Simone Neno Cavalcante
A depressão passa a existir a
partir de uma interação social dada e, desse modo, pode ser compreendida como
um fenômeno cuja dimensão maior ou primária é um processo de interação social.
Assim, é multidefinida e sempre resultado de uma nomeação regulada pela
comunidade.
I - Depressão:
Etiologia e Tratamento.
Tem sido argumentado que no
tratamento da depressão, embora coexistam alguns achados contraditórios,
"as conclusões mais geralmente aceitas são as de que uma combinação de
terapia cognitiva e medicação antidepressiva parece ser melhor que uma das
alternativas isoladamente, que são comparáveis e melhor do que placebo ou o
controle de tratamento mínimo" (Dougher e Hackbert, 1994,p.321).
Por outro lado, Antonuccio,
Danton e De Nelsky (1995) informam, a partir de pesquisas conduzidas nas áreas
de psiquiatria e psicologia, que a terapia (particularmente a
cognitivo-comportamental) tem se mostrado "pelo menos tão efetiva quanto a
medicação no tratamento da depressão, mesmo que severa"(p.12). Argumentam
que apesar das evidências da eficácia das intervenções psicológicas e dos
riscos e efeitos colaterais das drogas, nos Estados Unidos os medicamentos
antidepressivos têm sido o recurso mais utilizado no tratamento da depressão.
Sustentam que esta adesão pode ser explicada, em parte, pelo marketing efetivo
em prol dos medicamentos, pelas altas taxas de reembolso de seguro-saúde, que
privilegiam intervenções médicas em detrimento da psicoterapia (geralmente 80%
e 50%, respectivamente) e pela influência exercida por algumas organizações de
ajuda para a adoção de um tratamento aparentemente mais rápido e efetivo.
A propagação da suposta
eficácia da farmacoterapia tem impulsionado um grande número de pesquisas (por
exemplo, Casey, 1994; Preskorn, 1994; Thompson, 1994) voltadas para a
descoberta de novos medicamentos que, agindo de maneira mais seletiva,
diminuiriam os efeitos colaterais adversos associados aos tratamentos tradicionais,
evitando, inclusive, as consequências nocivas das drogas sobre mecanismos que
não são essenciais para a resposta antidepressiva. Iniciativas dentro dessa
linha são as pesquisas com os inibidores seletivos de recaptação de serotonina
(ISRS)1 em relação aos inibidores da monoaminoxidase e aos
antidepressivos tricíclicos.
Ainda que seja admitido que
as atuais linhas de pesquisas sobre a depressão têm gerado dados úteis para
efeito de intervenções de tratamento, também é reconhecido que a literatura não
provê uma explicação adequada para a etiologia e tratamento do fenômeno de um
ponto de vista analítlco-comportamental. A ênfase recai nos processos
biológicos e
cognitivos e não nas relações
ambiente-comportamento (cf. Dougher e Hackbert, 1994). De uma perspectiva
analítico-comportamental, dois aspectos desses modelos são especialmente
problemáticos: a noção de causação interna do comportamento e a definição de
depressão pelos sintomas.
I.1. A causação
interna do comportamento: a busca de fatores psicológicos subjacentes.
A crença na determinação do
comportamento por eventos interiores está amplamente disseminada em nossa
cultura e é não raro sustentada pela própria psicologia.
De fato, na cultura
ocidental, causas internas têm sido historicamente legitimadas como as
explicações mais plausíveis para o comportamento (cf. Skinner, 1974). Um
exemplo contemporaneamente ilustrativo de apelo a explicações internalistas do
comportamento é a terapia cognitivo-comportamental, que reserva às estruturas
cognitivas status de entidades causais. No caso da depressão, as abordagens
cognitivas tentam modificar crenças e expectativas irracionais, desenvolvidas a
partir de experiências prévias (ver, por exemplo, Beck, Rush, Shaw& Emery
1979/1982; Jarrett e Nelson, 1987). Esse entendimento leva à busca de processos
psicológicos subjacentes internos que seriam determinantes do comportamento,
reforçando a crença de que pensamentos são causas de comportamento. Este modo
de análise seria, portanto, incompatível com o princípio de determinação
externa do comportamento.
I. 2. A visão cultural dos problemas
psicológicos: a depressão definida pelos sintomas.
Ao lado de outros fatores,
múltiplas influências culturais podem contribuir para a depressão como, por
exemplo, a crescente alienação e estresse presentes nas sociedades industriais
e crenças culturais acerca do comportamento humano. Neste último caso, a crença
de que eventos internos são as causas do comportamento e o conceito de saúde
psicológica, propagado pela mídia -que reúne elementos como garantia de
recursos económicos suficientes, prazer e relações humanas tranquilas e
ausência de sentimentos e pensamentos perturbadores- seriam particularmente
úteis para uma melhor compreensão da depressão (Dougher e Hackbert, 1994).
Dougher e Hackbert (1994)
chamam atenção para o fato de que os "problemas psicológicos" são
definidos em grande extensão pela presença de sintomas, freqüentemente
traduzidos em termos de sentimentos e pensamentos, a exemplo do sistema de
classificação do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais.
O Manual é uma
"classificação... que divide [ou categoriza] os transtornos mentais em
tipos a partir de um conjunto de critérios com características que os
definem"(APA, 1994, p., xxi). Na versão atual do Manual, o DSM-IV (1994),
o foco de Interesse está concentrado na descrição e manifestação dos sintomas.
Os principais sintomas da depressão estão incluídos sob o título geral de
Transtornos Depressivos e incluem humor deprimido, interesse ou prazer
diminuído nas atividades, distúrbios de apetite (ganho ou perda de peso),
distúrbios do sono (insônia ou hipersonia), uma redução geral do nível de
atividade, agitação ou ansiedade, fadiga ou perda de energia, sentimento de
inutilidade ou culpa, confusão cognitiva e ideação suicida. Em função da
heterogeneidade das apresentações clínicas, é facultado ao indivíduo apresentar
um subconjunto dos itens derivados de uma lista mais extensa para, assim, ser
considerado como integrante de uma determinada categoria.
Diante dos sinais de uma
provável patologia, a exemplo da depressão, uma reação típica dos indivíduos é
tentar reprimir ou controlar experiências privadas indesejadas. Os sintomas
individuais de depressão são geralmente descritos na literatura como déficits
comportamentais, afetivos ou cognitivos, como disposto no sistema categorial
adotado pelo DSM IV. A grave restrição ao uso do sistema DSM é a ênfase
atribuída à topografia comportamental em detrimento da identificação de
relações de contingência. Apesar desse fato, esse tipo de classificação pode
ter a sua utilidade testada à medida que aponte para, as importantes relações
de controle, possibilitada a partir de uma análise funcional2,
com base em conceitos e princípios comportamentais validados (Hayes e Follette,
1992).
A visão cultural dos
problemas psicológicos surgiria, nesse contexto, como um agravante, uma vez que
definida, em grande extensão, pela presença de "sintomas" traduzidos
simplesmente por certos sentimentos e pensamentos. Nesse sentido, um estudo
sobre a depressão implica examinar, também, a noção de evento
"subjetivo" ou "psicológico" com a qual se está operando,
enquanto categoria à qual problemas como a depressão são pertinentes.
II - O Behaviorismo Radical e a Temática
da Subjetividade.
O behaviorismo surgiu no
Início do século XX, impondo-se a tarefa de criar uma disciplina psicológica
desvinculada metodologicamente da filosofia, o que significava rejeitar o
dualismo filosófico e romper com o método introspectivo.
O behaviorismo radical de
Skinner, classificado por Moore (1995) como "uma forma de neobehaviorismo
no sentido cronológico"(p.6), é um empreendimento que se coloca contra
qualquer tipo de mentalismo. Mais do que isso, concebido como a filosofia da
ciência do comportamento (Skinner, 1974), o behaviorismo radical propõe uma
mudança na forma de pensar sobre o homem ao examinar criticamente questões para
as quais a psicologia tradicional não tinha, segundo Skinner, oferecido
respostas satisfatórias.
II. 1. O conceito skinneriano de evento
privado.
O behaviorismo radical admite
que dentre as variáveis relacionadas com o comportamento humano algumas estão
acessíveis apenas a uma pessoa e podem desempenhar um papel importante na
determinação do comportamento. Isso não permite que se conclua que os fenômenos
subjetlvos sejam dotados de propriedades especiais (cf.Moore, 1995). Skinner
referiu-se a esses fenômenos como eventos privados, relacionados a condições
físicas privadas e a comportamentos encobertos. Em qualquer dos dois casos, não
explicam o comportamento; são fenômenos comportamentais adicionais a serem
explicados.
Como Moore (1995) ressalta,
"esses fenômenos não modulam, necessariamente, todas as formas de
atividade manifesta"(p.7). Quando desempenham papel funcional, este só
pode ser compreendido à luz da história passada de exposição do indivíduo a
certas contingências de reforçamento. A característica que os distingue dos
eventos publicamente observáveis é que eles são os únicos cujo acesso direto só
é permitido ao próprio Indivíduo. O problema da privacidade resume - se para
Skinner, num problema de acesso, e não de natureza.
Ao conceber os eventos
privados como fenômenos dotados de dimensões físicas. Skinner admite a
possibilidade de que venham a ser examinados cientificamente, ainda que permaneçam
inacessíveis a uma observação pública direta. A qualidade de um conceito
científico deve ser julgada não pela sua Endereço para correspondência com
referentes públicos -como apontado pela versão de operacionismo defendida pelo
behaviorismo metodológicómas pelo que permite em termos de interação do
cientista com o objeto de sua investigação (cf. Skinner, 1945).
A partir de uma concepção
funcional da linguagem, Skinner introduz a privacidade em seu projeto
particular de behaviorismo. O comportamento verbal deveria ser explicado como
função de contingências de reforçamento providas por uma comunidade verbal.
Nesse caso, a instalação de um repertório autodescritivo de eventos privados
seria feita pela comunidade verbal que, através de determinadas estratégias,
ensinaria o indivíduo a responder discriminativamente a si mesmo.
Skinner sugere quatro
estratégias através das quais a comunidade procura tornar possível ao indivíduo
o aprendizado de respostas verbais a estímulos privados. No entanto, nenhuma
das estratégias sugeridas mostrou-se suficiente para prover a instalação de um
repertório verbal confiável a respeito dos estímulos privados. Todas seriam
passíveis de erro ou de limitação na sua aplicação, uma vez que a comunidade
não tem acesso direto aos eventos privados de um indivíduo (ver, a propósito,
Malerbi e Matos, 1992).
As respostas aos estímulos
privados não parecem diferir das respostas aos acontecimentos públicos ...
(mas) o investigador não pode, de imediato, apontar os estímulos aos quais deve
recorrer para a previsão e o controle do comportamento. É possível que este
problema eventualmente seja resolvido pela melhoria das técnicas fisiológicas,
que tornarão públicos os eventos privados. No campo verbal, por exemplo, se
fosse possível dizer precisamente que acontecimentos no interior de um
organismo controlam a resposta estou
deprimido e, especialmente,
se pudéssemos produzir esse acontecimento à vontade, poderíamos atingir o grau
de previsão e controle característicos das respostas verbais aos estímulos
externos (Skinner, 1957/1992, p.130, itálico do original).
II.2. (Re) definindo a
depressão.
A palavra depressão, do
francês dépression (originária do latim depressione), é definida no século
XVIII como abaixamento (Machado, 1977). Uma definição mais contemporânea
(Ferreira, 1986) revela significados que se relacionam tanto à anatomia
(achatamento ou cavidade superficial), quanto à astronomia (distância angular,
medida sobre um círculo vertical, entre um ponto da esfera celeste abaixo do
horizonte e este último; altura negativa) e à economia (situação em que os
volumes de consumo e de produção per capita e o número de empregados são
inferiores aos normais, havendo recursos económicos não utilizados ( Cf., nesta
acepç., crise). A palavra conserva, ainda, o significado original de
abaixamento (resultante de pressão ou de peso), além do significado de diminuição
e redução; letargia. A definição contemporânea inclui, ainda, o significado da
palavra entre a psiquiatria ( distúrbio mental caracterizado por desânimo,
sensação de cansaço, e cujo quadro muitas vezes inclui, também, ansiedade em
grau maior ou menor) e, finalmente, o sentido figurativo (abatimento físico ou
moral), que sugere uma dimensão física e uma "subjetiva".
Skinner (1989) salienta que
todas as palavras usadas para designar sentimentos começaram como metáforas.
Assim, depressão, na forma como foi definida pela psiquiatria (e incorporada à
linguagem do senso comum), guarda semelhança, de maneira metafórica, com o
sentido figurado da palavra e com a forma com que esta foi originalmente
concebida (abaixamento). É, portanto, o abatimento físico e moral; o
abaixamento; é o "fundo do poço" que aparece na fala dos deprimidos.
Para o behaviorismo radical,
é nas relações com o ambiente externo que devem ser buscadas as explicações
para o comportamento, que seria o produto de três tipos de seleção: a seleção
natural (ou filogênese), o condicionamento operante (ou ontogênese) e a
evolução das contingências sociais do comportamento (cultura) que explicam os
amplos repertórios característicos da espécie humana. Neste caso (como já foi
assinalado), a depressão pode ser melhor descrita como um padrão de interação
com o ambiente e, como produto de seleção, antes de ser classificada como
patológica, deve ser compreendida a partir da análise das contingências que a
mantém.
Como observa Tourinho
(1997a), "numa perspectiva comportamental, é apenas a partir de
contingências sociais que os indivíduos vêm a reagir de um modo particular a
suas condições corporais; as contingências e os modos de reação, por outro
lado, são verbais" (p.179, itálico do original). Isso significa dizer que
ao considerar as descrições de "depressão" de um indivíduo, deve-se
levar em conta que: ...antes que um indivíduo interaja com uma comunidade
verbal suas condições corporais não são experimentadas como dor, depressão, amor, etc. elas são apenas alterações
fisiológicas indiferenciadas
para o indivíduo no corpo de quem ocorrem .... ou seja, o privado enquanto fenômeno
psicológico tem uma existência determinada e limitada pelas práticas sociais
com as quais interagimos .... E como essa interação é predominantemente verbal,
é através da análise do fenômeno verbal que podemos vislumbrar um modo de lidar
com a privacidade (Tourinho, 1997a, p.180. itálico do original).
Os relatos de eventos
privados, dentro de certos limites, podem ocorrer sob controle de estimulações
internas associadas aos eventos públicos. Nesse caso particular, a participação
do evento interno no controle discriminativo da resposta depende de sua
Endereço para correspondência com condições públicas.
Por exemplo, se alguém chega
ao terapeuta e se descreve como deprimido, a condição interna sob controle da
qual a resposta é emitida pode ser qualquer uma, variando de indivíduo para
indivíduo, e até mesmo para um mesmo indivíduo em diferentes momentos, desde
que esteja associada a um padrão de respostas públicas com base no qual a
comunidade descreve alguém como deprimido (Tourinho, 1997b, p. 224).
III - Alguns Aspectos da Depressão a
partir dos Conceitos e Princípios Comportamentais.
Dougher e Hackbert (1994)
analisam alguns padrões de interação com o ambiente apresentados por indivíduos
classificados como deprimidos. Os princípios específicos enfatizados incluem:
a) funções consequenciais, b) funções respondentes, c) funções estabelecedoras
e d) processos verbais.
III. 1. Funções conseqüenciais.
Baixa densidade de
reforçamento. Ferster
(conforme citado por Dougher e Hackbert, 1994) ressaltou que a redução de
certos tipos de atividades, acrescida de uma alta incidência de reclamações,
choro e irritabilidade é a característica mais patente do depressivo. A
explicação para a baixa taxa de comportamento seria uma escassez relativa de
reforçamento. Na avaliação de Lewinsohn e cols. (conforme citados por Dougher e
Hackbert, 1994) no entanto, o ponto crítico não seria a densidade de
reforçamento em si, mas a taxa de reforçamento positivo contingente à resposta,
o que valida a conclusão de que a depressão pode ser gerada quando o
reforçamento por não responder é maior que o reforçamento por responder.
A escassez de reforçamento
social -causada, entre outros fatores, por um repertório social inadequado-tem
sido apontada como relevante para o início e manutenção da depressão. Lewinsohn
e Libet e Lewinsohn (conforme citados por Dougher e Hackbert, 1994) têm
demonstrado que o comportamento dos depressivos não favorece a obtenção e
manutenção da interação social e são geralmente vistos como aversivos e
evitados por outros.
Extinção. Frequência reduzida ou um
nível cronicamente baixo de comportamento pode levar à extinção. Pesquisas
conduzidas com animais demonstram que há respostas de depressão quando a
extinção geral é introduzida após uma história de reforçamento. Diante de um
processo de extinção lento e gradual, pode haver dificuldade na identificação
da origem da depressão. Entretanto, o mais comum é a procura por tratamento
após uma perda importante ( por exemplo, a morte de uma pessoa significativa; o
rompimento de um relacionamento afetivo; a perda de um emprego; aposentadoria
etc). Ainda que os efeitos de uma perda súbita de reforçamento afetem qualquer
pessoa, os indivíduos com repertório suficiente seriam capazes de encontrar
outras fontes de reforçamento. O ponto crítico, nesse caso, seria a
disponibilidade de repertório adequado para obter fontes alternativas de
reforçamento. Nesse sentido, o cultivo de uma variedade de fontes de reforçamento
e de atividades reforçadoras seria uma boa inoculação contra a depressão
(Dougher e Hackbert, 1994).
Punição. A depressão crônica é comum
entre os indivíduos com histórias de punição prolongadas e inevitáveis, tais
como as associadas a abuso físico e/ou sexual de crianças ou associadas a pais
excessivamente críticos e exigentes. O fato seria agravado quando o
comportamento defensivo ou retaliatório engendrado pela punição resultasse,
também, em punição (Dougher e Hackbert 1994). Os trabalhos sobre desamparo
aprendido (ver, por exemplo, Seligmam,1975) sugerem que estimulação aversiva
inevitável provoca redução comportamental e interfere no efeito subsequente de
contingências de reforçamento. Hunziker (1993) explica que: O estudo do
desamparo se destaca pela análise da história passada como um evento crítico na
determinação do comportamento presente. Na maioria dos estudos animais, o
desamparo tem sido caracterizado pela dificuldade de aprendizagem operante
apresentada por sujeitos submetidos previamente a eventos incontroláveis
(não-contingentes). Via de regra, esses eventos correspondem a estímulos
averslvos (geralmente choques elétricos) cuja ocorrência independe do
comportamento do sujeito. A dificuldade em aprender tem sido avaliada
comparando-se o comportamento desses sujeitos frente a contingências operantes
(principalmente de fuga ou esquiva) com o comportamento de sujeitos previamente
submetidos a choques controláveis ou a nenhum choque: nessa comparação, maiores
latências das respostas de fuga/esquiva, ou a não aprendizagem dessas
respostas, caracteriza o desamparo.... Diferentes formulações teóricas foram
apresentadas para explicar o desamparo ... essas hipóteses sugerem que a
dificuldade de aprendizagem operante observada nesses estudos é meramente um
subproduto da baixa atividade locomotora dos animais e não um processo de
aprendizagem em si.
Entretanto, a hipótese que
ganhou maior projeção na análise desse fenômeno não atribui à atividade um
papel crítico. Segundo alguns autores, os indivíduos submetidos à
incontrolabilidade aprendem que os eventos do meio ocorrem independentemente do
seu comportamento e essa aprendizagem interfere na aprendizagem oposta de fuga
ou esquiva...Essa hipótese recebeu o mesmo nome do fenômeno que se propõe a
explicar (learned helplessness hypothesis) o que gera muitas vezes confusão
entre o fenômeno e a sua explicação. Apesar dessa mistura indesejável, esta é a
única formulação teórica que analisa o desamparo diretamente como um processo
de aprendizagem associativa e não como subproduto de outros processos, análise
essa que tem se revelado mais consistente com os dados experimentais que a
proposta da inatividade...(p.491).
Hunziker (1993) argumenta que
embora predomine na literatura a idéia de que o desamparo tem se revelado um
modelo comportamental útil na pesquisa experimental de depressão, um exame da
maioria dos trabalhos produzidos demonstra falta de rigor conceituai e falhas
metodológicas (ver, a propósito, Hunziker, 1982).
Reforçamento de
comportamento que evidencia manifestação de sofrimento (reinforcement of distressed
behavior).
É freqüente entre os
indivíduos depressivos uma alta taxa de comportamento de sofrimento, que inclui
reclamação, choro e irritabilidade. Ferster ( conforme citado por Dougher e
Hackbert, 1994), sustenta que esses são tipos de comportamento de fuga e
esquiva mantidos por reforçamento negativo. Expressões faciais de tristeza,
determinadas posturas corporais e queixas, serviriam para reduzir a
probabilidade de estimulação aversiva de outros. Esse repertório seria
facilmente estabelecido em ambientes muito punitivos. "Além de reduzir a
estimulação aversiva, o comportamento de sofrimento é, algumas vezes,
positivamente reforçado pelo aumento de simpatia e atenção social [contudo],
mesmo quando ele aumenta a simpatia a curto prazo...é percebido por outros como
sendo aversivo...[sendo evitado pelas pessoas (Dougher e Hackbert, 1994, p.
324). Essa evitação resultaria em remoção da fonte de reforçamento para a
pessoa depressiva, cujo resultado, geralmente, implica a exacerbação da
depressão.
III.2. Funções
respondentes.
O estado afetivo (sentimentos
e reações emocionais) associado à depressão precisa ser examinado com cautela,
porque é o sintoma diagnóstico primário da depressão e, via de regra, a razão
primeira que leva os indivíduos à procura de atendimento (Dougher e Hackbert,
1994).
"Em termos
comportamentais, reforçamento insuficiente, extinção e punição funcionam como
estímulos incondicionados que eliciam um conjunto de respondentes que são denominados
de tristeza, frustração e raiva...A afirmação de que essa função respondente
não é aprendida, é sustentada pelas reações emocionais de animais colocados em
extinção ou expostos à punição"(Dougher e Hackbert, 1994, p. 324).
Reações emocionais associadas
à depressão, poderiam gerar sofrimento posterior em ciclo crescente. Esse
incremento de reações emocionais levaria a inúmeros sintomas depressivos,
amplamente descritos no manual DSM-IV. Através da associação com a estimulação
aversiva produzida pela escassez de reforçamento, estímulos discriminativos
relevantes (ou qualquer estímulo associado com punição ou reforçamento não
disponível) poderiam, também, desempenhar o papel de eliciador respondente
condicionado. Um exemplo fornecido por Dougher e Hackbert (1994) é o caso de
uma cliente que se sentiu melancólica depois de dirigir pela estrada da escola
que frequentou cerca de 20 anos atrás. O relato da cliente indicava que a
escola tinha sido um período difícil para ela, quando experimentou situações de
rejeição. A visualização do lugar onde essa estimulação aversiva ocorreu era
suficiente para eliciar reações emocionais fortes.
III.3. Funções
estabelecedoras (Establishing functions).
Uma das características
definidoras da depressão é a falta de motivação e uma habilidade diminuída para
sentir prazer nas atividades. Dougher e Hackbert (1994) sugerem que, de um
ponto de vista analítico-comportamental, a perda da eficiência do reforçador e
mudanças na motivação sugerem que operações estabelecedoras (ou de supressão)
podem estar envolvidas.
Sundberg (1993) esclarece que
o conceito de operações estabelecedoras (establishing operations), conforme
descrito por Michael (1993), provê a análise do comportamento de um meio de
investigar tópicos como motivação sem fazer uso de termos ou construtos
cognitivos. De acordo com Hesse (1993) o conceito já estaria incorporado ao
vocabulário da análise do comportamento3.
Operações estabelecedoras: a) aumentam os efeitos de reforçamento de certas
conseqüências, b) aumentam a probabilidade de respostas que têm produzido
reforçadores estabelecidos no passado, c) aumentam a eficiência evocativa de
estímulos discriminativos associados aos reforçadores estabelecidos.Operações
de supressão teriam o efeito contrário.
O argumento apresentado por
Dougher e Hackbert (1994) "é que os eventos ou condições que produzem as
baixas taxas de resposta e estados afetivos que são característicos da
depressão, também servem como operações estabelecedoras e de
supressão"(p.326). Particularmente, esses eventos potencializariam certas
contingências e diminuiriam a potência de outras.
Partindo de uma análise que
denominaram de "simplista"- Dougher e Hackbert (1994) dividem o mundo
em dois tipos de contingências. Contingências não depressivas seriam aquelas
postas em ação (ou que operam) quando um indivíduo não está deprimido
(contingências sociais, ocupacionais, recreativas e interpessoais que governam
a vida diária). "Quando há um repertório adequado e essas contingências
são estabelecidas por um indivíduo, este se diverte, interage, cria e tira
prazer dessas atividades"(p 326). Contingências depressivas seriar aquelas
associadas com comportamento depressivo. "Pode haver um aumento em tal
comportamento, como chorar, reclamar, lamentar-se, culpar-se, esquivar-se
socialmente, sono excessivo e assim por diante"(p. 326). Reforçadores
estabelecidos podem incluir expressões de simpatia, oferta de ajuda ou
assistência, apoio social e a esquiva de atividades e de consequências que são
geralmente associadas com contingências não-depressivas. Embora os depressivos
possam procurar a simpatia e apoio de outros, eles estão inclinados a evitar
situações sociais que exijam um repertório ativo ou interativo de reforçamento.
Dependendo do indivíduo, até mesmo atividades fisiológicas básicas como correr
e praticar sexo podem perder suas funções reforçadoras. Pode ser, contudo, que
sejam os aspectos sociais dessas atividades e não as atividades em si que são
diminuídas como reforçadores ( Ferster, 1973). Na realidade, dado a escassez de
reforçadores disponíveis para muitos depressivos, comer pode se tornar
particularmente potencializado. Isso pode explicar porque alguns depressivos
comem em excesso, especialmente quando estão sozinhos (Dougher e Hackbert,
1994, p. 326).
De acordo com Dougher e
Hackbert (1994), operações estabelecedoras têm uma função importante no efeito
sobre estímulos discriminativos relevantes, que poderia explicar dados
relatados na literatura voltada para a relação entre cognição e emoção, embora
ressaltem que, nesses casos, há necessidade de maior investigação. Exemplos
desses estudos seriam os conduzidos por Bower e Hellis e Ashbrook ( conforme
citados por Dougher e Hackbert, 1994), que têm demonstrado que os estados
emocionais ou humores dos indivíduos determinam em grande extensão os estímulos
aos quais eles atendem e lembram: Para estudar esse efeito, sujeitos são
primeiramente expostos a um conjunto de procedimentos delineados para induzir
um determinado humor. Esses procedimentos incluem hipnose, sugestão verbal ou
música indutora de estado de ânimo. Uma tarefa experimental é, então, dada aos
sujeitos. Eles podem, por exemplo, ser solicitados a estudar e depois relembrar
uma lista de palavras que varia em qualidade afetiva (e.g. triste, feliz) ou
para relembrar memórias do início de suas vidas. Sujeitos que são postos em
humor deprimido tendem a lembrar palavras e memórias tristes, ao passo que os
que são expostos a um ambiente relaxado tendem a lembrar palavras e memórias
felizes.
Psicólogos cognitivistas têm
postulado uma variedade de processos mentais para explicar tais eventos, mas
parece que os procedimentos de indução de estados de humor funcionam como
operações estabelecedoras e afetam as funções evocativas de estímulos
relevantes (Dougher e Hackbert, 1994,p.326).
III.4. Processos
Verbais.
Uma questão importante para
um estudo comportamental da depressão refere-se aos determinantes do
comportamento verbal que caracteriza os depressivos e sua influência sobre
outros comportamentos. Tem sido argumentado que, embora processos de
condicionamento estejam envolvidos, eles não poderiam justificar inteiramente a
emissão de novo comportamento verbal ou a aquisição de funções psicológicas
através do estímulo verbal (cf. Dougher e Hackbert, 1994).
Por exemplo, como é que
quando a um indivíduo é dito que experiências de tristeza são um sinal de
depressão e que depressão é uma doença, aquele indivíduo conclui que a sua
experiência de tristeza é sinal de doença? A lógica da inferência é clara, mas
o que são os princípios comportamentais que determinam a inferência lógica?
Além disso, como é que a afirmação "eu estou doente" pode evocar um
repertório inteiro de comportamento e eliciar certos respondentes? Não é
provável que o comportamento doentio tenha sido reforçado diferencialmente na
presença da palavra doente ou que a palavra doente tenha sido
pareada com estímulos incondicionados que eliciam determinados respondentes
(Dougher e Hackbert, 1994, p.328, itálico do original).
Dougher e Hackbert (1994)
argumentam que respostas a esse tipo de indagação são sugeridas por recentes
pesquisas em equivalência de estímulo e em particular pela transferência de
função através de classes de equivalência de estímulo. Os que defendem a
equivalência de estímulo como o processo comportamental fundamental subjacente
à linguagem e outros comportamentos simbólicos, acreditam "que os
estímulos verbais adquirem a sua função psicológica em virtude da sua
participação em uma relação de equivalência com os eventos que eles significam"(p. 329, itálico acrescentado).
Por exemplo, imediatamente
após ter sido dito que límon é a palavra em espanhol para limão, límon adquire a mesma função de estímulo que
a palavra limão (e muitas das mesmas funções que os limões apresentam) para o
ouvinte. Assim, não apenas a pessoa pode responder apropriadamente ao pedido de
um límon; a descrição de morder um limão irá
provavelmente eliciar salivação, assim como a lacrimação facial que ocorre
quando sumo de limão é espremido na boca.... Da mesma forma, auto-afirmações
como" não sou bom"," estou doente", "sou um
fracassado", "eu estou deprimido", e "as coisas nunca serão
melhores", exercem uma influência de controle sobre o comportamento
(Dougher eHackbert,1994,p.329). Argumentam, ainda, que:
Quando "eu" e
"fracasso" ou "doente" ou "deprimido" entram numa
classe de equivalência, muitas das funções associadas a esses descritores
negativos aplicam-se ao "eu". Isso pode explicar o desenvolvimento de
auto-esquema negativo e de uma auto-verbalização negativa, que caracteriza os
depressivos. Contudo, as classes de equivalência, elas próprias, podem ser
trazidas sob controle contextual... Desse modo, em alguns contextos,
"eu" e uma variedade de termos negativos podem estar em uma classe de
equivalência ao passo que, em outros contextos, "eu" está em uma
classe com outros descritores, talvez mais positivos. É possível que as
variáveis que evocam o comportamento depressivo possam servir como estímulos
contextuais que controlam a composição das classes de equivalência (Dougher e
Hackbert, 1994, p. 329).
IV Conclusão.
As pesquisas sobre a
depressão têm enfatizado os processos biológicos e cognitivos em detrimento da
análise das relações ambiente-comportamento. Como resultado, a literatura
disponível sobre o tema não oferece uma explicação adequada para a etiologia e
tratamento do fenômeno de um ponto de vista analítico comportamental. A
depressão passa a existir a partir de uma interação social dada e, desse modo,
pode ser compreendida como um fenómeno cuja dimensão maior - ou primária - é um
processo de interação social. A partir dessa perspectiva, é multidefinida e
sempre resultado de uma nomeação regulada pela comunidade. Descrever o
comportamento depressivo de um indivíduo é atentar para os padrões de interação
que ele estabelece com o ambiente social à sua volta. Assim, a análise
funcional parece ser o caminho para que se possa planejar a intervenção.
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1 Os inibidores de recaptação de
serotonina surgiram do conceito de que a neurotransmissão da serotonina seria
fundamental para a resposta antidepressiva Assim, a depressão estaria associada
a uma deficiêcia funcional de serotonina na sinapse e à resultante diminuição
da ativação do receptor de serotonina no neurônio pós-sináptico. Preskorn
(1994) sintetiza complexa série de ações farmacológicas e alterações
compensatórias nos provocadas pelos efeitos seletivos dos ISRS, que pa resultar
em melhor neurotransmissão da serotonina: "A seretonina é armazenada em
vesículas do neurônio pré-sináptico. Ao ser liberada, ativa receptores
específicos da célula efeto, pós-sináptica. A ativação de receptores afeta o
neurônio pós-sináptico através de um sitema segundo-mensageiro.
Estes eventos em cascata parecem ser importantes n modulação do afeto, sono, apetite e impulso sexual, que representam as funções centrais prejudicadas durante um episódio de depressão maior.
Após ativação do receptor, serotonina é removida da sinapse pela bomba de recaptação, que a transporta de volta ao neurônio pré sináptico. ...Os ISRS inibem a bomba de recaptação,o que aumenta o tempo de permanência da serotonina na sinapse, resultando em uma concentração mais alta de serotonina em seu local de ação O maior período de transito e/ou maior concentração local produz uma alteração na sensibilidade dos receptorres pós-sinápticos de serotonina"(p. 70S). Para uma discussãc efeitos nocivos dos inibidores seletivos de recaptação de serotonina, ver Antonucci Danton e De Nelsky (1995).
2 Em um estudo recente, Guilhardi e Oliveira (1997) descrevem os passos de uma cuidadosa análise funcional a partir de um caso clínico de depressão.
3 Para uma análise de procedimentos experimentais utilizados na investigação de operações estabelecedoras, ver Cunha (1995).
Estes eventos em cascata parecem ser importantes n modulação do afeto, sono, apetite e impulso sexual, que representam as funções centrais prejudicadas durante um episódio de depressão maior.
Após ativação do receptor, serotonina é removida da sinapse pela bomba de recaptação, que a transporta de volta ao neurônio pré sináptico. ...Os ISRS inibem a bomba de recaptação,o que aumenta o tempo de permanência da serotonina na sinapse, resultando em uma concentração mais alta de serotonina em seu local de ação O maior período de transito e/ou maior concentração local produz uma alteração na sensibilidade dos receptorres pós-sinápticos de serotonina"(p. 70S). Para uma discussãc efeitos nocivos dos inibidores seletivos de recaptação de serotonina, ver Antonucci Danton e De Nelsky (1995).
2 Em um estudo recente, Guilhardi e Oliveira (1997) descrevem os passos de uma cuidadosa análise funcional a partir de um caso clínico de depressão.
3 Para uma análise de procedimentos experimentais utilizados na investigação de operações estabelecedoras, ver Cunha (1995).
Psicol. cienc.
prof. v.17 n.2 Brasília 1997
POSTADO POR : HILTON CAIO VIEIRA