quinta-feira, 7 de julho de 2011

Mentalismo


Enrolação

Marina S. L. B. de Castro
De acordo com Skinner, geralmente falhamos em lidar adequadamente com os problemas culturais por duas razões principais: o comportamento problema não é de fato descrito e nenhuma proposta de solução é mencionada. Isso ocorre freqüentemente quando há referência a causas mentais na explicação dos comportamentos humanos.



Mentalismo 

 O que alguém nos diz sobre seus sentimentos ou estados mentais pode nos dar dicas sobre o que há de errado com as contingências, mas devemos ir diretamente às contingências para ter certeza e são elas que devem ser mudadas para que o comportamento se modifique.
A velha e crucial confusão, segundo Skinner, ocorre quando imaginamos que existe algo mais - no sentido de uma outra substância -, ou que aquilo que sentimos quando nos comportamos é a causa de nosso comportamento (Skinner, 1989/1995, p. 39 - 40).
Ao darmos causas mentais aos comportamentos, seguimos o antigo princípio que diz: post hoc, ergo propter hoc: depois disso, logo, por causa disso. Por exemplo, muitas das coisas que observamos imediatamente antes de nos comportarmos acontecem dentro de nosso próprio organismo; são estados corporais os quais denominamos de sentimentos. A partir dessa observação, concluímos que o sentimento causou o comportamento e inferimos essa conclusão para outros comportamentos nossos e de outras pessoas. Infere-se que alguém se comporta como eu me comporto, portanto alguém sente como eu sinto. Digo que comi porque estava com fome – e não porque faz quatro horas que não como. Digo que chorei porque estava triste – e não porque briguei com meu amigo. Sentimentos ocorrem no tempo certo para servir de causa aos comportamentos.
Skinner critica não apenas afirmações segundo as quais os fenômenos mentais possuem status causal. Ele critica também opiniões como a de Marx, que diz que não é a consciência do homem que determina sua existência, mas é a sua existência social que determina sua consciência. Skinner também não concorda com James quando ele diz que não choramos porque estamos tristes, mas sim que estamos tristes porque choramos. Nesse sentido, Skinner é categórico: a explicação está no ambiente (Skinner, 1974/1976, p. 213). Alguém chora e está triste porque algo aconteceu (Skinner, 1989/1995, p. 15).
Então a divergência do autor com relação ao mentalismo ocorre em dois níveis: 1) ele discorda do papel causal dado dos fenômenos mentais e, além disso, 2) ele discorda da própria existência de entidades mentais enquanto coisas formadas por alguma substância diferente do nosso corpo. Skinner se pergunta: onde estão esses sentimentos e estados mentais? Do que eles são feitos? O que é o mundo não físico da mente?
Skinner critica explicações causais quando fundamentadas em eventos internos, sejam eles físicos ou metafísicos, porque o que acontece dentro do corpo não é um início (Skinner, 1989/1995, p. 40). Devem-se procurar causas nas contingências de seleção nos três níveis: da espécie, do indivíduo e da cultura.
 A explicação dada por Gilbert Ryle para enunciados disposicionais pode nos auxiliar a desfazer as armadilhas do vocabulário mental do senso comum (Lopes e Abib, 2003). Apresentar explicações mentalistas ao comportamento ocorre, por exemplo, quando dizemos que um vidro se quebra quando atingido por uma pedra porque ele tem fragilidade. Como se chegou a uma explicação como essa? O que ocorreu foi a transformação de um adjetivo – “frágil”, que servia para qualificar, ajudando na descrição do comportamento do vidro ao ser atingido por uma pedra – em um substantivo – “fragilidade” – que passou a ser considerado uma propriedade do vidro e, tautologicamente, considerado como causa do comportamento do vidro. Poderíamos esquematizar assim:
1.     atiraram uma pedra no vidro e ele se quebrou;
2.     por isso, o vidro é frágil;
3.     logo, o vidro tem fragilidade;
4.     então, o vidro se quebrou porque ele tem fragilidade.
Pode-se perceber que há um erro lógico aí. Na verdade, o vidro é frágil porque ele se quebrou quando atiraram uma pedra nele - a causa de ter-se quebrado foi a pedra e não uma propriedade (fragilidade); propriedade esta inferida a partir do fato de ter-se quebrado. Além do problema lógico das explicações mentalistas, há um problema epistemológico: como um evento mental pode causar ou ser causado por um evento físico? Como podemos prever e controlar comportamentos, sentimentos e estados mentais se não sabemos como se dá a relação causal entre a dimensão física e a dimensão mental? Aqui, portanto, reaparece o antigo, conhecido e variadamente respondido problema mente / corpo na filosofia. Skinner, ao contrário da maioria dos filósofos, que tenta relacionar as duas instâncias, torna a própria pergunta sem sentido. Ele não responde ao problema; ele o desfaz, não assumindo nenhum dos pontos de vista mais comuns: nem o fisicalismo, que se refugia na fisiologia e diz que a mente são os processos cerebrais; nem o behaviorismo metodológico, nem o estruturalismo. O autor constrói uma outra opção: o Behaviorismo Radical - “radical behaviorism”.
Para o autor, o problema do Fisicalismo é que, para prever ou alterar o que uma pessoa faz, seria preciso observar ou alterar o cérebro ou outras partes do sistema nervoso. Já o Estruturalismo - de acordo com o que Skinner entende por Estruturalismo - se exime de procurar causas e apenas descreve os comportamentos das pessoas. É possível fazer algum tipo de predição por meio desse esquema seguindo o princípio de que as pessoas tendem a fazer de novo o que fazem freqüentemente. Aí se enquadram os hábitos e costumes de um povo. A descoberta de princípios organizadores na estrutura do comportamento (bem como os padrões da cultura, da literatura e os tipos psicológicos) pode tornar possível prever comportamentos novos. A estrutura ou organização do comportamento pode também ser estudada em função da idade, como o fazem as teorias do desenvolvimento humano, que explicam que a criança passa por fases até chegar à idade adulta. Também há linhas de estudo que tratam a cultura dessa mesma forma, como uma seqüência de estágios de desenvolvimento. De acordo com elas, padrões de desenvolvimento podem ajudar a prever eventos futuros.
Um dos problemas desse tipo de explicação para os comportamentos humanos é que o estruturalismo ou desenvolvimentalismo não explicam os porquês, mas apenas os processos. Por que os costumes são seguidos? Além disso, ao estabelecer estágios, conclui que a manipulação do comportamento não tem efeito, pois podemos apenas esperar para que uma pessoa ou uma cultura passe para um outro período do desenvolvimento.
Quanto ao behaviorismo metodológico, Skinner diz que ele também apresenta problemas. O behaviorismo metodológico tenta predizer e controlar o comportamento observando e manipulando eventos públicos antecedentes. Na verdade, não há novidade nisso, pois, na prática, as pessoas sempre usaram técnicas para controlar comportamentos dos outros sem recorrer a estados mentais. Entretanto, pouca teoria se fez sobre o papel do ambiente físico sobre o comportamento, enquanto que muito se disse sobre o papel da mente. Um programa de behaviorismo metodológico só se tornou plausível quando começou a progredir a observação científica do comportamento, porque aí se percebeu a importância do meio ambiente.
“O behaviorismo metodológico pode ser pensado como uma versão psicológica do operacionismo ou positivismo lógico, mas eles tratam de questões diferentes” (Skinner, 1974/1976, p. 16). Para o positivismo lógico ou operacionismo, como dois observadores não podem concordar sobre o que acontece no mundo mental, devemos abandonar o exame de eventos mentais e nos voltar para o modo como eles são ou podem ser estudados. Não se pode medir sensação ou percepção, mas é possível medir discriminação de estímulos. Então, o conceito de sensação ou percepção pode ser reduzido à operação de discriminação. Um robô que fizesse tudo o que um ser humano faz e apesar de não ter idéias, sensações ou sentimentos, provaria que não há necessidade de explicações mentalistas para as supostas manifestações da vida mental. Então, o que o positivismo lógico faz é propor modificações no método e não na ontologia; a vida mental existe, mas, como é subjetiva, inacessível a outros observadores, não pode ser objeto de estudo da ciência. E não é necessário recorrer a ela para explicar os comportamentos humanos.
O ponto em questão é que o behaviorismo metodológico assumia a existência de eventos mentais, embora não os considerasse em suas análises. Skinner se questiona se isso levaria à conclusão de que, para o behaviorismo metodológico, a vida mental era apenas epifenômeno, dado que existia, mas não tinha importância causal. O mundo físico seria auto-suficiente e o mental estaria para o comportamento assim como a fumaça que sai pela sua chaminé está para o trem em movimento, conforme a doutrina secular do paralelismo psicofísico, que sustentava a existência de dois mundos: um da mente e outro da matéria e que um não teria efeito sobre o outro. Skinner também critica a psicanálise freudiana pelo fato de ela ratificar o paralelismo[1].
Skinner propõe, então, um outro tipo de psicologia e a filosofia dessa psicologia, o Behaviorismo Radical, que também não afirma o paralelismo psicofísico. Para isso, ele propõe outra filosofia sobre o ser, sobre o que existe, sobre o que são os sentimentos e os estados mentais e sobre as causas do comportamento humano. Nesse sentido, ele une os dois mundos em um só, assumindo uma única substância existente, um único material (stuff) que compõe o mundo mental e o mundo físico. Não há diferença ontológica entre a mente e o corpo. O que sentimos são estados corporais. Ao contrário dos behavioristas metodológicos, Skinner nega a existência de uma mente enquanto coisa e composta de algum tipo de matéria intangível. A interpretação que Skinner dá para a mente - ou seja, o que ele diz que a mente é - é funcional. Isto é, a mente se diferencia funcionalmente do corpo e não ontologicamente. Ele não nega a existência de sentimentos, emoções, idéias ou outras características da vida mental.
O que o behaviorismo metodológico afirmava era a existência de eventos mentais enquanto coisa formada por um material especial, de acordo com o entendido desde Descartes, ou mesmo desde Platão, porém que esses eventos não podiam ser estudados pela ciência, dado que a introspecção não era um método válido por não haver acordo público sobre sua validade.
O Behaviorismo Radical, entretanto, toma uma linha diferente. Ele não nega a possibilidade de auto-observação ou de autoconhecimento ou sua possível utilidade, mas ele questiona a natureza do que é sentido ou observado e, portanto, conhecido (Skinner, 1974/1976, p. 18).
Skinner afirma que cada um de nós possui uma pequena parte do universo sob nossa pele; é uma possessão privada, pois temos modos de conhecê-las que os outros não têm, mas isso não quer dizer que seja um tipo especial de conhecimento (Skinner, 1978, p. 50).
Parece que Skinner utiliza o termo “radical” no sentido de fundamental, pois ele propõe uma psicologia renovada em seus princípios básicos, desde sua raiz, sua ontologia. Na opinião do autor, o Behaviorismo Radical encontra um equilíbrio entre o mentalismo de um lado - o qual ignorava eventos externos antecedentes que poderiam explicar o comportamento - e o behaviorismo metodológico do outro – que lidava exclusivamente com eventos antecedentes externos e ignorava auto-observação e autoconhecimento. O Behaviorismo Radical não insiste na verdade por concordância (aquela defendida pelo behaviorismo metodológico, influência do positivismo lógico, e que se referia a dois ou mais observadores concordarem com o mesmo tipo de observação, observarem a mesma coisa) e pode, portanto, considerar eventos privados. Além disso, não considera esses eventos não observáveis nem subjetivos, apenas questiona a natureza do objeto observado e a confiabilidade das observações.
O que é sentido ou observado introspectivamente não é algum tipo de mundo não físico da consciência, da mente ou da vida mental, e sim o próprio corpo do observador. Mas isso não significa que a introspecção é algum tipo de pesquisa fisiológica ou que o que se sente ou se observa na introspecção são as causas do comportamento. Muito do que um organismo faz se deve à sua estrutura atual, que, em sua maior parte, porém, é inacessível à introspecção. Para o autor, precisamos nos contentar com a história genética e ambiental do indivíduo. O que se observa na introspecção são alguns efeitos colaterais dessas histórias (Skinner, 1974/1976, p. 18 - 19).


[1] Entretanto, já há estudos analisando e defendendo o ponto de vista segundo o qual Freud desvinculou mente e consciência ao propor o inconsciente, que também era mental, desfazendo, assim, o paralelismo entre mente e corpo; propôs o mental que estava no corpo, de modo inconsciente: eram os processos corticais cujas funções podiam ou não se tornar conscientes. Ele desfez a identidade entre psíquico e consciente, isto é, nem todo mental, psíquico é consciente. Então, em Freud, pareceu surgir um novo tipo de paralelismo; ao invés de opor mente e corpo, ele opôs uma mente consciente a uma mente inconsciente.


O texto é anexo a tese: A Ética skinneriana e a tensão entre descrição e prescrição no Behaviorismo Radical
As fotos foram inseridas por:  Hilton Caio - UFGD
FONTE :  www.bdtd.ufscar.br/htdocs/tedeSimplificado/tde.../processaArquivo.php?...