Atualidade das críticas ao Behaviorismo Radical: proposta
de uma agenda de pesquisa.
Carlos Eduardo Lopes - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campus Paranaíba
Falar da importância da crítica na construção do
conhecimento científico é lugar comum mencionado na maioria dos
manuais de metodologia científica
(e.g. Bachelard, 1965/1974; Köche,
2002). No caso da Psicologia, essa correção
oferecida pela crítica, muitas vezes,
não é alcançada devido à multiplicidade de linhas teóricas e a exacerbada especialização que ocorre
dentro de cada linha. É o caso, por exemplo, de periódicos que, devido à sua
especificidade, acabam por
excluir críticas, provenientes de
outras áreas, aos assuntos-alvo do
próprio periódico.
Facilitar essa correção embasada em críticas consistentes
de certos aspectos do Behaviorismo Radical é o objetivo do livro Behaviorismo Radical:
Crítica e Metacrítica do Professor
Kester Carrara, que ganhou,
em 2005, uma segunda edição revisada e amplia- da. A partir de uma
cuidadosa e elegante análise das críticas tradicionalmente endereçadas ao
Behaviorismo Radical, o Professor Carrara avalia a pertinência de tais críticas
sugerindo, por fim, uma agenda de pesquisa que visa corrigir algumas lacunas da Análise do Comportamento.
Embora o objeto
de análise do
livro seja o Behaviorismo Radical
(o que é evidenciado pelo próprio título), nos primeiros capítulos encontramos uma retomada da história do Behaviorismo desde os primeiros textos de Watson,
passando por Tolman e
Hull e chegando, finalmente, à
obra de Skinner. Nessa (nem
tão) breve história, concluímos com o autor que, ora pelo
conteúdo de suas teses (calcadas basicamente na crítica ao mentalismo), ora
pelo modo como essas foram apresentadas (de
maneira enfática e, muitas vezes,
irônica), um grande volume de críticas
sempre acompanhou o Behaviorismo.
O que deve ser destacado nessa parte histórica do livro do Professor Carrara é seu interessante
capítulo sobre Watson (capítulo 2), em
que as discussões sobre as principais influências epistemológicas e
históricas do “arquibehaviorista”
(como o materialismo, o mecanicismo, o positivismo, o
evolucionismo) são esmiuçadas de maneira clara e cuidadosa. É possível afirmar, mesmo com o risco de
cometer uma injustiça com outros autores, que um tratamento desse porte
da obra de Watson não encontra
paralelo em publicações nacionais.
Em relação ao Behaviorismo Radical, propriamente dito,
o tratamento é extremamente bem articulado e fundamentado. Merece especial atenção o número de referências (tanto de
livros quanto de artigos),
que surpreende e revela outra
virtude do livro: trata-se de
uma ótima fonte
bibliográfica para estudos subseqüentes.
Em vista da diversidade de assuntos
abordados pela crítica analisada, mesmo quem
conhece a literatura
especializada sobre o Behaviorismo
Radical, em algum momento ver-se-á consultando a bibliografia do livro com o
intuito de verificar alguma referência desconhecida.
Voltando ao objetivo
principal do livro, a apresentação das críticas
dirigidas ao Behaviorismo Radical
segue uma categorização (considerada pelo autor como
meramente didática, uma vez que na
apresentação original das críticas os limites
não são tão nítidos) em três dimensões: “conceitual-filosófica”,
“científico-metodológica” e “ético-social” (o que nos
faz lembrar da famosa
divisão da Filosofia em “ontologia”, “epistemologia” e “ética”). Além
disso, há uma quarta categoria de “miscelânea”, na qual são debatidos, rapidamente,
algumas aproximações e distancia- mentos entre o Behaviorismo Radical e Psicanálise, Neurofisiologia, Etologia, Fenomenologia, Humanismo, Behaviorismo Social, e
Cognitivismo.
Sem dúvida, a maior relevância da análise das críticas
seja mostrar sua pertinência, o que é conseguido por meio de uma metacrítica,
ou seja, de uma crítica das críticas. Evidentemente, os analistas do comportamento e o próprio Skinner (e. g. 1974) reconhecem que muitas das críticas
dirigidas ao Behaviorismo
Radical, e à Ciência do Comportamento embasada por essa
filosofia, são vazias
(freqüentemente, confunde-se o Behaviorismo Radical com o Behaviorismo Metodológico e até mesmo
com o Behaviorismo Clássico de Watson).
Sem ignorar esse “erro de
endereçamento”, a análise
metacrítica do Professor Carrara mostra que há uma
série de críticas que
são bastante pertinentes e que,
por isso, reclamam uma consideração mais cuidadosa dos
analistas do comportamento. Vale
mencionar aqui, mesmo que en
passant, os principais aspectos da crítica que são apontados no livro como
relevantes.
Algumas críticas relevantes ao Behaviorismo Radical
Uma primeira
questão retomada pelo livro do Professor
Carrara é o reducionismo no Behaviorismo
Radical. De modo geral,
a
crítica parte do fato de que se os, assim chamados,
fenômenos mentais podem ser interpretados em termos de comportamento, o
Behaviorismo Radical opera uma
“redução comportamental”. Resta, então,
avaliar o alcance desse tipo de
reducionismo.
Avançando um
pouco a análise pro- posta
pelo Professor Carrara, podemos dizer que quando Skinner (1974) interpreta conceitos mentais em
termos de comportamento, seu interlocutor é o
mentalismo. Uma vez que o
mentalismo defende a existência de uma mente não-física que causa o
comportamento, ele pode ser considerado
como um posiciona- mento ontológico.
Nesse sentido, o Behaviorismo Radical opera
um reducionismo ontológico
(nega a existência desse tipo
de mente e interpreta os
conceitos mentais em termos de comportamento). No entanto, como essa negação
da existência de uma mente não-física está restrita ao diálogo com o
mentalismo, o Behaviorismo Radical
não parece operar um reducionismo comportamental ascendente (do fisiológico ao comportamental), nem descendente (dos
fenômenos sociais aos comportamentais). Com isso, o Behaviorismo Radical
parece ser melhor avaliado, pelo menos
no seu diálogo com outras disciplinas, de uma perspectiva emergentista.
Contudo, segundo o Professor Carrara, a questão do
reducionismo aflige nem
tanto os
pressupostos teórico-filosóficos
(reducionismo de princípio), mas
sim, a atuação de analistas do
comportamento (reducionismo de prática). De acordo com o autor, a Análise do Comportamento Aplicada tende a
reduzir indevidamente casos complexos a protótipos extraídos, sobretudo, de
estudos experimentais de laboratório. Essa questão anuncia outras críticas,
como o posicionamento acerca da continuidade entre espécies e a
relação entre dados experimentais e aplicação.
Devido à influência do
darwinismo, o Behaviorismo em
geral, e o Behaviorismo
Radical em particular, lançaram mão de
uma série de pesquisas com
animais não humanos amparados em uma
suposta continuidade interespecífica. No entanto, com o avanço da
área, essa continuidade aos poucos deixa
de ser um pressuposto teórico para tornar-se uma
questão empírica: passível de ser resolvida por novas
pesquisas com humanos e de uma
comparação sistemática com
pesquisas similares em não-humanos.
Em relação à díade laboratório versus mundo real,
embora a discussão seja antiga, a
atitude de muitos analistas do comportamento revela a necessidade de uma retomada de alguns pontos da questão. A própria formação acadêmica
desses profissionais é um dos aspectos
que precisa ser
considerado com mais delonga. As
aulas de laboratório não deveriam funcionar como um protótipo do funcionamento
do mundo real, mas simplesmente
para “treinar nosso olhar”:
para ensinar para onde
devemos olhar e, principalmente,
o que devemos ver. Nas palavras de Skinner (1969) “com a ajuda de tais
equipamentos [de laboratório], juntamente com
as técnicas experimentais
para as quais eles foram
planejados, nós começamos a ver contingências de reforçamento” (p. 08).
Nesse sentido, no contexto da formação, o laboratório não deveria ser
encarado como um modelo do mundo, mas como
um ambiente artificial planejado
para treinar futuros analistas do comportamento. Já no contexto da
pesquisa e aplicação, o laboratório deveria ter uma função heurística,
ou seja, dirigir nosso olhar
para algumas das variáveis envolvidas no fenômeno estudado, de
modo que uma futura atuação torne-se mais efetiva. Com isso, o laboratório deveria ser
considerado com uma etapa fundamental,
porém preliminar, na construção do conhecimento acerca do comportamento humano:
com o desenvolvimento da Análise do
Comportamento espera-se um aumento
de pesquisas com humanos em ambiente
natural.
Já quando o laboratório é visto como protótipo para atuação,
há uma inversão perniciosa: tenta-se
adequar o mundo ao modelo. Não há novidade em dizer que o laboratório, por ambicionar um
controle estrito de variáveis, eventualmente, deixa de
fora variáveis que podem estar
atuando na situação natural
(e.g. Cozby, 1977/2003). Isso cria um problema suplementar quando o assunto em tela são fenômenos sociais complexos como a
linguagem, as instituições sociais, e as
práticas culturais. Nesse caso, como
dificilmente será possível criar um ambiente social experimental, há uma tendência em aplicar modelos experimentais à análise desses
fenômenos.
Ao explicar os
fenômenos sociais por meio de modelos
experimentais opera-se um reducionismo indevido: encara-se um fenômeno
comportamental complexo como uma
mera soma de
fenômenos comportamentais simples. Uma das conseqüências mais patentes
desse reducionismo é a omissão de importantes
variáveis na análise dos fenômenos
sociais complexos como, por exemplo, o contexto
social, político, econômico,
nutricional, familiar, etc.
Diante desse estreitamento da análise de variáveis
envolvidas nos fenômenos sociais, o Professor Carrara propõe uma ampliação do
escopo de análise ou, em seus termos, uma Análise
do Comportamento Contextualista. Trata-se de uma
retomada de alguns aspectos da análise
molar do comportamento (proposta
inicialmente por Tolman,
1967/19323) e,
conseqüentemente, de um afastamento de
alguns fantasmas que sempre perseguiram o Behaviorismo em geral, e o Behaviorismo Radical em particular, como, por exemplo, o
mecanicismo (Carrara & Gonzalez, 1996). Mas isso não é tudo. Ao ampliar a análise de variáveis, a Análise do Comportamento Contextualista
volta-se, inevitavelmente, para
problemas sociais, uma vez que,
agora, variáveis de ordem sócio econômicas
e políticas tornam-se relevantes.
Isso responderia à crítica de que, devido a algumas
afinidades com o Positivismo, o Behaviorismo Radical estaria comprometido
inevitavelmente com ideais reacionários
e antidemocráticos. Contrariando essa visão,
o Professor Carrara, retomando alguns pontos defendidos por Holland
(1974, 1978), argumenta que a parca
participação da Análise do Comportamento em uma
atuação dirigi- da para princípios de igualdade e melhora na qualidade
de vida da coletividade não é uma
questão de princípio, ou seja, não está teórica e inevitavelmente fundamentada
pelo Behaviorismo Radical. O
maior responsável por essa falha
da Análise do Comportamento é, possivelmente, a filiação de analistas do comportamento
ao mito da neutralidade científica.
Seguindo a análise do Professor Carrara, diferente do
que já se defendeu no passado, o fazer
ciência tem conseqüências sociais relevantes que deveriam interferir nessa atividade (e.g. Bachrach, 1965/1974).
Isso quer dizer que ao produzir conhecimento o cientista sempre
se compromete com questões ético políticas que,
em última instância, vão desde a
manutenção de desigualdades sociais até
a possibilidade de mudanças
na direção de uma maior
igualdade entre os indivíduos.
Com isso, quer queira ou não, o analista do comportamento sempre tem
um papel social (seja de manutenção da
desigualdade, seja de catalisador de mudanças).
Nesse sentido,
não se trata de afirmar (como parece
fazer parte da crítica) que o Behaviorismo Radical, quase
que inevitavelmente, culmina em
atuações antiéticas, mas de mostrar que
a falta de um direcionamento ético
faz com que as
práticas embasadas nessa filosofia da ciência do comportamento acabem por
fortalecer (ou, pelo menos, nada fazer para mudar) as desigualdades sociais.
No entanto, para que essa nova equalização dos
objetivos do Behaviorismo Radical seja
possível faz-se necessário uma discussão
aprofundada de questões éticas no interior dessa filosofia da ciência do
comportamento. Infelizmente, tais
discussões são ainda incipientes,
o que nos coloca
diante de um paradoxo: por
um lado, defende-se que o fazer científico deve
ser eticamente orientado, mas por
outro, não há ainda uma
discussão ética aprofundada o suficiente para tal direciona- mento.
Isso nos leva a concluir, com o autor, que um
maior investimento em discussões sobre ética
e política no Behaviorismo Radical
parece fundamental. Talvez um
primeiro aspecto nessa discussão seja definir, de maneira
clara, os valores dessa ética que dirigirá o fazer ciência. Embora o
livro não mencione esse ponto, parece
que a definição dos valores dessa
ética envolve muito mais do
que o emprego da expressão (repetida ad nauseam em discussões sobre ética no Behaviorismo Radical) “sobrevivência das culturas”. Por outro lado, também não parece ser um caminho promissor retomar conceitos
vagos como “felicidade”, “bem-estar”, “prazer”, etc. para definir os valores
dessa ética. Questões como “em
que medida determinada prática do analista do comportamento contribui para a melhora
na qualidade de vida dos
indivíduos?” ou “essa prática está
voltada para a sobrevivência das culturas?” só poderão ser respondidas
quando formos capazes de avaliar a “qualidade de vida” ou a “sobrevivência das culturas”; ou seja,
quando definirmos de maneira inequívoca
o significado dessas expressões. Evidentemente, o escopo das
variáveis que controlam a emissão dessas
respostas verbais é bastante amplo
indo desde a nutrição até o tempo
e o tipo de lazer disponível a um indivíduo. Nessa ampliação do escopo de análise, reencontramos a proposta de uma Análise do Comportamento Contextualista.
Por fim, é possível sumarizar o sentido do livro do Professor Carrara como uma proposta,
fundamentada pela metacrítica, de uma
futura agenda de pesquisa
(teórico-conceitual, básica e aplicada)
da Análise do Comportamento. O
que chama a
atenção nessa proposta é fato dela ter sido formulada pela primeira vez em 1998 (na primeira edição do
livro) e continuar válida até hoje. Em suma, parece
que nesses dez
anos a Análise do Comportamento
ainda não se voltou para a crítica de maneira satisfatória. Para os analistas do comportamento resta, então,
comportar-se para que a terceira
edição do livro do Professor Carrara deixe de
ser tão atual quanto é a segunda.
Referências
Bibliográficas
Bachrach, A. J.
(1974). Introdução à pesquisa psicológica. Tradução de G. P. Witter. São Paulo: EPU.
(Trabalho original publicado em 1965)
Carrara, K. (2005). Behaviorismo Radical: Crítica e
metacrítica, 2ª. Edição. São Paulo: Editora Unesp.
Carrara, K. & Gonzalez, M. H. (1996).
Contextualismo e mecanicismo: Implicações conceituais para uma
análise da Analise do Comportamento. Didática, 31, 197-217.
Cozby, P. C. (2003). Métodos de pesquisa em ciências
do comportamento. Traduzido por P. I. C. Gomide
& E. Otta. São Paulo: Editora Atlas. (Trabalho
original publicado em 1977)
Foulquié, P. & Deledalle. G. (1965). A psicologia
contemporânea. Traduzido por H. C. Campos. São
Paulo: Companhia Editora Nacional. (Trabalho original
publicado em 1951)
Holland, J. G. (1974). Servirán los principios
conductuales para los revolucionarios? Em F. S.
Keller & E. Ribes (Orgs.) Modificación de conducta: aplicaciones a la
educación, pp. 265-281. México: Trillas.
Behavior Analysis, 11, 163-174.
Köche, J. C. (2002). Fundamentos de metodologia científica:
Teoria da ciência e iniciação à pesquisa, 20ª.
Edição atualizada. Petrópolis: Editora Vozes.
Koffka, K. (1935).
Principles of Gestalt psychology. New
York : Harcourt, Brace and Company. Skinner, B. F. (1969). Contingencies of reinforcement:
A theoretical analysis. New York : Appleton-
Century-Crofts.
Skinner, B. F. (1974). About behaviorism. New York :
Appleton-Century-Crofts.
Smith, L. D. (1986). Behaviorism and Logical
Positivism: A reassessment of the
alliance. Stanford: Stanford
University Press.
Tolman, E.
C. (1967). Purposive
behavior in animals
and men. Appleton-Century-Crofts.
(Originalmente publicado em 1932)
Recebido em: 10/02/2008
Primeira decisão editorial em: 18/02/2008
Versão final em: 26/04/2008
Aceito para publicação em: 20/05/2008
Postado por Hilton Caio - UFGD