segunda-feira, 16 de maio de 2011

AS CONTINGÊNCIAS MANTENEDORAS DA PROSTITUIÇÃO

A prostituição é um fenômeno social comum em diversas civilizações. Apesar de ser mantida pela sociedade e por seus componentes, também é por ela discriminada enquanto profissão, o que acarreta em diversas punições às prostitutas. Este estudo teve por objetivo investigar quais contingências mantêm o comportamento de prostituir-se, negando, desde o início, causas internas como caráter, e focalizando a relação entre a prostituta e o seu ambiente.

Grande parte das culturas, inclusive a brasileira, pune e segrega a prostituta como se seu comportamento fosse resultado de alguma condição interna e não de contingências sociais, culturais e econômicas. Da mesma sociedade que pune e segrega, fazem parte aqueles que mantêm o comportamento de prostituir-se, liberando reforçadores econômicos e/ou sociais (Ariente, 1989). As formas de punição podem variar desde perda de reforçadores até punições físicas. Como resultado da estimulação aversiva condicionada ao comportamento de prostituir-se, uma série de subprodutos são gerados. Padrões comportamentais de fuga e esquiva são reforçados, mesmo quando, a longo prazo, acarretam em prejuízos para o indivíduo. Uma série de padrões emocionais são condicionados a estímulos anteriormente neutros. Este processo é explicado por Skinner (1953/2000):

A estimulação aversiva condicionada gerada pelo mau comportamento como resultado da punição se associa com um padrão emocional comumente denomina-do vergonha . O indivíduo responde a isso quando sente-se envergonhado dele mesmo . (p. 354-355)

Além de vergonha , outros padrões emocionais negativos são condicionados, como, por exemplo, raiva, medo, ansiedade, revolta, tristeza, frustração.

Apesar de o comportamento de prostituir-se ser um comportamento socialmente relevante por acarretar diversos prejuízos para o individuo que nele se engaja e por ser excessivamente comum (é estimado que cerca de 25 mil mulheres trabalhem como prostitutas no Brasil), não foi encontrada bibliografia sobre o tema na literatura análise do comportamento.

Este trabalho teve o objetivo de investigar estímulos reforçadores resultantes da prostituição e mantenedoras deste comportamento e, paralelamente, identificar a que estimulações aversivas estas mulheres estão submetidas no exercício de sua atividade.

Diversas contingências instaladoras e mantenedoras foram identificadas, dentre elas: esquiva de situação anterior mais aversiva, privação econômica como operação estabelecedora, reforço generalizado, reforçamento imediato, imitação, reforço primário, esquiva de punição, dentre outras. Foram identificadas, como opera-ções estabelecedoras, a privação econômica e social.

Privação econômica como operação estabelecedora. Em todos os relatos, há um fator comum antecedente à entrada na prostituição: a privação econômica. Em apenas um caso foi relatada privação de comida, mas todas as participantes relata-ram ter dificuldades econômicas antes da profissão. Apesar de o dinheiro ser um reforçador eficaz por independer de privação específica, estar privado de dinheiro e de acesso a bens pode alterar o valor reforçador de um salário

Imitação. Pode-se inferir tratar-se de um comportamento inicialmente emitido por imitação, uma vez que todas as participantes começaram a trabalhar a partir do contato com uma amiga que já trabalhava como prostituta.

Esquiva de situação anterior mais aversiva. foi relatada por todas as participantes do estudo. A prostituição é uma profissão que fornece dinheiro rápido. A cada programa, a prostituta recebe uma quantia, e pode fazer diversos programas em uma noite. Por este motivo, é uma saída rápida e eficaz de situações financeiras problemáticas

A prostituição também pode constituir uma fuga de ambiente familiar ou social punitivo ou pouco reforçador. Gran-de parte das participantes pôde sair de casa, um ambiente por vezes coercitivo, somente após ingressar na profissão.

Reforço generalizado. é talvez o tipo mais freqüente de reforço na profissão. Foi relatado por todas as participantes. Skinner (1953/2000) descreveu alguns reforçadores generalizados sociais: atenção, aprovação, afeição, poder e símbolo, o qual inclui dinheiro. No caso específico da prostituição, com exceção do dinheiro, alguns destes reforçadores sociais são fornecidos com freqüência intermitente,

Reforçamento imediato. é provavelmente uma das contingências mais poderosas do comportamento de prostituir-se. O dinheiro é recebido imediatamente após a emissão do comportamento, e a atenção é fornecida ao longo da emissão do comportamento. Aprovação, afeição e poder também são imediatamente apresentados. Mesmo concorrendo com conseqüências aversivas, e neste caso, atrasadas e gradualmente intensificadas, o reforço imediato é mais poderoso no controle do comportamento. Desta forma, punições podem chegar a intensidades altas sem, no entanto, serem efetivas. Há também a liberação imediata de reforçadores na forma de bens, tais como presentes, passeios, jantares, viagens

Reforços primários. podem estar presentes em todas as relações da prostituta. Mesmo que tenha sido emparelhada a estímulos aversivos, a relação sexual pode ser reforçadora. Ao contrário do que se poderia considerar, a relação sexual não é reforçadora somente quando considerada como gratificante pelo indivíduo, ou mesmo quando resulta em orgasmo. Sexo é bom e é reforçador por razões filogenéticas comuns (Skinner, 1980). Apesar disso, ao ser freqüentemente associado a estímulos aversivos, pode perder seu efeito reforçador.

Esquiva de punição. Uma vez que a profissão resulta em punição para as prostitutas, elas emitem diversos comporta-mentos mantidos por fuga e/ou esquiva. Dentre eles, esconder a profissão da família, amigos e cônjuges; evitar relacionar-se amorosamente; evitar relacionar-se com homens em geral (fora do trabalho); abusar de substâncias (álcool e drogas) e desligar-se durante a relação sexual. Desta forma, uma série de punições que poderiam suprimir o comportamento são evitadas ou suavizadas, perdendo qualquer eficácia.

Comentários Finais

Diversos relatos (tais como arrependimento e vergonha ) podem ser discutidos quanto às condições em que foram expressos; considera-se a possibilidade de o pesquisador ter funcionado como estímulo discriminativo para relatos específicos. Tentou-se propiciar um ambiente com o menor número possível de variáveis estranhas, mas nunca seria possível eliminar todas. No entanto, não seria discutida a veracidade do relato das participantes, uma vez que este não é o papel do behaviorista; a discussão se deu acerca de por que o sujeito selecionou falar sobre este assunto e não sobre outro (Matos, 2004). O pesquisador pode ter adquirido a função de estímulo sinalizador de punição social ou de reforço. No entanto, o que deve ser levado em consideração é que a escolha destes relatos em detrimento de outros sugere a relação da prostituta com o meio social do qual o pesquisador faz parte.

É comum que nossa sociedade atribua, às ações de seus integrantes, causas internas, tais como caráter e moral . A própria língua portuguesa possui diversos termos mentalistas. Por este motivo, não é de se estranhar que circunstâncias internas sejam utilizadas para explicar o comporta-mento de prostituir-se, além de que outras características degradantes sejam atribuídas. Na linguagem popular, sempre é atribuída à prostituição a procura por dinheiro fácil e a falta de caráter e moral das prostitutas. Por equivalência, as prostitutas também acabam por ser descritas como criminosas e imorais.

Dentre as causas ambientais que apareceram nos relatos, está o dinheiro, comumente atribuído como motivo único para se engajar em tal profissão. No entanto, é muito raro um trabalhador que se mantém num emprego exclusivamente pelo dinheiro (Skinner, 1953/2000). Há diversos fatores envolvidos em um trabalho que também influenciam o comportamento do trabalhador.

Além disso, a prostituição significa uma saída imediata e eficaz para situações financeiras problemáticas, o que a torna imediatamente reforçadora. Esta é provavelmente a característica mais marcante da prostituição: o reforço é imediato.

Apesar de haver diversas conseqüências aversivas, estas são atrasadas, gradualmente introduzidas e provavelmente não intensas o suficiente, e por este motivo o comportamento não é suprimido. Quando em concorrência com estímulos reforçadores positivos e imediatos, estímulos aversivos atrasados perdem seu efeito.

Isto não significa que as punições envolvidas no comportamento de prostituir-se não possuam efeitos colaterais, significa apenas que estas não são suficientes para suprimir o comportamento. Dentre os efeitos colaterais destas condições, podem se citar padrões comportamentais de fuga e esquiva que restringem a vida da prostituta e padrões emocionais negativos, anteriormente discutidos.

Por este motivo, de nada adiantam as soluções policias coercitivas até então tomadas pelas agências governamentais. Se houver o interesse em modificar o comportamento, a partir da observação de que se prostituir é um comportamento emitido principalmente por esquiva, freqüentemente punido e que acarreta diversos efeitos colaterais indesejáveis advindos de punição, poder-se-ia encontrar uma forma de alterar as contingências de reforçamento e, se este suprimir ao menos momentaneamente, substituí-lo por meio de reforçamento positivo por outra atividade

RECORTE DA: Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

ARTIGO: Algumas contingências mantenedoras do comportamento de prostituir-se

AUTORA: Ana Carolina Vieira Fonai2; Maly Delitti

CeAC, PUC-SP

Referências

Alexander, P. (1996). Prostitution – a difficult issue for feminists. Em: Jackson, Stevi; Scott, Sue. (ed.) Feminism and sexuality – a reader . pp. 342-357. New York: Columbia University Press.

Ariente, M. A. (1989). Cotidiano da prostituta em São Paulo: estigma e contradição . Dissertação de mestrado, Programa de Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo – SP.

De Rose, J. C. (1999). O relato verbal segundo a perspectiva da análise do comportamento: contribuições conceituais e experimentais. Em: Banaco, R. A. (org) Sobre comportamento e cognição: aspectos teóricos, metodológicos e de formação em análise do comportamento e terapia cognitivista. São Paulo: Arbytes.

Gongora, M. A. N. & Silvares, E. F. M. (1998). Psicologia Clínica Comportamental: a inserção da entrevista com adultos e crianças. São Paulo: Edicon.

Matos, M. A. (2004). Obra de Skinner vai além do positivismo lógico. ABPMC Contexto . Campinas, 29, 5-6.

Moraes, I. N. (1998). Sexologia – sexo, sexualidade e sexualismo . São Paulo: Lejus.

Skinner, B. F. (1980). Notebooks B. F. Skinner [R. Epstein (Ed.)]. Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall inc.

Skinner, B. F. (2000). Ciência e comportamento humano . São Paulo: Martin Fontes. (texto original publicado em 1953).

Sidman, M. (2001). Coerção e suas implicações . São Paulo: Livro Pleno. (texto original publicado em 1989)





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