HÉLIO JOSÉ
GUILHARDI PATRÍCIA B. P. DE
S. QUEIROZ
Instituto de Terapia por Contingências de
Reforçamento
- Quanta bromélia
junta! Formam um canteiro natural sobre a rocha.
- Olhe essa
teia de aranha entre as folhas...
- Nem a tinha
notado... Interessante: olhei e não a vi... Faltou alguma contingência para me fazer
vê-la.
- Minha frase
criou a contingência. Agora você a vê.
- Assim, no
dia a dia, fica claro como
o comportamento - de ver no caso - é controlado.
- Os
cognitivistas diriam que você não “prestou atenção”, por isso não viu a teia.
- Nesse caso,
“prestar atenção” antecederia ver? Seria um pré-requisito?
- Para os cognitivistas
sim. No entanto,
“prestar atenção” não é causa
de ver.
As contingências me levam
a notar aspectos do meio, a “prestar atenção” em detalhes como a teia. Nesse sentido “prestar atenção”, definida como olhar para algo (teia) e nomeá-lo (“teia
de aranha”) é comportamento.
- Mas, então,
qual foi a contingência para eu ter notado as bromélias já que ninguém
“chamou minha
atenção” para eu vê-las?
- Neste caso,
a contingência está na sua história de vida. Em algum momento, alguém lhe mostrou
uma determinada planta (SD ) e lhe disse “Isto é uma bromélia” (SD verbal
com função de modelo para nomeação). A partir
daí, quando você diante de uma bromélia verbalizou “bromélia” (R verbal), sua comunidade verbal a consequenciou com algum tipo
de reforço positivo (“Muito bem”, “Isso
mesmo”, “Vê como
as bromélias são lindas?”, etc.).
- Mas, se
aprendi em casa o que é uma bromélia, como
a reconheço nas rochas?
- Se o treino
discriminativo foi repetido com diferentes tipos de bromélias, em diferentes
circunstâncias, você, provavelmente, formou o “conceito bromélia”. Isto é,
passou a ser capaz de dizer “bromélia” para muitos tipos diferentes de plantas, todas bromélias:
generalizou dentro da classe de estímulos (bromélias grandes ou pequenas, floridas ou sem flores , ao
vivo ou em fotos, etc.). Simultaneamente, discriminou entre classes de
estímulos (não diz “bromélia” diante de uma avenca, ou de uma samambaia, etc.). Tendo formado o “conceito bromélia”,
portanto, você está habilitada a identificá-la (uma vegetal bromélia tem função
de SD para você) e a nomeá-la em qualquer
ambiente.
- Se esse
treino ocorreu no passado, onde ficou armazenado para eu usá-lo no presente?
- A idéia de
“armazenamento” é cognitivista.
Aquilo que foi
aprendido não fica “guardado” em
nenhum arquivo psicológico, de onde é retirado quando necessário.
- Mas, eu nem estava pensando
em bromélias e quando
as vi imediatamente
as reconheci.
- O “conceito
bromélia” está no organismo. Tudo que é aprendido (passou pela condição indispensável
de ter sido exposto a uma contingência de reforçamento) passa a fazer parte do organismo.
Assim, organismo é o conjunto formado pelo equipamento
biológico e pelo repertório de comportamentos adquiridos.
- Entendo. Uma
pessoa que nunca aprendeu o que é “bromélia” não poderia nomeá-la, mesmo a tendo
diante dos olhos.
Não teria pré-requisitos
para vê-la. O
que não entendo, então é, o papel dos olhos? Eu
não vejo com os meus olhos?
- É uma questão
interessante. A resposta
é não. Os
olhos, enquanto equipamento biológico, são um pré-requisito para
o comportamento de “ver”, mas não bastam para ver. O que faz um organismo ver, através
ou com os olhos, são as contingências que produzem uma discriminação visual.
- Como assim?
- Suponha que você
olhe para uma
lâmina com sangue
através das lentes
de um microscópio antes de uma aula prática sobre
células sanguíneas. Embora, os diferentes tipos de células sanguíneas estejam lá
você não conseguirá distingui-las. Após a aula, em que lhe
foram ensinados os conceitos
de eritrócitos, eosinófilos, basófilos, plaquetas, etc. você “verá” os diferentes
tipos de células. Foram as contingências
(produzidas pela aula) que lhe ensinaram a ver aquilo que você não via antes de
ter os conceitos, embora as células estivessem o tempo todo diante de seus olhos.
Assim, são necessários os olhos (parte do organismo) e as contingências ambientais
para ocorrer o comportamento de ver.
- Acho que entendi.
Preciso pensar mais sobre isso... Mas, se fui ensinada a ter o “conceito” de “bromélia”,
ou seja, se sou, digamos, “um organismo bromeliado”, por que não fico dizendo
“bromélia” o tempo todo?
- Porque o
“conceito bromélia” está no
organismo e também
nas contingências ambientais. O “organismo bromeliado” , como você disse (aquele
que incorporou o conceito de bromélia em função de sua história de vida) está apto
para nomeá-la, mas precisa ser exposto a contingências
que evoquem, num determinado
momento ou contexto, a resposta verbal para, de fato, nomeá-la.
Assim, poderia ser a visão de uma bromélia (SD
), a minha presença (um ouvinte com
função de SD e com provável
função de Sr ) como aconteceu no episódio. Poderia ter sido outra
contingência, por exemplo, alguém perguntar “O que é uma bromélia?”, “Quem viu
uma bromélia?", etc.
- Mas, houve um
momento no nosso percurso em que sem ter visto nenhuma bromélia eu “pensei”
nela.
- Pensou em
quê exatamente?
- Pensei que
nestas montanhas, bem que poderíamos encontrar bromélias...
- Seu pensamento
estava, neste exemplo, sob controle do ambiente físico: um local onde há certa probabilidade
de existirem bromélias. (É pouco provável que você pensasse em bromélias no meio
do oceano, por ex.,
exceto sob circunstâncias
arbitrárias especiais, como ouvir alguém
dizendo “Estou com vontade de comer abacaxi..."). É um exemplo de generalização
de estímulos. A probabilidade
de pensar em
bromélia depende da força
da resposta: contingências sob as quais o
comportamento foi instalado e o grau de semelhança entre os estímulos
presentes e aqueles sob os quais a resposta foi condicionada.
- Você tem razão...
Eu já havia visto bromélias em uma região semelhante a esta numa outra viagem que
fiz. Agora, o que me chamou a atenção na sua explicação foi que você tratou o meu
pensamento como
se fosse um outro comportamento qualquer.
- Exato. Pensar
é comportar-se. O pensamento é comportamento, sujeito às mesmas leis que qualquer
outro comportamento. Sua única particularidade é o acesso para observá- lo. Como se trata de um comportamento privado, sua observação só é acessível
à própria pessoa que se comporta (pensa): você no caso.
- Ainda uma
coisa me deixa
em dúvida... Quando você me
perguntou em que
exatamente eu havia pensado, dei-lhe uma resposta, mas não foi tudo. De fato, pensei
que queria encontrar uma bromélia mas ,além disso, eu “vi” a bromélia que gostaria
de encontrar. Posso até descrevê-la para você. Mas, como posso “ter visto” uma planta, com sua
flor vermelha, se ela não estava ali?
- Quando você
diz que “viu” alguma coisa, e neste caso você viu uma planta que não estava presente,
está se referindo a uma outra classe de comportamentos encobertos, que não exatamente
pensar. Usualmente, emprega-se nestes casos
o verbo imaginar. Ou seja, você imaginou que estava vendo uma planta (é como se você estivesse vendo
uma imagem). A concepção
de ver uma
imagem é também
dualista: é como se existisse um objeto e uma cópia dele e em circunstâncias
especiais nós vemos a cópia, a imagem. Um resquício da concepção religiosa de corpo-alma,
que por sua vez se baseia na filosofia platônica do mundo das sensações e das
idéias...
- Como explicar, então, que eu “vi” a bromélia florida ?
- A explicação
seria a mesma usada para explicar o comportamento de pensar, como foi feito acima, mas agora aplicado a outra
classe de comportamento: “ver na ausência do objeto visto”. Assim, é necessário
um SD ambiental, no caso região montanhosa,
onde bromélias podem ser encontradas. Uma história passada em que existiram
contingências que lhe ensinaram a discriminar (visualmente) uma bromélia, a ter
um conceito visual de bromélia,
ou, mais específico
ainda, de bromélias
com flores vermelhas e ainda
lhe ensinaram que bromélias
crescem e florescem
em regiões montanhosas parecidas com a que você
está escalando. Sem essa história de
contingências e sem o controle de estímulo ambiental você não “veria” bromélias.
A bromélia que você “viu” não está no mundo platônico das idéias, está na relação
entre seu organismo e o aspecto funcional do ambiente; está nas contingências passadas
e atuais.