’ uma dada propriedade-estímulo. Isto é a ‘referência’ da teoria semântica. . (Skinner, 1957/1978, p.109, grifo do autor).

Quando Terms foi escrito, as diversas classes de operantes verbais ainda não haviam sido (pelo menos publicamente) formuladas por Skinner. O que viria a ser chamado de "tato", porém, já era claramente delineado neste artigo. Além disso, as formulações acerca do papel da comunidade verbal na instalação de repertórios verbais dos indivíduos e do estímulo discriminativo no controle do tato são claramente . ali explicitadas. E isto ocorre, fundamentalmente, quando Skinner começa a tratar da privacidade, no que acredita residir a grande contribuição de seu artigo. "Substitua ‘cadeira’ por ‘dor’ e chega-se ao problema de ’a definição operacional de um termo psicológico’ " (Skinner, 1945/1984b, p.573, grifos do autor.) Vejamos como este problema é examinado.
Admitindo-se que um indivíduo seja ensinado a emitir uma certa resposta verbal (a verbalizar um certo termo) através do reforçamento provido pela comunidade verbal quando esta resposta ocorre na presença de um dado estimulo discriminativo (da "coisa referente"), como tratar daquelas respostas cujos estímulos discriminativos só estão acessíveis ao próprio indivíduo, e não à comunidade verbal que deve ensiná-lo a emitir a resposta "correta" naquela circunstância? Aí reside todo o problema a ser enfrentado pelo behaviorismo no tratamento da privacidade. A proposta de Skinner para uma análise funcional das respostas verbais na presença de estímulos discriminativos parte do princípio de que estes últimos estejam acessíveis tanto ao indivíduo que emite a resposta quanto a comunidade que o ensina a emití-la, e isso não é possível no caso de estímulos discriminativos privados. Como, então, o indivíduo aprende a relatar aqueles eventos aos quais só ele próprio tem acesso?
Skinner enumera quatro estratégias através das quais a comunidade verbal procura ensinar respostas verbais a estímulos privados, a partir da inferência de ocorrência destes últimos, já que o acesso direto não é possível. No primeiro caso, a comunidade utiliza-se de estímulos públicos associados ao estimulo privado para reforçar a resposta do sujeito. É o que ocorre, por exemplo, quando se ensina a res. posta verbal à estimulação tátil de um objeto, tendo-se acesso à estimulação visual deste mesmo objeto. Para o indivíduo que emite a resposta verbal, a estimulação que adquire o controle da resposta é privada (tátil), mas quem lhe ensina a resposta o faz com base em um outro estimulo público associado (a estimulação visual do objeto).
Uma segunda estratégia consiste no reforçamento da resposta verbal ao estímulo privado na presença de outras respostas colaterais públicas não verbais (geralmente incondicionadas) àquela mesma estimulação. Neste caso, temos o exemplo do indivíduo que relata uma dor de dente, ao mesmo tempo em que põe uma mão na mandíbula ou geme. A partir da resposta colateral, a comunidade infere uma certa estimulação privada ao indivíduo e reforça sua resposta verbal.
A terceira possibilidade diz respeito à situação em que o indivíduo descreve seu próprio comportamento. Quando se trata de um comportamento aberto, a comunidade pode reforçar a resposta verbal com base na observação deste comportamento, enquanto para o indivíduo os estímulos proprioceptivos envolvidos naquele comportamento podem também adquirir o controle da resposta. Quando se trata de um comportamento que era público e retrocedeu ao nível encoberto, entretanto, há três possibilidades: o relato (do comportamento agora encoberto) pode ser reforçado com base numa resposta aberta tomada como acompanhamento daquela resposta encoberta, o que se assemelha à segunda estratégia enumerada; a resposta encoberta pode ser similar (embora menos intensa) à resposta aberta e assim prover um mesmo estímulo público, embora de forma enfraquecida; e a resposta pode não ter sempre um acompanhamento público, mas ser reforçada ocasionalmente quando a mesma estimulação ocorre com manifestações públicas. Estas três possibilidades caracterizam as alternativas de que a comunidade verbal dispõe para reforçar respostas au-w-descritivas, mesmo quando o comportamento descrito retrocedeu ao nível encoberto.
Uma quarta e última estratégia diz respeito à generalização de estímulos. Uma resposta pode ser adquirida em conexão com um estímulo público e posteriormente ser emitida em conexão com uma estimulação privada, com base em propriedades coincidentes. Um exemplo disso, é descrever unta estimulação privada como "agitada" ou "ebuliente". É o que Skinner mais tarde (1957/1978) chamará de tato metafórico.
Uma primeira constatação que estas estratégicas suscitam é que a comunidade verbal não precisa ter necessariamente aquele acesso direto aos eventos privados de um indivíduo para que possa ensiná-lo a descrevê-los. De fato, este acesso não é estritamente necessário. Por outro lado, como fica bastante claro, nenhuma das estratégias citadas é suficiente para prover a instalação de um repertório verbal preciso a respeito dos estímulos privados. Nenhuma delas pode ser eximida da possibilidade de erro/imprecisão ou de limitação na sua aplicação. Isso significa dizer que o indivíduo não pode "claramente conhecer-se, no sentido em que conhecimento identifica-se com comportar-se discriminativamente" (Skinner, 1945/1984a, pp. 549-550). Não fica difícil, então, compreender por que nunca se chegou a um vocabulário estável, acerca dos eventos privados, que tivesse um uso razoavelmente uniforme por parte dos membros de uma comunidade verbal.
Uma outra observação importante sobre aquelas estratégias diz respeito ao fato de que, ao descrevê-las, Skinner consegue demonstrar que sua proposta de uma análise funcional para o tratamento de episódios verbais não só permite que se trate dos chamados termos psicológicos fiem necessidade de recorrência a conceitos como "significado" ou "conteúdo consciente", como também constitui o caminho adequado para a abordagem do problema privacidade numa perspectiva coerente com sua teoria do comportamento (indo além das tradições behavioristas metodológicas). Por outro lado, Skinner não oferece, naquele artigo, elementos adicionais em termos do tipo de pesquisa a ser desenvolvido nesta área. Este último aspecto pode ser tomado como bastante relevante se considerarmos que Skinner (em um artigo posterior, 1963/1984c) conceberá o behaviorismo radical como uma filosofia do comportamento que trata dos métodos e do objeto de estudo da Psicologia. De qualquer maneira, este problema parece exigir um exame do desenvolvimento posterior do behaviorismo de Skinner em termos de pesquisa sobre o comportamento humano complexo. Esta questão será retomada, mais adiante, com a apresentação de outros aspectos do problema.
Ainda no Terms, Skinner aborda diretamente o problema da consciência, u1n dos mais freqüentes quando se fala de vida privada. Diz ele que estar consciente é reagir ao próprio comportamento de forma verbal. Assim, um indivíduo que está consciente é um indivíduo capaz de descrever seu próprio comportamento. Como esta descrição só se torna possível a partir de contingências arranjadas pela comunidade verbal, desta proposição resulta uma concepção de consciência como produto social. 

"... é somente porque o comportamento do indivíduo é importante para a sociedade que a sociedade, toma-o, então, importante para o indivíduo. Alguém torna-se consciente do que está fazendo somente após a sociedade ter reforçado respostas verbais com respeito ao seu comportamento como a fonte de estímulos discriminativos" (Skinner, 1945/1984a, p.551).

A consciência, então, deve ser abordada enquanto uma questão de descrição do próprio comportamento, ou melhor, enquanto uma questão de instalação de um adequado repertório verbal descritivo do próprio comportamento. Este tipo de tratamento tem uma implicação que Skinner chega a considerar irônica: é o desenvolvimento de um vocabulário mais efetivo. para a análise do comportamento que pode aumentar as possibilidades de um indivíduo tornar-se efetivamente consciente.
De um modo geral, estas são as idéias principais contidas no artigo de Skinner de 1945. Este texto foi comentado recentemente por vários autores. Destacaremos, a seguir, três questões importantes levantadas nestes comentados e as respectivas respostas de Skinner aos comentadores.
Uma primeira observação diz respeito à importância histórica do artigo, assinalada por vários autores (Brinker e Jaynes, 1984; Lowe, 1984; Meehl, 1984; Moore, 1984; Ringen, 1984 e Zuriff, 1984). Nestes casos, adjetivos como "brilhante" ou "significativo" não são nada escassos na caracterização do trabalho. Todos são unânimes ao considerar Terms como um marco no desenvolvimento da epistemologia behaviorista radical. Esta constatação pode parecer irrelevante, em princípio. Entretanto, quando consideramos que Skinner responde àqueles comentados sem acusar nenhum exagero na caracterização de seu artigo, podemos concluir que ele próprio concebe as proposições ali presentes como aquilo que distingue sua epistemologia psicológica. Esta constatação, aliás, é confirmada em outras obras do próprio Skinner (por exemplo, Skinner, 1974/1982).
Uma segunda questão é que vários daqueles comentadores (Brinker e Jaynes, 1984; Lowe, 1984; Moore, 1984; e Ringen, 1984) destacam que, a despeito da importância do artigo, os princípios ali presentes nunca chegaram a ser aplicados a um programa de investigações acerca do comportamento humano. Brinker e Jaynes, por exemplo, afirmam que muitas das criticas hoje enfrentadas pelo behaviorismo ocorrem exatamente porque as proposições contidas no Terms... nunca culminaram no programa prometido de pesquisa em comportamento humano que demonstraria as diferenças entre o velho e o novo operacionismo" (1984, p.554). Respondendo a esta questão, Skinner é absolutamente explícito ao concordar com a demanda de seus comentadores. Ele chega, inclusive, a juntar-se a Lowe "... ao exigir o próximo passo: pesquisa sobre auto-conhecimento e auto-gerenciamento e seus possíveis efeitos no comportamento humano em geral’’ (Skinner, 1984b, p.576).
A terceira e última observação nesta linha de comentários, também relacionada à questão anterior, diz respeito ao tipo de leitura provida pelo artigo de Skinner. Alguns autores (Terrace, 1984; e Stalker e Ziff, 1984) argumentam que o artigo de Skinner distingue-se pelo fato de ser um material filosófico. Skinner responde afirmando que seu texto não é filosofia, mas interpretação. E define interpretação como a aplicação de princípios cientificamente comprovados como efetivos (na investigação de fenômenos menos complexos) a assuntos mais complexos, sobre os quais o conhech1Rnto existente não é suficiente para tomar a previsão e o controle possíveis. Em principio, podemos tomar esta resposta como bastante plausível. Entretanto, se Skinner reconhece seu artigo como uma interpretação acerca do comportamento humano, podemos questionar em que medida ele poderia subsidiar pesquisas na área Isto é, não fica claro, em nenhum momento, como este caráter interpretativo pode ser conciliado com uma demanda explícita por pesquisa empírica sobre fenômenos relativos ao comportamento humano complexo.

Com base no exposto acima, concluímos destacando dois pontos importantes:

1.     Por um lado, podemos afirmar que o behaviorismo radical de Skinner constituiu sua identidade (no sentido de distinguir-se das demais abordagens psicológicas então existentes) através do reconhecimento da vida interna dos indivíduos e da proposição de uma perspectiva científica para o tratamento de fenômenos a ela relacionados. Um aspecto interessante, a este respeito, é que ainda hoje o behaviorismo de Skinner é acusado de ignorar a vida mental. Em 1974, quase trinta anos após a publicação de Terms, Skinner contestou este tipo de crítica (Skinner, 1974/1982) repetindo muito do que afirmara em 1945. No entanto, tanto em 1974 quanto atualmente, a opinião corrente no meio acadêmico da Psicologia indica o mesmo tipo de problema, a despeito do que Skinner vem afirmando desde 1945.

2.     Por outro lado, é importante notar que, ao reconhecer a vida interna dos indivíduos, Skinner o faz por razões de ordem epistemológica, e não por compartilhar uma tendência histórica de construção da Psicologia como uma ciência da vida mental. O rato de que seu artigo . de 1945 não tenha dado origem à pesquisas na área do comportamento humano complexo deve, então, ser investigado (afora outras possíveis razões) em termos dos diversos pressupostos que compõem a epistemologia behaviorista radical. E isto implica ir muito além dos aspectos operacionistas desta abordagem. Neste ponto, concordamos com Boring (1950), quando afirma que o operacionismo não é uma escola psicológica, mas apenas um principio. Ao tratar, pela primeira vez, dos eventos privados, Skinner discutia os elementos operacionistas de sua ciência que, na verdade, é muito mais do que meramente operacionista. O passo seguinte nesta tinha de análise deve ser, então, o de tentar compreender o não desenvolvimento de pesquisas na área citada, a partir de uma consideração mais abrangente dos diversos princípios (operacionistas ou não) que compõem a abordagem Skinneriana. É o que pretendemos desenvolver num próximo trabalho.

REFERÊNCIAS
Boring, E. G. A History of Experimental Psychology. New York: Appleton-Century-Crofts, Second Edition, 1950.
Bridgman, P. The Logic of Modern Physics. New York: The MacMillan Company, 1928.
Brinker, R.P, e Jaynes, J. Waiting for the world to make me talk and tell me what I meant. The Behavioral and Brain Sciences, 1984, 7, 554-555.
Day, W. F. On certain similarities between lhe Philosophical Investigations of Ludwig Wittgenstein and the operationism of B. F. Skinner. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 1969, 12, 489-506.
Lowe, C. F. The flight from human behavior. The Behavioral and Brain Sciences, 1984, 7, 562-563.
Meehl, P. E. Radical behaviorism and mental events: four methodological queries. The Behavioral and Brain Sciences, 1984, 7, 563-564.
Moore, J. On mentalism, methodological behaviorism and radical behaviorism. Behaviorism, 1981, 9 (1), 55-77.
Moore, J. On Skinner's radical operationism. The Behavioral and Brain Sciences, 1984, 7, 564-565.
Ringen, J. D. B. F. Skinner's operationism. The Behavioral and Brain Sciences, 1984, 7, 567-568.
Skinner, B. F. The concept of the reflex in the description of behavior. Em: B. F. Skinner Cumulative Record. New York: Appleton-Century-Crofts, enlarged edition, 1961, pp. 319-346.
Skinner, B.F. O Comportamento Verbal. São Paulo: Cultrix/EDUSP, 1978. Tradução de M. P. Villalobos.
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Skinner, B.F. The operational analysis of psychological terms. The Behavioral and Brain Sciences, 1984a, 7, 547-553.
Skinner, B. F. Coming to terms with private events. The Behavioral and Brain Sciences, 1984b, 7, 572-581.
Skinner, B.F. Behaviorism at fifty. The Behavioral and Brain Sciences, 1984c, 7, 615-621.
Stalker, D. e Ziff, P. B. F. Skinner's theorizing. The Behavioral and Brain Sciences, 1984, 7, 569.
Terrace, H. S. A behavioral theory of mind? The Behavioral and Brain Sciences, 1984, 7, 569-571.
Zuriff, G. E. Radical behaviorism and theoretical entities. The Behavioral and Brain Sciences, 1984, 7, 572.
* Artigo publicado originalmente na revista PSICOLOGIA, Novembro de 1987, Ano 13, número 3. Este artigo fez parte dos trabalhos que foram desenvolvidos pelo autor a nível de Mestrado, sob orientação do Professor Sérgio Vasconcellos de Luna.