quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

AS BROMÉLIAS E A TEIA DE ARANHA



















HÉLIO JOSÉ GUILHARDI                                                         PATRÍCIA B. P. DE S. QUEIROZ

Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento


- Quanta bromélia junta! Formam um canteiro natural sobre a rocha.
- Olhe essa teia de aranha entre as folhas...
- Nem a tinha notado... Interessante: olhei e não a vi... Faltou alguma contingência para me fazer vê-la.
- Minha frase criou a contingência. Agora você a vê.
- Assim, no dia a dia, fica claro como o comportamento - de ver no caso - é controlado.
- Os cognitivistas diriam que você não “prestou atenção”, por isso não viu a teia.
- Nesse caso, “prestar atenção” antecederia ver? Seria um pré-requisito?
- Para  os  cognitivistas  sim.  No  entanto,  “prestar  atenção” não  é causa  de  ver. 
As contingências  me  levam a notar aspectos do meio, a “prestar atenção” em detalhes como a teia. Nesse sentido  “prestar atenção”, definida como olhar para algo (teia) e nomeá-lo (“teia de aranha”) é comportamento.
- Mas, então, qual foi a contingência para eu ter notado as bromélias já que ninguém
“chamou minha atenção” para eu vê-las?
- Neste caso, a contingência está na sua história de vida. Em algum momento, alguém lhe mostrou uma determinada planta (SD ) e lhe disse “Isto é uma bromélia” (SD   verbal com função de modelo para  nomeação). A partir daí, quando você diante de uma bromélia verbalizou “bromélia” (R verbal), sua  comunidade verbal a consequenciou com  algum  tipo  de  reforço  positivo  (“Muito  bem”,  “Isso  mesmo”,  “Vê  como  as bromélias são lindas?”, etc.).


- Mas, se aprendi em casa o que é uma bromélia, como a reconheço nas rochas?
- Se o treino discriminativo foi repetido com diferentes tipos de bromélias, em diferentes circunstâncias, você, provavelmente, formou o “conceito bromélia”. Isto é, passou a ser capaz de dizer “bromélia” para  muitos tipos diferentes de plantas, todas bromélias: generalizou dentro da classe de estímulos (bromélias grandes ou pequenas, floridas ou sem flores, ao vivo ou em fotos, etc.). Simultaneamente, discriminou entre classes de estímulos (não diz “bromélia” diante de uma avenca, ou de uma  samambaia, etc.). Tendo formado o “conceito bromélia”, portanto, você está habilitada a identificá-la (uma  vegetal  bromélia  tem  função  de  SD   para você)  e  a  nomeá-la  em  qualquer ambiente.
- Se esse treino ocorreu no passado, onde ficou armazenado para eu usá-lo no presente?
- A  idéia  de  “armazenamento”  é  cognitivista.  Aquilo  que  foi  aprendido  não  fica “guardado” em nenhum arquivo psicológico, de onde é retirado quando necessário.
- Mas,  eu  nem  estava  pensando  em  bromélias  e  quando  as  vi  imediatamente  as reconheci.
- O “conceito bromélia” está no organismo. Tudo que é aprendido (passou pela condição indispensável de ter sido exposto a uma contingência de reforçamento) passa a fazer parte  do  organismo.  Assim,  organismo  é  o  conjunto  formado  pelo  equipamento biológico e pelo repertório de comportamentos adquiridos.
- Entendo. Uma pessoa que nunca aprendeu o que é “bromélia” não poderia nomeá-la, mesmo  a  tendo  diante  dos  olhos.  Não  teria  pré-requisitos  para  vê-la.  O  que  não entendo, então é, o papel dos olhos? Eu não vejo com os meus olhos?
- É  uma  questão  interessante.  A  resposta  é  não.  Os  olhos,  enquanto  equipamento biológico, são um pré-requisito para o comportamento de “ver”, mas não bastam para ver. O que faz um organismo ver, através ou com os olhos, são as contingências que produzem uma discriminação visual.

- Como assim?
- Suponha  que  você  olhe  para  uma  lâmina  com  sangue  através  das  lentes  de  um microscópio antes de uma aula prática sobre células sanguíneas. Embora, os diferentes tipos de células sanguíneas estejam lá você não conseguirá distingui-las. Após a aula, em  que  lhe  foram  ensinados  os   conceitos   de  eritrócitos,  eosinófilos,  basófilos, plaquetas, etc. você “verá” os diferentes tipos de  células. Foram as contingências (produzidas pela aula) que lhe ensinaram a ver aquilo que você não via antes de ter os conceitos, embora as células estivessem o tempo todo diante de seus olhos. Assim, são necessários os olhos (parte do organismo) e as contingências ambientais para ocorrer o comportamento de ver.
- Acho que entendi. Preciso pensar mais sobre isso... Mas, se fui ensinada a ter o “conceito” de “bromélia”, ou seja, se sou, digamos, “um organismo bromeliado”, por que não fico dizendo “bromélia” o tempo todo?
-  Porque  o  “conceito  bromélia”  está  no  organismo  e  também  nas  contingências ambientais. O  “organismo bromeliado” , como você disse (aquele que incorporou o conceito de bromélia em função de sua história de vida) está apto para nomeá-la, mas precisa  ser  exposto  a  contingências  que  evoquem,  num  determinado  momento  ou contexto, a resposta verbal para, de fato, nomeá-la. Assim, poderia ser a visão de uma bromélia (SD   ), a minha presença (um ouvinte com função de SD   e  com provável função de Sr  ) como aconteceu no episódio. Poderia ter sido outra contingência, por exemplo, alguém perguntar “O que é uma bromélia?”, “Quem viu uma bromélia?", etc.
- Mas, houve um momento no nosso percurso em que sem ter visto nenhuma bromélia eu “pensei” nela.
- Pensou em quê exatamente?
- Pensei que nestas montanhas, bem que poderíamos encontrar bromélias...
- Seu pensamento estava, neste exemplo, sob controle do ambiente físico: um local onde há certa probabilidade de existirem bromélias. (É pouco provável que você pensasse em  bromélias  no  meio  do  oceano,  por  ex.,  exceto  sob  circunstâncias  arbitrárias especiais, como ouvir alguém dizendo “Estou com vontade de comer abacaxi..."). É um exemplo  de  generalização  de  estímulos.  A  probabilidade  de  pensar  em  bromélia depende  da  força  da  resposta:  contingências  sob  as  quais  o  comportamento  foi instalado e o grau de semelhança entre os estímulos presentes e aqueles sob os quais a resposta foi condicionada.

- Você tem razão... Eu já havia visto bromélias em uma região semelhante a esta numa outra viagem que fiz. Agora, o que me chamou a atenção na sua explicação foi que você tratou o meu pensamento como se fosse um outro comportamento qualquer.
- Exato. Pensar é comportar-se. O pensamento é comportamento, sujeito às mesmas leis que qualquer outro comportamento. Sua única particularidade é o acesso para observá- lo. Como se trata de um  comportamento privado, sua observação só é acessível à própria pessoa que se comporta (pensa): você no caso.
-  Ainda  uma  coisa  me  deixa  em  dúvida...  Quando  você  me  perguntou  em  que exatamente eu havia pensado, dei-lhe uma resposta, mas não foi tudo. De fato, pensei que queria encontrar uma bromélia mas ,além disso, eu “vi” a bromélia que gostaria de encontrar. Posso até descrevê-la para você. Mas, como posso “ter visto” uma planta, com sua flor vermelha, se ela não estava ali?
- Quando você diz que “viu” alguma coisa, e neste caso você viu uma planta que não estava presente, está se referindo a uma outra classe de comportamentos encobertos, que não exatamente pensar.  Usualmente, emprega-se nestes casos o verbo imaginar. Ou seja, você imaginou que estava vendo uma planta (é como se você estivesse vendo uma  imagem).  A  concepção  de  ver  uma  imagem  é  também  dualista:  é  como  se existisse um objeto e uma cópia dele e em circunstâncias especiais nós vemos a cópia, a imagem. Um resquício da concepção religiosa de corpo-alma, que por sua vez se baseia na filosofia platônica do mundo das sensações e das idéias...
- Como explicar, então, que eu “vi” a bromélia florida?
- A explicação seria a mesma usada para explicar o comportamento de pensar, como foi feito acima, mas agora aplicado a outra classe de comportamento: “ver na ausência do objeto visto”. Assim, é necessário um SD  ambiental, no caso região montanhosa, onde bromélias    podem ser       encontradas.    Uma     história passada           em       que      existiram contingências que lhe ensinaram a discriminar (visualmente) uma bromélia, a ter um conceito  visual  de  bromélia,  ou,  mais  específico  ainda,  de  bromélias  com  flores vermelhas  e  ainda  lhe  ensinaram  que  bromélias  crescem  e  florescem  em  regiões montanhosas  parecidas  com  a  que  você  está  escalando.  Sem  essa   história   de contingências e sem o controle de estímulo ambiental você não “veria” bromélias. A bromélia que você “viu” não está no mundo platônico das idéias, está na relação entre seu organismo e o aspecto funcional do ambiente; está nas contingências passadas e atuais.