Emmanuel Zagury Tourinho
O Behaviorismo
Radical constitui uma abordagem em Psicologia estreitamente identificada com as
proposições de B. F. Skinner para uma ciência do comportamento. Falar de seu
surgimento implica considerar duas alternativas: por um lado, podemos tratar
dos primeiros textos de Skinner, nos quais encontramos tanto relatos de
pesquisas empíricas quanto ensaios teóricos; por outro, podemos analisar a
ocasião em que este autor distingue sua abordagem psicológica de todas as
demais então existentes. Embora consideremos as primeiras obras de Skinner como
importantes na construção de sua epistemologia, estaremos examinando o
surgimento do behaviorismo radical em termos da segunda alternativa enumerada.
Isto é, procuraremos, neste trabalho, analisar o artigo intitulado The Operational Analysis of
Psychological Terms (Skinner,
1945/1984a)***, onde Skinner pela primeira vez caracteriza
sua epistemologia como behaviorista radical, apontando os aspectos que a
distinguem de outras versões comportamentais em Psicologia. Para
realizar esta tarefa, recorreremos, também, a outras informações que facilitem
a compreensão do momento em que Terms foi escrito, bem como da importância
de seu conteúdo.
Terms foi elaborado para ser lido em um Simpósio sobre
Operacionismo, realizado em 1945. Deste evento participavam psicólogos que
então trabalhavam com investigação sobre o comportamento, mas a partir de uma
perspectiva que Skinner refutaria, denominando-a de behaviorismo (meramente)
"metodológico". No artigo, Skinner questiona alguns princípios desta
abordagem e apresenta, então, seu modelo behaviorista radical. No centro das
discussões, como o próprio título do Simpósio indica, estava a possibilidade de
chegar-se a uma psicologia efetivamente operacionista. Assim, iniciamos
levantando alguns aspectos relativos ao surgimento da doutrina operacionista e
suas influências na Psicologia.
Em 1928, Percy
Bridgman, um físico, publicou uma obra intitulada Logic of Modern Physics,
na qual eram apresentados, pela primeira vez, os princípios operacionistas da
ciência. Bridgman preocupava-se com o impacto provocado pela teoria da
relatividade de Einstein no meio científico da física. A fim de compreender por
que isso havia ocorrido, começou a estudar os hábitos de pensamento e expressão
na física que precedeu Einstein, particularmente na física de Newton. E
observou que Newton explicava conceitos como tempo, espaço e comprimento
(exatamente os conceitos sobre os quais a teoria de Einstein impunha uma
drástica revisão) a partir de supostas propriedades não disponíveis na
natureza, ou seja, explicava conceitos físicos em termos de propriedades sobre
as quais não indicava uma relação precisa com o próprio mundo físico. Bridgman considerava
que estes conceitos eram ambíguos e não se articulavam com o trabalho
científico dos físicos. Isto é, a atitude de Newton excluía a possibilidade de
que aqueles conceitos fossem reformulados com maior precisão a partir do
progresso que as pesquisas da Física pudessem alcançar no futuro. Insistir
neste tipo de conceito significava manter a Física como uma ciência
permanentemente sujeita a revoluções. Para Bridgman, a alternativa era formular
os conceitos da Física de uma forma que pudessem ser sistematicamente revistos,
à medida que as pesquisas fossem estabelecendo novos fatos. Isso seria possível
definindo-se os conceitos físicos em termos de eventos igualmente físicos -como
o fez Einstein, mesmo sem discutir o problema como levantado por Bridgman.
De um modo geral,
o que Bridgman postulava é que os conceitos não deveriam ser definidos em
termos de suas supostas propriedades, mas sim a partir do conjunto de operações relativas às circunstâncias em que são
empregados. Este procedimento eliminaria a possibilidade de explicação de
fenômenos através do recurso a conceitos por natureza não verificáveis
empiricamente. Bridgman exemplifica sua postura tratando do conceito de
comprimento.
"O que é que entendemos pelo comprimento de um objeto?
Sabemos, evidentemente, o que queremos dizer com comprimento se pudermos
indicar qual é o comprimento de todo e qualquer objeto; e, para o físico, nada
mais ( necessário. Para apurar o comprimento de um objeto temos de realizar
certas operações físicas. Portanto, o conceito de comprimento é fixado quando
se fixam as operações pelas quais o comprimento é medido; quer dizer, o
conceito de comprimento implica, nem mais nem menos, um conjunto de operações; o conceito é sinônimo do
conjunto correspondente de operações" (Bridgman, 1928, p.5, grifos
do autor).
Como indicam Day
(1969) e Moore (1981), as propostas de Bridgman tiveram grande repercussão
entre os psicólogos experimentais da época. Tanto Skinner, quanto seus colegas
na Universidade de Harvard, principalmente Boring e Stevens, foram fortemente
influenciados pelos argumentos daquele discurso.
Skinner teve
contato direto com a obra de Bridgman, pouco tempo após sua publicação. Em um
artigo publicado em 1931 (mas escrito em 1930), ele já se referia a Bridgman e
procurava aplicar os princípios operacionistas em uma análise do conceito de
reflexo (Skinner, 1931/1961). Mais tarde, em 1945, ele afirmaria que seu artigo
de 1931 trilha sido não só a primeira publicação psicológica a apresentar uma
referência a Bridgman, como também a "primeira análise explicitamente
operacio-na1 de um conceito psicológico" (Skinner, 1945/1984a, p.551). A
despeito deste fato, um outro tipo de operacionismo surgiu na psicologia,
através de outros behavioristas de Harvard. Este outro modelo (como se deduz de
um relato de Boring, 1950), contudo, já surgiu comprometido com outros
princípios que nada tinham diretamente a ver com as proposições originais de
Bridgman.
Boring (1950)
relata que o primeiro contato dos psicólogos de Harvard com o trabalho de
Bridgman ocorreu em 1930, através de Herbert Feigl, um positivista lógico,
membro do Círculo de Viena. Este fato teria tido uma implicação séria no tipo
de operacionismo a ser desenvolvido por psicólogos como o próprio Boring,
Stevens e até Spence (Moore, 1981). Estes, ao interpretarem a obra de Bridgman,
teriam atribuído uma ênfase exagerada à questão da objetividade e chegado,
assim, a uma ciência dos fenômenos publicamente observáveis, fundamentada num
critério de verdade por consenso público. Segundo Day (1969), Stevens viria a
tomar-se o líder deste grupo, tendo publicado, em 1939, um artigo que
sumarizava sua postura acerca dos problemas levantados pelos operacionistas.
Neste trabalho, o problema do comportamento verbal do cientista é abordado a partir
da perspectiva de uma teoria de referência do significado. De acordo com esta
teoria, a linguagem deve ser explicada em termos de um conjunto de proposições
simbólicas, descritivas de conteúdos da consciência. Para efeito de tratamento
científico, deve-se identificar os elementos deste conjunto com operações
mensuráveis, a respeito das quais possa haver concordância pública. Na opinião
de Moore, esta posição.
".., admitia a possibilidade de uma linguagem privada. Isto
é, ao assumir que a linguagem era uma atividade simbólica, eles assumiam que
havia entidades (tais) como significados subjetivos privados que possuíam uma
existência independente. (...)... esta posição implica na existência de algum
sistema não comportamental que, com efeito, é responsável pela linguagem, Ela
implica em que as pessoas sejam automaticamente capazes de descrever elementos
de sua própria experiência privada - e que a linguagem seja essencialmente
descritiva de manipulações lógicas destes elementos. Quando seguida a este
extremo, esta posição impõe um dualismo pernicioso e um agente controlador
interno ..." (1981, p.58).
Boring (1950)
refere-se àquele artigo de Stevens como "o manual da nova
’psico-lógica’" (p.657). E é exatamente nesta linha que o behaviorismo de
Boring, Stevens, e Spence irá desenvolver-se nas décadas de 30 e 40. No intuito
de enfrentar os problemas da psicologia mentalista, estes autores desenvolvem
um operacionismo bastante influenciado pelo positivismo lógico da época e que
acabará desembocando numa postura com implicações igualmente mentalistas e
dualistas em Psicologia. É contra este tipo de operacionismo que Skinner se
levantará em seu artigo The
Operational Analysis of Psychological Terms (ao qual estaremos nos referindo
denominado-o de Terms,
como o fazem alguns autores que o comentaram recentemente).
Terms trata basicamente de três questões: a
natureza dos eventos privados, o problema do critério de verdade por
concordância pública e os processos através dos quais um indivíduo passa a
relatar eventos que lhe ocorrem de forma privada.
Sobre a natureza
dos eventos privados, Skinner é enfático ao negar-lhes qualquer status distinto
daqueles dos eventos públicos. Para ele, o que ocorre de forma privada a um
indivíduo é tão físico quanto comportamentos publicamente observáveis. São
eventos pertencentes a um mesmo sistema de dimensões que os eventos
publicamente reconhecidos como físicos.
"... a minha dor de dente é
simplesmente tão física quanto minha máquina de escrever, embora não (seja)
pública..." (Skinner, 1945/1984a, p.552).
B.F. Skinner |
Esta posição tem uma implicação
fundamental que é a eliminação de uma perspectiva dualista no estudo do
comportamento humano. Ela implica uma visão monista de homem que não seda
compartilhada pelos behavioristas metodológicos. Estes últimos (representados
por Boring e Stevens), embora concordassem em tomar a Psicologia como ciência
do comportamento, admitiam que o mundo está dividido entre eventos públicos
(físicos) e eventos privados (de outra natureza), devendo a Psicologia
confinar-se aos primeiros afim de estabelecer-se como ciência. Este último
aspecto já diz respeito à questão do critério de verdade por consenso público.
Vejamos o que ela implica para o behaviorismo metodológico e como será tratada
pelo behaviorismo radical.
A necessidade de
distinguir os eventos entre públicos e privados não é gratuita para o
behaviorismo metodológico. Segundo Skinner, por trás desta distinção
encontramos uma forte preocupação de ordem epistemológica. Aquela abordagem
repousaria na crença de que um estudo só pode ser tomado como científico
enquanto tratar de fenômenos acessíveis a dois ou mais observadores. Já para o
behaviorismo radical, o problema da concordância pública deve ser tomado como
secundário, em favor de um critério mais pragmático e de coerência interna do
sistema teórico.
"A distinção público-privado enfatiza a filosofia árida da
’verdade por consenso’. O público, na verdade, acaba sendo simplesmente aquilo
sobre o que se pode concordar porque é comum a dois ou mais concordantes. Isso
não é uma parte essencial do operacionismo; ao contrário, operacionismo nos
permite dispensar esta solução demais insatisfatória do problema da verdade.
(...) O critério último para a boa qualidade de um conceito não é se duas
pessoas entram em acordo, mas se o cientista que usa o conceito pode operar com
sucesso sobre seu material - sozinho, se precisar. O que importa para o Robison
Crusoé não é se ele está concordando consigo mesmo, mas se ele está chegando a
algum lugar com seu controle sobre a natureza" (Skinner, 1945/1984a,
p.552).
Resumindo estas
duas questões, o behaviorismo radical trata dos eventos privados como eventos
físicos (enquanto os behavioristas metodológicos tendem a atribuir-lhes uma
outra natureza) e acredita ser tarefa da Psicologia tratar destes eventos;
mesmo que de forma inferencial (enquanto os behavioristas metodológicos
insistem no princípio de verdade por consenso público).
A terceira e
principal questão tratada naquele artigo de Skinner é um pouco n1a$ complexa e
diz respeito aos processos através dos quais um indivíduo se toma capaz de
relatar seus próprios eventos privados. Para tratar deste assunto, Skinner mia
examinando o problema de respostas verbais a eventos públicos. E um ponto que
se coloca de forma importante para ele é como explicar o comportamento verbal
do cientista.
Na perspectiva de
Skinner, termos como conteúdo, significado ou referente devem ser desprezados,
pelo menos enquanto propriedades de respostas verbais. Estes termos só fariam
sentido enquanto especificações das contingências sob controle das quais uma
dada resposta verbal ocorre. Isto é, deve-se lidar com os termos verbais na
forma como são observados, qual seja, como respostas verbais. Dessa forma,
precisamos compreendê-los no contexto de uma análise funcional.
O princípio geral
da análise funcional que Skinner postula para o tratamento das respostas
verbais pode ser entendido sem dificuldades. O que acontece é que uma
comunidade verbal ensina o indivíduo a emitir uma dada resposta verbal (a
"expressar um termo") provendo estímulos reforçadores quando esta
resposta ocorre na presença de um dado estímulo discriminativo (da
"coisa" para a qual o termo será tornado como "referente").
O indivíduo, então, aprende a dizer "cadeira" na presença de uma
cadeira ou objeto similar, não por uma questão de "apreensão do
significado" de cadeira, mas porque esta resposta, na presença de cadeira,
tem uma história de reforçamento provido pela comunidade verbal.
A abordagem
Skinneriana pretende eliminar a necessidade de recorrência a explicações
linguísticas ou filosóficas para que se compreendam as bases do discurso
verbal. Como, para Skinner, cada resposta verbal deve ser entendida enquanto
funcionalmente relacionada a um conjunto de estímulos que tomem sua ocorrência
(mais) provável, o comportamento verbal constitui-se num problema a ser tratado
pela Psicologia e não por outras disciplinas.
Neste ponto, vale
à pena fazer um parêntese para acrescentar que esta questão da relação
funcional entre termos e estímulos que aumentam sua probabilidade de ocorrência
será tratada de forma mais sistemática no livro Verbal Behavior (Skinner, 1957/1978), onde aparece sob
a classe de operantes verbais denominados "tatos".
"O tato surge como o mais importante operante
verbal, por causa do controle incomparável exercido pelo estímulo anterior.
Este controle é estabelecido pela comunidade reforçadora (...) No tato (...)
estabelecemos uma relação excepcional com um estímulo discriminativo. . Fazemos
isso reforçando a resposta tão consistentemente quanto . possível na presença
de um estímulo, com muitos reforçadores diferentes ou com um reforçador
generalizado. O controle resultante é feito por meio do estímulo. Uma dada
resposta ‘específica’ uma dada propriedade-estímulo. Isto é a ‘referência’ da teoria
semântica. . (Skinner, 1957/1978, p.109, grifo do autor).
Quando Terms foi escrito, as diversas classes de
operantes verbais ainda não haviam sido (pelo menos publicamente) formuladas
por Skinner. O que viria a ser chamado de "tato", porém, já era
claramente delineado neste artigo. Além disso, as formulações acerca do papel da
comunidade verbal na instalação de repertórios verbais dos indivíduos e do
estímulo discriminativo no controle do tato são claramente . ali explicitadas.
E isto ocorre, fundamentalmente, quando Skinner começa a tratar da privacidade,
no que acredita residir a grande contribuição de seu artigo. "Substitua ‘cadeira’
por ‘dor’ e chega-se ao problema de ’a definição operacional de
um termo psicológico’ " (Skinner, 1945/1984b, p.573, grifos do autor.)
Vejamos como este problema é examinado.
Admitindo-se que
um indivíduo seja ensinado a emitir uma certa resposta verbal (a verbalizar um
certo termo) através do reforçamento provido pela comunidade verbal quando esta
resposta ocorre na presença de um dado estimulo discriminativo (da "coisa
referente"), como tratar daquelas respostas cujos estímulos
discriminativos só estão acessíveis ao próprio indivíduo, e não à comunidade
verbal que deve ensiná-lo a emitir a resposta "correta" naquela
circunstância? Aí reside todo o problema a ser enfrentado pelo behaviorismo no
tratamento da privacidade. A proposta de Skinner para uma análise funcional das
respostas verbais na presença de estímulos discriminativos parte do princípio
de que estes últimos estejam acessíveis tanto ao indivíduo que emite a resposta
quanto a comunidade que o ensina a emití-la, e isso não é possível no caso de
estímulos discriminativos privados. Como, então, o indivíduo aprende a relatar
aqueles eventos aos quais só ele próprio tem acesso?
Skinner enumera
quatro estratégias através das quais a comunidade verbal procura ensinar
respostas verbais a estímulos privados, a partir da inferência de ocorrência
destes últimos, já que o acesso direto não é possível. No primeiro caso, a
comunidade utiliza-se de estímulos públicos associados ao estimulo privado para
reforçar a resposta do sujeito. É o que ocorre, por exemplo, quando se ensina a
res. posta verbal à estimulação tátil de um objeto, tendo-se acesso à
estimulação visual deste mesmo objeto. Para o indivíduo que emite a resposta
verbal, a estimulação que adquire o controle da resposta é privada (tátil), mas
quem lhe ensina a resposta o faz com base em um outro estimulo público
associado (a estimulação visual do objeto).
Uma segunda
estratégia consiste no reforçamento da resposta verbal ao estímulo privado na presença
de outras respostas colaterais públicas não verbais (geralmente
incondicionadas) àquela mesma estimulação. Neste caso, temos o exemplo do
indivíduo que relata uma dor de dente, ao mesmo tempo em que põe uma mão na
mandíbula ou geme. A partir da resposta colateral, a comunidade infere uma
certa estimulação privada ao indivíduo e reforça sua resposta verbal.
A terceira
possibilidade diz respeito à situação em que o indivíduo descreve seu próprio
comportamento. Quando se trata de um comportamento aberto, a comunidade pode
reforçar a resposta verbal com base na observação deste comportamento, enquanto
para o indivíduo os estímulos proprioceptivos envolvidos naquele comportamento
podem também adquirir o controle da resposta. Quando se trata de um comportamento
que era público e retrocedeu ao nível encoberto, entretanto, há três
possibilidades: o relato (do comportamento agora encoberto) pode ser reforçado
com base numa resposta aberta tomada como acompanhamento daquela resposta
encoberta, o que se assemelha à segunda estratégia enumerada; a resposta
encoberta pode ser similar (embora menos intensa) à resposta aberta e assim
prover um mesmo estímulo público, embora de forma enfraquecida; e a resposta
pode não ter sempre um acompanhamento público, mas ser reforçada ocasionalmente
quando a mesma estimulação ocorre com manifestações públicas. Estas três
possibilidades caracterizam as alternativas de que a comunidade verbal dispõe
para reforçar respostas au-w-descritivas, mesmo quando o comportamento descrito
retrocedeu ao nível encoberto.
Uma quarta e
última estratégia diz respeito à generalização de estímulos. Uma resposta pode
ser adquirida em conexão com um estímulo público e posteriormente ser emitida
em conexão com uma estimulação privada, com base em propriedades coincidentes.
Um exemplo disso, é descrever unta estimulação privada como "agitada"
ou "ebuliente". É o que Skinner mais tarde (1957/1978) chamará de
tato metafórico.
Uma primeira
constatação que estas estratégicas suscitam é que a comunidade verbal não
precisa ter necessariamente aquele acesso direto aos eventos privados de um
indivíduo para que possa ensiná-lo a descrevê-los. De fato, este acesso não é
estritamente necessário. Por outro lado, como fica bastante claro, nenhuma das
estratégias citadas é suficiente para prover a instalação de um repertório
verbal preciso a respeito dos estímulos privados. Nenhuma delas pode ser
eximida da possibilidade de erro/imprecisão ou de limitação na sua aplicação.
Isso significa dizer que o indivíduo não pode "claramente conhecer-se, no
sentido em que conhecimento identifica-se com comportar-se
discriminativamente" (Skinner, 1945/1984a, pp. 549-550). Não
fica difícil, então, compreender por que nunca se chegou a um vocabulário
estável, acerca dos eventos privados, que tivesse um uso razoavelmente uniforme
por parte dos membros de uma comunidade verbal.
Uma outra
observação importante sobre aquelas estratégias diz respeito ao fato de que, ao
descrevê-las, Skinner consegue demonstrar que sua proposta de uma análise
funcional para o tratamento de episódios verbais não só permite que se trate
dos chamados termos psicológicos fiem necessidade de recorrência a conceitos
como "significado" ou "conteúdo consciente", como também
constitui o caminho adequado para a abordagem do problema privacidade numa
perspectiva coerente com sua teoria do comportamento (indo além das tradições
behavioristas metodológicas). Por outro lado, Skinner não oferece, naquele
artigo, elementos adicionais em termos do tipo de pesquisa a ser desenvolvido
nesta área. Este último aspecto pode ser tomado como bastante relevante se
considerarmos que Skinner (em um artigo posterior, 1963/1984c) conceberá o
behaviorismo radical como uma filosofia do comportamento que trata dos métodos
e do objeto de estudo da Psicologia. De qualquer maneira, este problema parece
exigir um exame do desenvolvimento posterior do behaviorismo de Skinner em
termos de pesquisa sobre o comportamento humano complexo. Esta questão será
retomada, mais adiante, com a apresentação de outros aspectos do problema.
Ainda no Terms, Skinner aborda
diretamente o problema da consciência, u1n dos mais freqüentes quando se fala
de vida privada. Diz ele que estar consciente é reagir ao próprio comportamento
de forma verbal. Assim, um indivíduo que está consciente é um indivíduo capaz
de descrever seu próprio comportamento. Como esta descrição só se torna
possível a partir de contingências arranjadas pela comunidade verbal, desta
proposição resulta uma concepção de consciência como produto social.
"...
é somente porque o comportamento do indivíduo é importante para a sociedade que
a sociedade, toma-o, então, importante para o indivíduo. Alguém torna-se
consciente do que está fazendo somente após a sociedade ter reforçado respostas
verbais com respeito ao seu comportamento como a fonte de estímulos
discriminativos" (Skinner, 1945/1984a, p.551).
A consciência,
então, deve ser abordada enquanto uma questão de descrição do próprio
comportamento, ou melhor, enquanto uma questão de instalação de um adequado
repertório verbal descritivo do próprio comportamento. Este tipo de tratamento
tem uma implicação que Skinner chega a considerar irônica: é o desenvolvimento
de um vocabulário mais efetivo. para a análise do comportamento que pode
aumentar as possibilidades de um indivíduo tornar-se efetivamente consciente.
De um modo geral,
estas são as idéias principais contidas no artigo de Skinner de 1945. Este
texto foi comentado recentemente por vários autores. Destacaremos, a seguir,
três questões importantes levantadas nestes comentados e as respectivas
respostas de Skinner aos comentadores.
Uma primeira
observação diz respeito à importância histórica do artigo, assinalada por
vários autores (Brinker e Jaynes, 1984; Lowe, 1984; Meehl, 1984; Moore, 1984;
Ringen, 1984 e Zuriff, 1984). Nestes casos, adjetivos como
"brilhante" ou "significativo" não são nada escassos na
caracterização do trabalho. Todos são unânimes ao considerar Terms como um marco no desenvolvimento da
epistemologia behaviorista radical. Esta constatação pode parecer irrelevante, em princípio. Entretanto ,
quando consideramos que Skinner responde àqueles comentados sem acusar nenhum
exagero na caracterização de seu artigo, podemos concluir que ele próprio
concebe as proposições ali presentes como aquilo que distingue sua
epistemologia psicológica. Esta constatação, aliás, é confirmada em outras
obras do próprio Skinner (por exemplo, Skinner, 1974/1982).
Uma segunda
questão é que vários daqueles comentadores (Brinker e Jaynes, 1984; Lowe, 1984;
Moore, 1984; e Ringen, 1984) destacam que, a despeito da importância do artigo,
os princípios ali presentes nunca chegaram a ser aplicados a um programa de
investigações acerca do comportamento humano. Brinker e Jaynes, por exemplo,
afirmam que muitas das criticas hoje enfrentadas pelo behaviorismo ocorrem
exatamente porque as proposições contidas no Terms...
nunca culminaram no programa prometido de pesquisa em comportamento humano que
demonstraria as diferenças entre o velho e o novo operacionismo" (1984,
p.554). Respondendo a esta questão, Skinner é absolutamente explícito ao
concordar com a demanda de seus comentadores. Ele chega, inclusive, a juntar-se
a Lowe "... ao exigir o próximo passo: pesquisa sobre auto-conhecimento e
auto-gerenciamento e seus possíveis efeitos no comportamento humano em geral’’
(Skinner, 1984b, p.576).
A terceira e
última observação nesta linha de comentários, também relacionada à questão
anterior, diz respeito ao tipo de leitura provida pelo artigo de Skinner.
Alguns autores (Terrace, 1984; e Stalker e Ziff, 1984) argumentam que o artigo
de Skinner distingue-se pelo fato de ser um material filosófico. Skinner
responde afirmando que seu texto não é filosofia, mas interpretação. E define
interpretação como a aplicação de princípios cientificamente comprovados como
efetivos (na investigação de fenômenos menos complexos) a assuntos mais
complexos, sobre os quais o conhech1Rnto existente não é suficiente para tomar
a previsão e o controle possíveis. Em principio, podemos tomar esta resposta como
bastante plausível. Entretanto, se Skinner reconhece seu artigo como uma interpretação acerca do comportamento humano,
podemos questionar em que medida ele poderia subsidiar pesquisas na área Isto
é, não fica claro, em nenhum momento, como este caráter interpretativo pode ser
conciliado com uma demanda explícita por pesquisa empírica sobre fenômenos
relativos ao comportamento humano complexo.
Com base no
exposto acima, concluímos destacando dois pontos importantes:
1. Por um lado, podemos afirmar que o behaviorismo
radical de Skinner constituiu sua identidade (no sentido de distinguir-se das
demais abordagens psicológicas então existentes) através do reconhecimento da
vida interna dos indivíduos e da proposição de uma perspectiva científica para
o tratamento de fenômenos a ela relacionados. Um aspecto interessante, a este
respeito, é que ainda hoje o behaviorismo de Skinner é acusado de ignorar a
vida mental. Em 1974, quase trinta anos após a publicação de Terms, Skinner contestou
este tipo de crítica (Skinner, 1974/1982) repetindo muito do que afirmara em
1945. No entanto, tanto em 1974 quanto atualmente, a opinião corrente no meio
acadêmico da Psicologia indica o mesmo tipo de problema, a despeito do que
Skinner vem afirmando desde 1945.
2. Por outro lado, é importante notar que, ao
reconhecer a vida interna dos indivíduos, Skinner o faz por razões de ordem
epistemológica, e não por compartilhar uma tendência histórica de construção da
Psicologia como uma ciência da vida mental. O rato de que seu artigo . de 1945 não
tenha dado origem à pesquisas na área do comportamento humano complexo deve,
então, ser investigado (afora outras possíveis razões) em termos dos diversos
pressupostos que compõem a epistemologia behaviorista radical. E isto implica
ir muito além dos aspectos operacionistas desta abordagem. Neste ponto,
concordamos com Boring (1950), quando afirma que o operacionismo não é uma
escola psicológica, mas apenas um principio. Ao tratar, pela primeira vez, dos
eventos privados, Skinner discutia os elementos operacionistas de sua ciência
que, na verdade, é muito mais do que meramente operacionista. O passo seguinte
nesta tinha de análise deve ser, então, o de tentar compreender o não
desenvolvimento de pesquisas na área citada, a partir de uma consideração mais
abrangente dos diversos princípios (operacionistas ou não) que compõem a
abordagem Skinneriana. É o que pretendemos desenvolver num próximo trabalho.
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*
Artigo publicado
originalmente na revista PSICOLOGIA,
Novembro de 1987, Ano 13, número 3. Este artigo fez parte dos trabalhos que
foram desenvolvidos pelo autor a nível de Mestrado, sob orientação do Professor
Sérgio Vasconcellos de Luna.