José Antônio
Damásio Abib
Universidade
Federal de São Carlos
É como
crítica não só ao representacionismo na epistemologia e na filosofia da
linguagem, mas também a metanarrativas modernas, referentes ao progresso
científico, político, social e cultural do Ocidente, que o discurso pós-moderno
e a cultura pós-filosófica apresentam-se como possibilidades seja de
desconstruir o discurso moderno, seja de diminuir sua importância no cenário
intelectual contemporâneo (Lyotard, 1984, 1986/1989; Murphy, 1990; Rorty, 1980,
1985).
O
behaviorismo radical apresenta notáveis analogias com essa crítica, porque,
como defesa do anti-representacionismo na epistemologia e na linguagem (Abib,
1994a;Skinner, 1957, 1974) e também como crítica às metanarrativas do progresso
do Ocidente (Skinner, 1953; 1986; 1990), ele já anunciava na psicologia os
temas candentes desse discurso e dessa cultura; e com a ascensão recente dessa
cultura e desse
discurso é inegável o estímulo para revisitá-lo e destacar sua importância.
Porque, de um lado, essa crítica alcançou a psicologia e, de outro lado, as
propostas de psicologia pós-moderna e
pós-filosófica são altamente programáticas (Chaiklin, 1992; Gergen, 1992;
Kvale, 1992; Michael, 1992; Polkinghorne, 1992; Richer, 1992; Shotter, 1992;
Young, 1992). Pelas semelhanças que apresenta com os temas do discurso
pós-moderno, o behaviorismo radical tem condições de com ele dialogar
produtivamente e pode apresentar-se como alternativa menos programática para
traçar diretrizes de uma psicologia pós-moderna e pós-filosófica.
Apesar das
críticas a que os conceitos de pós-modernidade, pós-modernismo e discurso
pós-moderno vêm sendo submetidos (Chaiklin, 1992; Habermas, 1981; Jameson,
1984; Madsen, 1992), a defesa do anti-representacionismo na epistemologia já
encontrava seu lugar não só no pragmatismo filosófico norte-americano, com a
refutação feita por Dewey da teoria contemplativa do conhecimento, (Rorty,
1990/1993); mas também na filosofia da linguagem, com a dissolução que
Wittgenstein (1953/1988) fez de sua própria teoria pictórica (picture theory)
da linguagem - uma tendência na filosofia da linguagem que, mais recentemente,
encontra sua expressão no neopragmatismo, com Davidson (Rorty, 1990/1993).
O discurso
pós-moderno resgata e organiza esses temas, bem como reconhece os locais de
suas inserções originais. E independentemente do destino desse discurso, os
locais de onde retira inspiração para suas reflexões são suficientemente
relevantes para orientar ponderações sobre a psicologia, especialmente no caso
da psicologia do comportamento fundamentada no behaviorismo radical - uma
filosofia da ciência e da mente solidária com o pragmatismo filosófico (Zuriff,
1985).
Com o
objetivo de mostrar as relações entre o discurso pós-moderno e o behaviorismo
radical, abre-se esse texto com uma breve apresentação da crítica pós-moderna
não só ao representacionismo na epistemologica e na filosofia da linguagem, mas
também às metanarrativas do discurso moderno. A seguir os temas do discurso
pós-moderno são retomados no behaviorismo radical com o propósito de
fundamentar a alegação dos notáveis parentescos entre esses dois estilos de
discurso.
Discursos
Moderno e Pós-Moderno
Da
perspectiva filosófica, o discurso moderno pode ser descrito como defesa do
fundacionismo na epistemologia e do representacionismo na filosofia da
linguagem, e o discurso pós-moderno como defesa do holismo na epistemologia e
da teoria do significado como uso na filosofia da linguagem (Murphy, 1990).
Para se referir a essa virada (turn) no pensamento filosófico, Rorty (1980)
recorre aos conceitos de cultura filosófica e pós-filosófica, onde o primeiro
significa fundacionismo na epistemologia e filosofia "impura" da
linguagem, e o segundo, behaviorismo epistemológico e filosofia
"pura" da linguagem.
Fundacionismo
na epistemologia significa que o conhecimento representa a realidade, no
sentido de que a mente constrói representações do mundo externo. Desse ponto de
vista, argumenta-se que os seres humanos têm acesso privilegiado à mente e por
isso são capazes de compreender como ela funciona na elaboração de idéias indubitáveis
e verdadeiras sobre a realidade - idéias que representam o que existe fora
delas bem ali no mundo externo. A filosofia "impura" da linguagem é
uma versão mais recente do fundacionismo epistemológico, no sentido de que se o
trabalho representacional da mente não for capaz de justificar o conhecimento
certo e verdadeiro, as palavras podem fazê-lo de acordo com a teoria
referencial do significado.
A filosofia
"pura" da linguagem não tem qualquer compromisso com essa nova versão
do fundacionismo na epistemologia, o que significa dizer que a teoria
referencial do significado é substituída pela teoria do significado como uso no
sentido de Wittgenstein (1953/1988). De acordo com Wittgenstein, "a
palavra 'significado' é usada ilicitamente se o for para significar a coisa que
'corresponde' à palavra" (§ 40). E mais, não há nada na mente que possa
constituir significados, porque os significados de palavras relacionam-se com o
seu uso na linguagem (Wittgenstein, 1953/1988, 1958/1989). Segundo Hanfling
(1989), o conceito de linguagem de Wittgenstein não se refere a uma realidade
subjacente que seja independente de práticas e necessidades humanas.
Wittgenstein (1953/1988) entende que linguagem significa diversidade de
linguagens ou jogos de linguagem, que se constituem como "novos tipos de
linguagem, novos jogos de linguagem" (§ 23). O conceito de jogo de
linguagem destaca o ato de falar uma linguagem como parte de uma forma de vida
ou de uma atividade. Existem muitos tipos de jogos de linguagem, como descrever
um objeto, dar ordens, perguntar, construir uma história, fazer uma piada,
saudar, orar, etc. Significado como uso em jogos de linguagem refere-se a
contextos, ambientes, situações, atividades e formas de vida. Na teoria dos
atos de fala, tem-se procurado esclarecer os vários sentidos de significado
como uso em jogos de linguagem (Austin, 1962/1975; Searle, 1969/1989).
O conceito de
linguagem como uso está hoje disseminado na filosofia da linguagem (Lyotard,
1984; Murphy, 1990; Rorty, 1980, 1990).
O behaviorismo
epistemológico é um holismo, porque a justificação do conhecimento remonta à
conversação e prática social, sem remeter a qualquer relação especial entre
idéias, palavras e coisas (Rorty, 1980). Trata-se de um holismo-com-pragmatismo
(holism-cum-pragmatism) (Murphy, 1990), uma vez que se articula com a teoria
pragmática da verdade para justificar o conhecimento. Isso quer dizer que a
verdade e a justificação do conhecimento relacionam-se com os participantes de
uma prática social e, sendo assim, abandona-se o projeto de reivindicar certeza
ou conhecimento absoluto com base na verdade compreendida como correspondência
entre idéias, palavras e coisas (Rorty, 1980).
O discurso
moderno envolveu-se completamente com a crença de que todas as ciências trariam
progresso para o gênero humano (Lyotard, 1984, 1986/1989), ao mesmo tempo em
que teriam seus discursos legitimados por um metadiscurso ou um discurso
filosófico. Os resultados foram as metanarrativas, como as seguintes: as
ciências serão capazes de descobrir como as coisas são realmente, o progresso
científico, político, social e cultural do Ocidente promoverá a emancipação do
sujeito racional bem como criará abundância.
No entanto,
Lyotard (1984) escreve que "após dois séculos estamos mais sensíveis a
sinais que significam o contrário" (p. 6).
Rorty (1985)
comenta que Lyotard (1984) "define pós-moderno como incredulidade em
metanarrativas" (p. 161) e faz um apelo: "Poderíamos concordar com
Lyotard que não temos mais necessidade de metanarrativas" (p. 173).
Contudo, Rorty não está inteiramente de acordo com Lyotard sobre o significado
de epistemologia no discurso pós-moderno. Ele critica o conceito de paralogia
de Lyotard, a idéia de que a ciência está em revolução permanente. Argumenta
contra Lyotard que a ciência consiste em um revezamento entre normalidade e
revolução no sentido de Kuhn (1962). De acordo com Kuhn, a ciência normal é
guiada por um paradigma que define, por um certo tempo, um conjunto de regras
para encaminhar e solucionar seus problemas, produzindo realizações científicas
reconhecidas universalmente pela comunidade de cientistas dedicados a ela.
Quando o paradigma da ciência normal torna-se inoperante na solução de seus
problemas e atinge o nível de uma crise profunda, surge a ciência
revolucionária com propostas de paradigmas rivais.
Rorty (1980)
generaliza as distinções de Kuhn para todos os tipos de discursos: "O
behaviorismo epistemológico distinguira entre discursos comensuráveis
[discursos redutíveis um ao outro] e incomensuráveis [discursos irredutíveis um
ao outro] como discursos "normais" e "anormais"" (p.
320). Com base nessa tipologia de discursos, Rorty define epistemologia como
uma atitude que pode ser assumida para discursos "normais", ou para
uma conversação em que existe um conjunto de regras que orientam os
participantes na obtenção de acordos racionais; e define hermenêutica como
outra atitude, que pode ser tomada diante de discursos "anormais", ou
perante uma conversação onde os participantes não são capazes de dirimir
desavenças exatamente porque não existe um conjunto de regras para orientar
acordos racionais.
O esboço de
Murphy (1990) concernente aos discursos moderno e pós-moderno adquire contornos
mais precisos e contribui para melhor diferenciá-los se o discurso moderno
significar não só fundacionismo na epistemologia e representacionismo na
filosofia da linguagem, mas também credulidade em metanatrativas; e se o
discurso pós-moderno significar não só holismo na epistemologia e teoria do
significado como uso na filosofia da linguagem, mas também incredulidade em metanarrativas.
Finalmente , se holismo na epistemologia é interpretado como
behaviorismo epistemológico, então são diferentes os conceitos de cultura
pós-filosófica de Rorty (1980) e de discurso pós-moderno de Lyotard (1984).
Behaviorismo
Radical e Epistemologia
O
behaviorismo radical é filosofia da ciência do comportamento - não é ciência do
comportamento (Skinner, 1974). No entanto, há uma interdependência entre o
behaviorismo radical e a ciência do comportamento, porque se, por um lado,
delineia-se no primeiro uma concepção de comportamento (o comportamento
operante), por outro lado, o desenvolvimento da segunda permite a Skinner
aprofundar sua filosofia da ciência do comportamento. Apoiado então nessa
filosofia e ciência, o filósofo, cientista e psicólogo norte-americano realiza
interpretações originalíssimas de fenômenos mentais, políticos, sociais, morais
e culturais (Skinner, 1953, 1971, 1974, 1986).
Skinner
(1957) interpreta o conhecimento científico como sendo predominantemente o
comportamento verbal de cientistas, sendo, portanto, passível de ser
investigado pelo behaviorismo radical - o que significa dizer, em última
análise, que o behaviorismo radical não é apenas filosofia da ciência do comportamento,
mas também filosofia ou epistemologia da ciência (Zuriff, 1985). Mas não se
trata de fundacionismo epistemológico, porque o antimentalismo e o
anticognitivismo de Skinner (1953, 1977), bem como sua crítica à teoria
referencial do significado (Abib, 1994a; Skinner, 1957) e ainda sua defesa de
uma epistemologia interativa-pragmática (Burton, 1980; Skinner, 1956/1972,1957,
1974; Zuriff, 1985) significam que sua teoria do conhecimento é intratável da
perspectiva do fundacionismo epistemológico.
Behaviorismo
Radical e Epistemologia Interativa-Pragmática
Skinner
(1974) fez três comentários sobre a natureza da ciência. Ele disse, em primeiro
lugar, que ciência é comportamento verbal de cientistas regido por um corpo de
regras para o desempenho de ações efetivas. Segundo, que, embora essas regras
descrevam contingências, elas jamais são as próprias contingências, e isso
porque "o comportamento evocado por uma regra é freqüentemente mais
simples do que o comportamento modelado pelas contingências, das quais as
regras são derivadas" (Skinner, 1969, p. 167). Terceiro, que a verdade de
uma regra ou proposição depende de sua capacidade de ajudar ouvintes a agir
apropriadamente às situações que elas descrevem. De acordo com Zuriff (1985), o
behaviorismo radical é nesse sentido "uma epistemologia empírica, ou uma
teoria do conhecimento derivada de uma investigação científica da psicologia do
conhecedor" (p. 251). Do ponto de vista epistemológico de Skinner, o
comportamento do cientista interage com dois universos, o de sua própria
experiência e o da comunidade científica. Ou ainda, o comportamento do
cientista interage com as contingências de sua própria experiência e com as
regras da comunidade científica.
Segundo
Skinner (1957), aprende-se comportamento científico de acordo com as
contingências de reforçamento estabelecidas por uma comunidade científica.
Basicamente, essa comunidade ensina o aprendiz a comportar-se de acordo com
regras, cujo objetivo é não só instruí-lo para a tarefa de realizar descrições e
relatos precisos de seus experimentos, mas também educá-lo para o debate
científico e comunicações com seus pares, contribuindo assim para o
desenvolvimento da ciência. Contudo, um corpo de regras, científicas ou não,
contém imprecisões, porque uma regra é um plano formulado com base na análise
de contingências, e se o resultado dessa análise for deficiente, ela pode
conter equívocos, ambigüidades, etc. (Skinner, 1969, 1986). No caso da ciência,
é a própria experiência científica do cientista que pode contradizê-las; e se
sua competência for comprovada, é o valor de verdade das regras que é posto em
dúvida, correndo o risco de eventualmente serem falsificadas. A face interativa
da epistemologia do behaviorismo radical legitima o conceito de ambiente aberto
do cientista. Na verdade, desde os anos cinqüenta, Skinner (1956/1972) já
alargava a noção de ambiente do cientista com o conceito de serendipidade
{serendipity): o conjunto de acidentes que podem ocorrer durante a realização
de uma pesquisa. Por exemplo, ele narra um detalhado estudo de caso de sua
própria pesquisa experimental para mostrar como acidentes que ocorreram no
transcurso da pesquisa contribuíram para sua concepção e desenvolvimento da
abordagem experimental do método de estudo de caso. Engenhosamente, conclui que
o método experimental de caso-único (single-case) é mais adequado para estudar
fenômenos de aprendizagem do que o método científico de delineamento
estatístico com grupos experimental e de controle e o método dedutivo. E nesse
sentido, "é um erro identificar a prática científica com as construções
formalizadas da estatística e do método científico. Essas disciplinas (...)
oferecem um método de ciência, mas não, como se supõe tão freqüentemente, o
método" (Skinner, p. 101).
Burton (1980)
sugere que, no uso de Skinner, o ambiente do cientista é suficientemente aberto
para incluir não somente os procedimentos canonizados do método cientifico, mas
também "influências econômicas, sociais e políticas' (p. 117), concluindo
com esse alargamento que a epistemologia interativa-pragmática do behaviorismo
radical desponte seguramente como prática social - uma conclusão defendida
também por Zuriff (1985). A face pragmática da epistemologia do behaviorismo
radical, cujos aspectos serão gradativamente apresentados no decorrer desse
texto, afasta Skinner do debate aparência-essência ou aparência-realidade, uma
das principais controvérsias entre positivistas e realistas (Kolakowski, 1966/ 1976; Zuriff, 1985). Segundo Zuriff, realidade
para Skinner não se refere à existência de entidades subjacentes (imutáveis,
eternas, independentes do tempo ou do espaço) nem aparência remete para o que é
mutável, perecível, histórico e temporalmente situado; para Skinner,
realidade-aparência significa comportamento efetivo-inefetivo. Está-se diante
de uma perspectiva pragmática similar à do humanismo pragmático de James
(1907/1988), no sentido de que "o mundo permanece realmente maleável,
esperando receber seu toque final de nossas mãos (...). O homem engendra verdades
sobre o mundo" (p. 115). Na linguagem de Skinner (1969) isso significa
dizer que as leis científicas, por exemplo,"não são (...) obedecidas pela
natureza, mas por homens que tratam efetivamente com a natureza" (p. 141).
Referindo-se mais especificamente à lei da queda dos corpos, Skinner afirma que
ela "não governa o comportamento da queda dos corpos; ela governa aqueles
que predizem corretamente a posição da queda dos corpos em certos
momentos" (p. 141).
As faces
interativa e pragmática do behaviorismo radical conduziram Burton (1980) a
propor que Skinner, como todos os pragmatistas, concebe a ciência na
perspectiva do relativismo, porque para ele a ciência não reivindica princípios
e conhecimentos absolutos. Por isso, Burton situa a epistemologia de Skinner
nas tendências recentes da filosofia e história da ciência pós-empirista, que
conta com expoentes como Kuhn, Lakatos e Feyerabend (Bernstein, 1989). Por um
lado, essa última conclusão de Burton faz sentido do ponto de vista da
epistemologia interativa-pragmática de Skinner, mas, por outro lado, gera
dúvidas, porque usualmente o behaviorismo radical é associado não somente com o
positivismo, mas também com a história linear-empirista da ciência (Zuriff,
1985). Contudo, há muitos equívocos com relação à posição de Skinner sobre
essas questões. Com o objetivo de apontá-los e esclarecê-los, serão
apresentadas características do pensamento positivista e da história
linear-empirista da ciência, bem como os afastamentos de Skinner com respeito a
essas tendências de pensamento.
Kolakowski
(1966/1976) apresenta uma análise iluminadora da tradição de pensamento
positivista, onde destaca quatro características básicas desse pensamento. Para
começar,
não há para
positivistas qualquer sentido na pesquisa de essências (o debate
aparência-essência), nem na investigação sobre a natureza última da realidade
(o debate nominalismo-realismo). E mais, para eles, o método científico é
universal para as ciências da natureza e do homem, bem como defendem uma
distinção irredutível entre fatos e valores, no sentido de que não é
logicamente possível derivar proposições referentes a valores a partir de
proposições concernentes a fatos, ou seja, as primeiras não têm estatuto
cognitivo.
A
epistemologia interativa-pragmática do behaviorimo radical representa um
afastamento notável dessas caracteristicas do positivismo. Em primeiro lugar, a
posição pragmática de Skinner (1957) no debate aparência-essência, como
comportamento inefetivo-efetivo, permite-lhe distanciar-se dos termos tradicionais
desse debate, isentando-o de qualquer pronunciamento seja a favor do eventual
estatuto cognitivo das aparências, seja contra a pesquisa nonsense das
essências. Segundo, não há, para Skinner, método científico universal, o que
significa dizer que as práticas científicas não devem ser, necessariamente,
identificadas com os aspectos formais do método científico e do raciocínio
dedutivo.
Além disso,
coloca que essas práticas não devem também ser identificadas com as feições
reducionistas desse método - método científico que, na ciência do
comportamento, procura explicar os fenômenos comportamentais e suas leis
reduzindo-os a fenômenos e leis fisiológicas, mentalistase cognitivas (Johnson,
1963; Skinner, 1950,1956/ 1972). Nem tampouco, finalmente, devem as práticas
científicas na ciência do comportamento seguir a orientação do método
científico que estabelece limites metodológicos para a investigação de eventos
privados, abandonando-se, desse modo, a investigação de eventos como
sentimentos, desejos, intenções, etc. (Skinner, 1945, 1974).
Terceiro,
Skinner (1971) rejeita a distinção positivista entre fato e valor, atribuindo
estatuto cognitivo aos juízos de valor (Garret, 1979; Graham, 1977;
Rottschaefer, 1980; Waller, 1982). Sendo assim,
argumenta a favor de uma teoria cognitiva dos valores éticos, diferente,
portanto, da teoria emotivista desses valores defendida por pensadores positivistas
como Ayer (1936/1971) e Stevenson (1959/1965)- uma teoria
onde, precisamente, eles não têm estatuto cognitivo. Quarto, no debate
nominalismo-realismo, Skinner (1974) não se compromete com qualquer tipo de
realismo, seja com idéias e eventos cognitivos da mente, seja com motivos,
emoções e pulsões da psique. Naturalmente, isso não significa que ele esteja
negando a existência da percepção, do pensamento, dos sentimentos, motivos,
emoções, pulsões, etc. O que está sendo negado é que esses eventos sejam
dotados de uma substância mental especial, em um sentido similar àquele em que Ryle (1949/1980)
rejeitou a existência do fantasma na máquina e James (1912/1976) recusou a
concepção substancialista da consciência. O que está implícito na epistemologia
do behaviorismo radical é uma teoria relacionai ou funcional de mente (Zuriff,
1985). Nesse sentido, a crítica de Skinner (1953, 1957) às hipóstases e
reificações de conceitos e abstrações mentais, bem como suas objeções à teoria
referencial do significado representam posições opostas ao realismo filosófico.
Em última análise, isso significa dizer que não é possível formular descrições,
científicas ou não, com condições de se referir ou corresponder ao mundo, uma
vez que não há entidades transcendentes existentes no mundo suscetíveis de
serem representadas por idéias ou palavras independentemente dos seres humanos.
Ao posicionar-se
contra o realismo no debate nominalismo-realismo, Skinner compartilha com
pensadores positivistas uma crença no nominalismo; no fundo, uma crença
assimilada também pelo pragmatismo: "Ele [o pragmatismo] concorda com o
nominalismo, por exemplo, apelando sempre para particulares" (James,
1907/1988, p. 29). Ou seja, como redige Zuriff (1985): "Isso [nominalismo]
significa que abstrações [conceitos, idéias] (...) são relacionadas ao concreto
e particular bem como às relações entre elas" (p. 269).
Behaviorismo
Radical e Empirismo
A história
linear-empirista da ciência associa-se com pelo menos três suposições do
empirismo. A primeira é a de que existe observação pura dos fenômenos e eventos
sob investigação - uma observação processada independentemente de
pressuposições teóricas que constituem os "dados brutos" da ciência.
A segunda é a de que há uma relação direta entre os dados dessa observação e as
teorias científicas, sendo com base neles e a partir deles que essas teorias
desenvolvem-se. Finalmente, são essas teorias que predizem quais são os
próximos dados a serem descobertos com a investigação experimental, sendo
confirmadas ou refutadas caso as evidências experimentais apoiem ou não suas
previsões - e se uma teoria for refutada nessa base, deverá ser corrigida por
uma mais abrangente. Consagrada por essas suposições, a história empirista da
ciência desenrola-se, persistentemente, no propósito de demonstrar o progresso
cumulativo, linear e contínuo da ciência. À filosofia e história da ciência pós-empirista
representam concepções diferentes da ciência e de sua evolução. Os filósofos e
historiadores da ciência solidários com essa tendência defendem que não há
observação pura nem "dados brutos", porque ela é carregada de
pressuposições teóricas e, conseqüentemente, não há também uma distinção nítida
entre dados e teorias. E mais, o progresso da ciência é necessariamente
descontínuo e incomensurável, porque as revoluções científicas processam-se de
acordo com o conceito de paradigma de Kuhn (1962) onde não se admite a
redutibilidade de um paradigma científico a outro.
Com
referência a esse debate, pode-se fazer pelo menos três observações que
contribuem para distanciar a epistemologia interativa-pragmática do
behaviorismo radical da história linear-empirista da ciência. No behaviorismo
radical, os relatos observacionais remetem à linguagem de dados comportamentais
(Zuriff, 1985). Isso quer dizer que relatos observacionais remetem, obviamente,
a uma base observacional. Essa base é, por sua vez, invadida por categorias
comportamentais (por exemplo, contingências de reforço e métodos para coligir
dados). Sendo assim, observações dependem de uma concepção prévia do
comportamento, que as modifica em relatos observacionais
"contaminados" pela linguagem de dados comportamentais. E mais, a
crítica de Skinner (1950, 1974) às teorias fisiológicas, mentalistas e
cognitivas [uma posição muito similar à de Wittgenstein (1953/1988), quando
escreve que "explicações terminam em algum lugar" (1), no sentido em que Skinner
(1950,1974) identifica explicações com descrições no nível do comportamento;
bem como uma crítica fundamental à idade da teoria, uma das características
marcantes do estilo de discurso moderno (Kvale & Grenness, 1967; Kvale,
1992)] não o compromete com os "dados brutos" da observação pura, nem
com observações onde a linguagem esteja neutralizada, porque, de qualquer modo,
suas categorias comportamentais impregnam as observações que são feitas com um
tipo de linguagem comportamental (Abib, 1997).
Finalmente,
Hoccut (1985) comenta que, em sua maior parte, o empirismo no behaviorismo, e
no behaviorismo radical como uma de suas versões foi muito mais programático do
que uma prática efetiva de pesquisa, porque o pragmatismo é, na verdade, a
filosofia mais relevante para legitimar as práticas de pesquisa do
behaviorismo. Isso significa dizer que na "perspectiva do pragmatismo, não
existe tal coisa como um dado puro, não-interpretado" (Hoccut, p. 81).
Para diferenciar dados de teorias, em vez da teoria da correspondência, Hoccut
recorre à teoria pragmática da verdade, defendendo, portanto, no lugar do
acordo entre proposições e-fatos do mundo externo, o acordo entre descrições de
cientistas: "Consideramos como dados declarações sobre as quais não se
constatam mais sérias disputas, e como teorias aquelas que permanecem sujeitas
a sérias dúvidas entre os membros informados e competentes da comunidade
científica" (p. 80). Skinner (1974) afirmou que o "behaviorismo
metodológico e algumas versões do positivismo lógico colocaram os eventos
privados fora dos limites [da ciência do comportamento] porque não poderia
haver acordo público sobre sua validade (...). [O behaviorismo radical] não
insiste na verdade por acordo e pode, por isso, considerar os eventos que
ocorrem no mundo privado dentro da pele. Ele não os chama de inobserváveis nem
os nega como subjetivos" (P- 16).
Agora, parece
haver uma contradição entre esse enunciado e a epistemologia
interativa-pragmática de Skinner. Mas a contradição é apenas aparente, porque,
sem que seja possível examinar mais detalhadamente, aqui, as implicações dessa
declaração, a noção de verdade por acordo no pragmatismo bem como no
positivismo lógico e no behaviorismo metodológico não significa a mesma coisa.
Com efeito, o pragmatismo é uma filosofia diferente do empirismo (Murphy
1990/1993; Wiley, 1994/1996), e ao menos em suas versões iniciais, o
positivismo lógico esteve comprometido com o empirismo (Ayer, 1959/1965). Além
disso, Skinner (1945, 1974) está apenas fazendo uma objeção, vigorosa sem
dúvida, aos defensores do behaviorismo metodológico, que admitiam a existência
dos fenômenos subjetivos, não os incluindo, entretanto, no âmbito da ciência,
por não serem publicamente observáveis. Na verdade, Skinner estava propondo um
programa filosófico e científico diferente daquele do positivismo lógico e do
behaviorismo metodológico com o propósito de examinar os "eventos
subjetivos" para elaborar uma filosofia da mente. Em suma, a epistemologia
do behaviorismo radical é mais solidária com o pragmatismo do que com o
positivismo e o empirismo.
Como foi
visto, Burton (1980) sugeriu que precisamente por causa de sua face pragmática,
a epistemologia de Skinner insere-se no relativismo, longe, portanto, do
objetivismo epistemológico. Do ponto de vista do objetivismo epistemológico, a
meta da ciência é descobrir o conhecimento verdadeiro. Isso que é exatamente
negado no relativismo, porque, segundo essa tendência de pensamento, o
conhecimento é produzido em contextos históricos, sociais e culturais
específicos, bem como depende de esquemas conceituais e de estruturas teóricas
legitimadas por esses contextos. O relativismo é, portanto, um ceticismo quanto
à possibilidade da ciência instituir um conhecimento capaz de transcender não
só contextos históricos, sociais e antropológicos nos quais é produzido, mas
também os esquemas conceituais e as estruturas teóricas legitimados por essas
inserções. No debate travado agora por relativistas e objetivistas, esses
acusam aqueles, desde Platão, de serem "auto-referencialmente
inconsistentes e paradoxais" (Bernstein, 1989, p. 9). Ou seja, como
(reconheçam ou não) os relativistas defendem que sua posição é verdadeira ao
mesmo tempo que afirmam que a verdade é relativa, o paradoxo e a inconsistência
estão instalados, podendo-se, conseqüentemente, admitir como verdadeiro algo
que também pode ser falso. E mais, o "relativismo pode ser ele mesmo
verdadeiro e falso. Não se pode defender o relativismo sem arruiná-lo"
(Bernstein, p. 9).
Como foi
sugerido por Burton (1980), nesse debate a epistemologia de Skinner realmente
não se alinha com o objetivismo epistemológico; mas, contra esse autor,
defende-se, aqui, que tampouco a epistemologia interativa-pragmática do
behaviorismo radical descamba para o relativismo. Isso porque, precisamente,
seu lado pragmático afasta-a dessa tendência de pensamento - o mesmo aspecto,
portanto, ressaltado por Burton para aproximá-la do relativismo. No
pragmatismo, a reivindicação de conhecimento verdadeiro deve apresentar como
evidência seu funcionamento e efetividade, ou seja, se um determinado
conhecimento funciona e é, portanto, efetivo, seu valor de verdade está
assegurado; caso contrário, não. Como defendeu James, verdade em nossas idéias
significa seu poder de funcionar (1907/1988). Na linguagem de Skinner, isso
significa que "uma parte importante da prática científica é a avaliação de
que uma resposta verbal seja "correta" ou "verdadeira", ou
de que possa funcionar afortunadamente" (1957, p. 428).
O
behaviorismo radical enfatiza, como valores importantes de uma ciência do
comportamento, a pesquisa de leis, predição e controle do comportamento
(Zuriff, 1985). O valor de verdade ou a efetividade do conhecimento produzido
por essa ciência depende de se ela promove ou não esses valores. Em um exame
crítico da efetividade dessa ciência em promover seus objetivos, Lacey e
Schwartz (1986) argumentam que ela é adequada para tratar com situações
fechadas, como as fábricas do sistema capitalista, sendo, no entanto,
inadequada para tratar com situações mais abertas e imprevisíveis, como as
interações cotidianas. Se a epistemologia do behaviorismo radical situa-se na
perspectiva do relativismo, como quer Burton (1980), e se a crítica de Lacey e
Schwartz for válida (será argumentado que não é), então o paradoxo e a
inconsistência estão instaladas nessa epistemologia, porque ela estaria
orientando a produção de um conhecimento que pode ser visto como verdadeiro em
uma situação e falso em
outra. No entanto, é um equívoco pensar dessa maneira, porque,
da perspectiva pragmática dessa epistemologia, pode-se argumentar que não é seu
objetivo orientar a produção de conhecimento para situações abertas e
imprevisíveis, e que já seria um avanço se a ciência do comportamento pudesse
contribuir para compreender como se processam as relações de trabalho nas
situações fechadas das instituições capitalistas.
Por exemplo,
usando esse conhecimento, os trabalhadores poderiam tentar contracontrolar o
controle que é exercido sobre eles por essas instituições. E também nesse
sentido que, de uma perspectiva pragmática, seria errôneo pensar que uma teoria
do comportamento seria tão boa quanto qualquer outra para tratar com situações
fechadas. Ou seja, uma teoria do comportamento, cujo interesse dirige-se para a
compreensão do controle do comportamento, provavelmente será mais efetiva para
mostrar como o contracontrole pode ser implementado do que uma que não tenha
esse objetivo.
Na verdade,
Skinner (1953, 1986) nunca limitou o behaviorismo radical ao exame de situações
fechadas, tendo também estendido suas análises para a predição e controle do
comportamento em situações mais abertas e imprevisíveis. Isso significa dizer
que a crítica de Lacey e Schwartz erra o alvo, seja porque não leva em conta as
análises mais amplas de Skinner, seja porque não percebem que o comportamento
operante carrega consigo um mínimo de incerteza. Sendo este mínimo de incerteza
bem expresso por Skinner, quando freqüentemente afirma que o operante tem
somente uma probabilidade
de
ocorrência, ou que, embora o "comportamento seja regido por leis, (...)
não temos a informação necessária para predizer com certeza o momento de sua
ocorrência" (1968, p. 138). Esse aspecto do operante levou Baldwin (1988)
a apontar similaridades básicas nos pensamentos de Skinner e Mead, com respeito
ao conceito de agente do comportamento - um conceito que poderia ser
considerado na análise de situações mais abertas e imprevisíveis (Baldwin,
1988; Skinner, 1957, 1968, 1974; Zuriff, 1985). Isso quer dizer que, embora o comportamento
seja regido por leis, um enfraquecimento das noções de predição e controle e a
introdução da perspectiva do agente poderiam constituir-se como estratégia mais
promissora para tratar com situações abertas e imprevisíveis. É nesse sentido
que Zuriff escreve: "Talvez as injunções correntes dos behavioristas sobre
a ciência não maximizem de fato predição e controle, [ou] talvez predição e
controle não sejam os reforçadores mais poderosos que controlam o comportamento
do cientista" (p. 278).
Cabe, agora,
um breve desvio na direção do discurso pós-moderno, porque, nesse caso, a
objeção à epistemologia objetivista é ainda mais radical (Bernstein, 1989;
Lather, 1992; Murphy, 1990;Polkinghorne, 1989). Polkinghorne comenta que o
objetivismo e o relativismo são orientados pela idéia do conhecimento de uma
realidade em si - um crédulo e o outro cético. Lather escreve que
"relativismo é um conceito de outro discurso, um discurso de
fundamentos" (p. 99). Murphy observa que o discurso pós-moderno consiste
no abandono radical de dicotomias do tipo objetivismo-relativismo. Bernstein
argumenta que é necessário ultrapassar a dicotomia objetivismo-relativismo, o
que significa negá-los como tarefa teórica e assumi-los como prática (praxis).
Ou seja, de
acordo com esses autores, o discurso pós-moderno não representa uma defesa do
relativismo contra o objetivismo, porque essa dicotomia não somente representa
um pseudoproblema, mas também pertence ao estilo do discurso moderno.
Em suma, a
epistemologia interativa-pragmática do behaviorismo radical não é solidária nem
com o objetivismo nem com o relativismo, porque o pragmatismo não é nem uma
coisa, nem outra (James, 1907/1988; Rorty, 1982). Além disso, conjurar o
fantasma do relativismo quando uma posição epistemológica é conjeturada longe
do objetivismo epistemológico e próxima do pragmatismo é não perceber que o
pragmatismo filosófico pode ser uma alternativa para essa falsa dicotomia
(James, 1907/1988; Rorty, 1982) bem como é permanecer aprisionado nas
armadilhas do discurso moderno (Bernstein, 1989; Lather, 1992; Murphy, 1990;
Polkinghorne, 1989).
Behaviorismo Radical, Linguagem e
Comportamento Verbal
As concepções
de Skinner sobre linguagem e comportamento verbal são anti-representacionistas
porque, de um lado, ele não aceita a teoria tradicional do significado e, de
outro lado, porque elabora uma teoria funcional do significado que não implica
o conceito de referência (Abib, 1994a; Skinner, 1957). A teoria tradicional do
significado apresenta-se em duas versões, como teoria da expressão de idéias e
como teoria referencial do significado (Lyons, 1977/1980; Skinner, 1957). Na
teoria da expressão de idéias, palavras significam idéias diretamente e coisas
indiretamente, através de seus
próprios
significados, isto é, as idéias (Lyons). Na teoria referencial do significado,
palavras significam diretamente coisas, onde o significado das palavras não são
mais as idéias, mas, sim, as próprias coisas, ou seus referentes (Lyons).
Ambas as
versões da teoria tradicional do significado são invadidas pelo conceito de
representação. Assim, na teoria da expressão de idéias, palavras representam
idéias, que, por sua vez, representam coisas, porque, desde Descartes, idéia
significa representação mental, imagem, conceito, objeto de pensamento, ou
ainda uma representação da mente que conhece e percebe (Urmson, 1972). Já na
teoria referencial do significado, as palavras representam diretamente coisas,
sem intermediação de idéias.
São muitas as
críticas que Skinner (1957) dirige a essas teorias - críticas que foram
examinadas detalhadamente por Abib (1994a). Mais importantes do que revê-las
aqui, já que, de modo geral, fundamentam-se no anti-representacionismo
epistemológico de Skinner, é apresentar brevemente não só as concepções de Skinner
sobre linguagem e comportamento verbal, mas também sua teoria funcional do
significado.
Linguagem
refere-se a práticas de reforçamento de comunidades verbais ou culturas,
práticas que são governadas por regras gramaticais (Skinner, 1957, 1969, 1989).
Como
comunidades
verbais são culturas constituídas por ouvintes, mais exatamente linguagem
significa o comportamento de ouvintes governado por regras gramaticais, que
estão registradas em gramáticas e que existem mesmo quando "ninguém as
está falando" (Skinner, 1989, p. 87). Comportamento verbal refere-se ao
comportamento de falantes individuais - comportamento que é adquirido de acordo
com as práticas de reforçamento de comunidades verbais na medida em que essas
práticas são governadas por regras gramaticais.
Ou seja, o
comportamento do falante é modelado e mantido pelo comportamento de ouvintes na
medida em que esse é governado por uma linguagem: as regras gramaticais
contidas em
gramáticas.
Se o
comportamento é modelado e mantido de acordo com as contingências verbais de
uma cultura, ele se instala como uma relação indissociável entre uma situação,
resposta
e
conseqüência, e é essa relação que significa algo, e tem significado (Abib,
1994a; Skinner, 1957, 1974). Em outras palavras: à medida que o comportamento
verbal é adquirido como uma relação dessa natureza, a história de contingências
verbais passa a constituí-la como significado. Por isso Skinner afirma que
"o significado está em uma história (...) história de exposição às
contingências" (1974, p. 90). É como relação que o significado do
comportamento verbal está em uma história de contingências verbais e é também
como relação que o comportamento verbal significa algo, pois é como relação
entre uma situação atual e uma resposta verbal que essa resposta
"significa uma outra relação que é a história de contingências de
reforçamento - isto é, o significado - responsável pela instanciação daquela
relação no presente" (Abib, 1994a, p. 486).
Seja pela
epistemologia anti-representacionista que orienta suas concepções sobre
linguagem e comportamento verbal, seja pelo vocabulário de sua teoria funcional
do significado, o pensamento de Skinner é solidário com a "filosofia
pura" da linguagem e rompe, conseqüentemente, com a filosofia "impura
da linguagem", ou com as versões da teoria tradicional da linguagem - a
teoria da expressão de idéias e a teoria referencial do significado.
A teoria
funcional do significado não só não tem qualquer vínculo com a teoria da
expressão de idéias - pelo simples fato de que o termo idéia já remete, como
foi visto, à
noção de
representação mental - como também não implica o conceito de referência (Abib,
1994a; Skinner, 1957). Nesse caso, o argumento de Skinner relaciona-se com o
contextualismo de sua análise da linguagem e do comportamento verbal (Abib).
Sem que seja possível apresentar detalhadamente, aqui, esse argumento, cabe
comentar que nenhum tipo de comportamento verbal - como os ecóico, textual,
mando, tacto e intraverbal - representa coisas, objetos, eventos e suas
propriedades (supostamente situados no mundo externo), porque os significados
desses comportamentos não são independentes dos contextos da linguagem e da
cultura. Ou seja, é das regras de uma linguagem e de uma cultura que o
comportamento verbal adquire significado, mas "essas regras não descrevem
e/ou governam o comportamento de coisas no mundo externo. Como, então, seria
possível, à vista disso, o comportamento verbal referir-se a alguma coisa,
objeto ou evento desse mundo?" (Abib, p. 485).
Com a teoria
funcional do significado, Skinner assesta mais um golpe na epistemologia do
representacionismo. Resta ainda mostrar como o talentoso psicólogo
norte-americano é também incrédulo com respeito a metanarrativas.
Behaviorismo Radical e Metanarrativas
O pensamento
de Skinner não tem compromissos com qualquer tipo de metanarrativas. Sua
epistemologia interativapragmática e seu distanciamento da história
linear-empirista da ciência não significam nem uma promessa, nem uma crença em
metanarrativas científicas. Ou seja, ele não defende que a ciência e a história
da ciência, orientadas, respectivamente, pelo positivismo e empirismo, sejam
capazes de descobrir
como as
coisas realmente são, para, a partir daí, indicar o sentido do progresso,
ensinando os seres humanos a conquistá-lo, por meio de ações em consonância com
uma realidade objetiva.
O pensamento
político e social de Skinner (1953, 1986, 1990) apresenta importantes
alternativas visando habilitar as pessoas a enfrentarem problemas sociais e
políticos em
seus
ambientes com o objetivo final de torná-los mais habitáveis para si mesmas. No
entanto, isso não significa que ele esteja defendendo metanarrativas políticas
e sociais - narrativas vislumbrando a emancipação do sujeito racional e a
criação de abundância, com base no progresso social, político e cultural do
Ocidente. Skinner não acredita que as teses do iluminismo, com suas promessas
não só de esclarecimento dos seres humanos pelos expertos da cultura, mas
também de desenvolvimentos social e político no caminho da liberdade e justiça
(Habermas, 1981) tenham sido realizadas. Na verdade, como Lyotard (1984),
Skinner vê "sinais que significam o contrário".
Skinner
(1986) criticou a sociedade capitalista dos países desenvolvidos. Primeiro, ele
comenta o aspecto já bem conhecido das relações alienadas instauradas pelo
capitalismo entre o trabalho e seus produtos. Segundo, ele argumenta que, como
na maioria das vezes o comportamento das pessoas é governado por regras em vez
de ser modelado por contingências, o resultado é que elas não têm experiência
direta nem com as situações, nem com as conseqüências de suas ações. Isso leva
a um estranhamento entre as pessoas e seus mundos, conduzindo-as ao consumo de
mercadorias e bens culturais, ao contrário de experienciá-los com a produção
pessoal. É nesse sentido que ele escreve: "Ouvimos uma peça musical de
Smetana, mas não nadamos no Moldau" ( p. 571). Terceiro, e como corolário
do anterior: "O Ocidente perdeu sua inclinação para agir" ( p. 572).
Por isso as
pessoas dos países mais desenvolvidos "só podem relaxar com a ajuda de
sedativos ou tranqüilizantes (...) ou só podem dormir com a ajuda de soníferos
(...) elas
não somente
invejam mas também estão intrigadas com as pessoas dos países menos
desenvolvidos, ao percebê-las como alegremente fazendo nada". (p. 573)
Skinner (1986) não defende esse tipo de sociedade como tendo algo a ver com o
desenvolvimento ou a emancipação de seres humanos. Pelo contrário, ele comenta
que ela não é um modelo para ser imitado por outras sociedades. Isso quer
dizer, entre outras coisas, que a abundância das sociedades ricas não é um
valor a ser almejado por si mesmo. De acordo com Skinner, existem valores mais
básicos e importantes do que esses que podem ser estabelecidos como metas para
o desenvolvimento de sociedades alternativas - por exemplo, a prioridade do
comportamento modelado por contingências
no lugar do
comportamento governado por regras, ou o desenvolvimento de relações menos
alienadas com o trabalho, as mercadorias e os bens culturais. Pode-se
interpretar,
como sendo o
objetivo de defender valores como esses, que Skinner (1953) argumenta a favor
do contracontrole do comportamento, ou da resistência que os seres humanos
poderiam desenvolver contra o controle do comportamento que é exercido pelas
instituições políticas e sociais (agências de controle em sua parlance) da
sociedade capitalista, como as agências governamental, industrial, educacional
e terapêutica.
Nas palavras
de Skinner (1986), isso significa que "um novo conjunto de práticas não
pode simplesmente ser imposto por um governo, uma religião, ou um sistema
econômico. Caso fosse realizado, esse não seria o conjunto correto de
práticas" (p. 573).
Outra linha
de evidência sugerindo que Skinner, como Lyotard (1984), vê "sinais que
significam o contrário", aponta para as dificuldades que seres humanos têm
em compreender culturas diferentes daquelas nas quais foram criados e educados.
Isso quer dizer que, segundo Skinner (1990), existem culturas conflitantes e
ele detecta um problema exatamente no "fato de que uma cultura prepara um
grupo somente para o mundo que se assemelhe àquele em que a cultura
evoluiu" (p. 1207) e para ele essa situação "é a fonte de nossa atual
preocupação com o futuro de uma terra habitável" (p. 1207). Skinner está
se referindo ao sentido antropológico do conceito de cultura, onde se aprende
que cada sociedade tem sua própria cultura, que é incomensurável com outra
qualquer - embora isso não signifique que a interpretação de outras culturas não
seja possível (Geertz, 1973).
Assegurada
essa possibilidade, ela não é de qualquer modo uma questão trivial, e tanto é
assim que, na prática, Skinner (1990) não admite que as pessoas estejam sendo
preparadas para compreender culturas conflitantes. Por tudo isso, é
perfeitamente plausível concluir que os pensamentos científico, político,
social e cultural de Skinner são estranhos às metanarrativas do discurso
moderno. Em suma, o behaviorismo radical não se compromete com as principais
teses do discurso moderno, tais como fundacionismo na epistemologia,
representacionismo na filosofia da linguagem e metanarrativas científicas,
políticas, sociais e culturais concernentes ao progresso do Ocidente.
Portanto, o
behaviorismo radical configura-se como divergência decisiva em relação ao
discurso moderno.
Conclusão
É, então, o
behaviorismo radical uma posição pós-moderna?
O
behaviorismo radical configura-se como um estilo de pensamento em direção ao
discurso pós-moderno, porque, primeiro, incorpora um conceito de linguagem e
significado com notáveis semelhanças com os conceitos de linguagem e
significado como uso elaborados por Wittgenstein (Abib, 1994b; Day, 1969;
Waller, 1977); e, como já foi visto, o discurso pós-moderno defende essa
filosofia da linguagem de Wittgenstein (Lyotard, 1984; Murphy, 1990; Rorty,
1980, 1990).
Segundo, a
epistemologia interativa-pragmática de Skinner (Burton, 1980; Skinner,
1956/1972,1957,1974;Zuriff, 1985) está muito próxima do behaviorismo
epistemológico de Rorty (1980) no sentido de que a justificação do conhecimento
é uma questão de prática social. Ou seja, se de acordo com Rorty, o que
substitui o fundacionismo epistemológico "é a sociologia e a história da
ciência" (p. 226), a epistemologia interativapragmática de Skinner, com as
condições que têm de investigar
a psicologia
do cientista (Zuriff), poderia compartilhar com a sociologia e história da
ciência a tarefa de investigar a natureza da ciência. Rorty (1980) não
concordaria com essa sugestão. Por exemplo, ele completa sua sentença anterior
assim: "E não é certamente a psicologia" (p. 226). Não é claro,
porém, como essa interdição de Rorty às possibilidades epistemológicas da
psicologia seria aplicável ao behaviorismo radical, porque ele se engana com
respeito ao pensamento de Skinner, identificando-o com o behaviorismo
metodológico. Por exemplo, referindo-se a Skinner, ele escreve:
"Behaviorismo metodológico de Skinner" (Rorty, p. 213). Mas, Skinner
não defende o behaviorismo metodológico, seja no sentido mais amplo, que aposta
no método científico como a marca registrada da ciência (Mackenzie, 1977;
Skinner, 1956/1972), seja no sentido mais específico, que nega a possibilidade
da ciência do comportamento investigar eventos privados (Skinner, 1945, 1974).
Terceiro, se
o behaviorismo radical é capaz de participar de uma "conversação
holística" sobre a natureza da ciência, ou de investigar a justificação do
conhecimento como uma questão de prática social, ele pode compartilhar com o
behaviorismo epistemológico as concepções de que epistemologia e hermenêutica
referem-se, respectivamente, a discursos "normais" e
"anormais", onde a ênfase do behaviorismo radical poderia ser
localizada nas dimensões psicológicas apresentadas por todos os discursos,
sejam eles "normais" ou "anormais".
Nesse
sentido, o texto de Lamal (1983) é muito mais perceptivo às similaridades
existentes nos pensamentos de Rorty e Skinner (por exemplo, a perspectiva
pragmática que compartilham) do que o texto de Woolfolk (1983). Woolfolk
comenta que "é difícil imaginar como um movimento do fundacionismo
epistemológico em direção à hermenêutica poderia resultar em uma justificação
adicional para o behaviorismo" (p. 112). No entanto, hermenêutica
representa uma longa tradição de pensamento metodológico e filosófico no
Ocidente, e é uma palavra carregada de sentido (Palmer, 1969/1986). Rorty
(1980) argumenta que seu uso de hermenêutica não significa nem o nome de uma
disciplina, nem um método de investigação, significando apenas uma atitude que
é muito próxima do pragmatismo filosófico.
O
behaviorismo radical não representa a tendência do Sistema (Establishment)
psicológico norte-americano (Day, 1983; Guttman, 1977; Smith, 1983). E Skinner
tinha consciência dessa situação. Suas últimas inquietações, escritas na noite
anterior à sua morte e postumamente publicadas, foram: "É uma questão a
ser decidida no futuro se a análise do comportamento será chamada de
psicologia" (1990, p. 210). Não se verifica aí uma profunda dúvida
hermenêutica no sentido de Rorty? E não pertence ela a uma autênticamente
pós-moderna?
A atualidade
do discurso pós-moderno, já em curso nas últimas décadas da produção
intelectual do grande psicólogo norte-americano, talvez possa se constituir
naquele futuro a que ele se referia, seja para ajudar a esclarecer a
originalidade de um pensamento difícil de ser compreendido com base nos
pressupostos e temas do discurso moderno, seja para, com essa elucidação,
contribuir para a reflexão sobre o behaviorismo radical como um tipo de
epistemologia do presente, com notáveis condições de defender a análise do
comportamento não somente como psicologia, mas sobretudo e especialmente, como
uma psicologia com possibilidades de sugerir diretrizes para projetos
pós-modernos de psicologia.
Finaliza-se
esse texto com o pressentimento de que se o discurso pós-moderno vingar,
Skinner provavelmente será melhor compreendido no próximo século.
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Recebido em
09.09.1998
Aceito em
09.03.2000
ABIB, J.. Behaviorismo Radical e Discurso Pós-Moderno. Psicologia: teoria e pesquisa, Brasília, Vol. 15, N. 3, set. 2011. Disponível em: <http://www.red.unb.br/index.php/psic/article/view/4916/4128>. Acesso em: 11 Fev. 2012.