Enrolação |
Marina S. L. B. de Castro
De acordo com
Skinner, geralmente falhamos em lidar adequadamente com os problemas culturais
por duas razões principais: o comportamento problema não é de fato descrito e
nenhuma proposta de solução é mencionada. Isso ocorre freqüentemente quando há
referência a causas mentais na explicação dos comportamentos humanos.
Mentalismo |
O que
alguém nos diz sobre seus sentimentos ou estados mentais pode nos dar dicas
sobre o que há de errado com as contingências, mas devemos ir diretamente às
contingências para ter certeza e são elas que devem ser mudadas para que o
comportamento se modifique.
A velha e
crucial confusão, segundo Skinner, ocorre quando imaginamos que existe algo
mais - no sentido de uma outra substância -, ou que aquilo que sentimos quando
nos comportamos é a causa de nosso comportamento (Skinner, 1989/1995, p. 39 -
40).
Ao darmos causas mentais aos
comportamentos, seguimos o antigo princípio que diz: post hoc, ergo propter
hoc: depois disso, logo, por causa disso. Por exemplo, muitas das coisas
que observamos imediatamente antes de nos comportarmos acontecem dentro de
nosso próprio organismo; são estados corporais os quais denominamos de sentimentos.
A partir dessa observação, concluímos que o sentimento causou o comportamento e
inferimos essa conclusão para outros comportamentos nossos e de outras pessoas.
Infere-se que alguém se comporta como eu me comporto, portanto alguém sente
como eu sinto. Digo que comi porque estava com fome – e não porque faz quatro
horas que não como. Digo que chorei porque estava triste – e não porque briguei
com meu amigo. Sentimentos ocorrem no tempo certo para servir de causa aos
comportamentos.
Skinner critica não apenas afirmações
segundo as quais os fenômenos mentais possuem status causal. Ele critica também
opiniões como a de Marx, que diz que não é a consciência do homem que determina
sua existência, mas é a sua existência social que determina sua consciência. Skinner
também não concorda com James quando ele diz que não choramos porque estamos
tristes, mas sim que estamos tristes porque choramos. Nesse sentido, Skinner é
categórico: a explicação está no ambiente (Skinner, 1974/1976, p. 213). Alguém
chora e está triste porque algo aconteceu (Skinner, 1989/1995, p. 15).
Então a divergência do autor com
relação ao mentalismo ocorre em dois níveis: 1) ele discorda do papel causal
dado dos fenômenos mentais e, além disso, 2) ele discorda da própria existência
de entidades mentais enquanto coisas formadas por alguma substância diferente
do nosso corpo. Skinner se pergunta: onde estão esses sentimentos e estados
mentais? Do que eles são feitos? O que é o mundo não físico da mente?
Skinner critica explicações causais
quando fundamentadas em eventos internos, sejam eles físicos ou metafísicos,
porque o que acontece dentro do corpo não é um início (Skinner, 1989/1995, p.
40). Devem-se procurar causas nas contingências de seleção nos três níveis: da
espécie, do indivíduo e da cultura.
A explicação dada por Gilbert Ryle para
enunciados disposicionais pode nos auxiliar a desfazer as armadilhas do
vocabulário mental do senso comum (Lopes e Abib, 2003). Apresentar explicações
mentalistas ao comportamento ocorre, por exemplo, quando dizemos que um vidro
se quebra quando atingido por uma pedra porque ele tem fragilidade. Como se
chegou a uma explicação como essa? O que ocorreu foi a transformação de um
adjetivo – “frágil”, que servia para qualificar, ajudando na descrição do comportamento
do vidro ao ser atingido por uma pedra – em um substantivo – “fragilidade” –
que passou a ser considerado uma propriedade do vidro e, tautologicamente,
considerado como causa do comportamento do vidro. Poderíamos esquematizar
assim:
1. atiraram uma pedra no vidro e ele se
quebrou;
2. por isso, o vidro é frágil;
3. logo, o vidro tem fragilidade;
4. então, o vidro se quebrou porque ele
tem fragilidade.
Pode-se perceber que há um erro
lógico aí. Na verdade, o vidro é frágil porque ele se quebrou quando atiraram uma
pedra nele - a causa de ter-se quebrado foi a pedra e não uma propriedade
(fragilidade); propriedade esta inferida a partir do fato de ter-se quebrado.
Além do problema lógico das explicações mentalistas, há um problema
epistemológico: como um evento mental pode causar ou ser causado por um evento
físico? Como podemos prever e controlar comportamentos, sentimentos e estados
mentais se não sabemos como se dá a relação causal entre a dimensão física e a
dimensão mental? Aqui, portanto, reaparece o antigo, conhecido e variadamente
respondido problema mente / corpo na filosofia. Skinner, ao contrário da
maioria dos filósofos, que tenta relacionar as duas instâncias, torna a própria
pergunta sem sentido. Ele não responde ao problema; ele o desfaz, não assumindo
nenhum dos pontos de vista mais comuns: nem o fisicalismo, que se refugia na
fisiologia e diz que a mente são os processos cerebrais; nem o behaviorismo
metodológico, nem o estruturalismo. O autor constrói uma outra opção: o Behaviorismo
Radical - “radical behaviorism”.
Para o autor, o problema do
Fisicalismo é que, para prever ou alterar o que uma pessoa faz, seria preciso
observar ou alterar o cérebro ou outras partes do sistema nervoso. Já o
Estruturalismo - de acordo com o que Skinner entende por Estruturalismo - se
exime de procurar causas e apenas descreve os comportamentos das pessoas. É
possível fazer algum tipo de predição por meio desse esquema seguindo o
princípio de que as pessoas tendem a fazer de novo o que fazem freqüentemente.
Aí se enquadram os hábitos e costumes de um povo. A descoberta de princípios
organizadores na estrutura do comportamento (bem como os padrões da cultura, da
literatura e os tipos psicológicos) pode tornar possível prever comportamentos
novos. A estrutura ou organização do comportamento pode também ser estudada em
função da idade, como o fazem as teorias do desenvolvimento humano, que
explicam que a criança passa por fases até chegar à idade adulta. Também há
linhas de estudo que tratam a cultura dessa mesma forma, como uma seqüência de
estágios de desenvolvimento. De acordo com elas, padrões de desenvolvimento
podem ajudar a prever eventos futuros.
Um dos problemas desse tipo de
explicação para os comportamentos humanos é que o estruturalismo ou
desenvolvimentalismo não explicam os porquês, mas apenas os processos. Por que
os costumes são seguidos? Além disso, ao estabelecer estágios, conclui que a
manipulação do comportamento não tem efeito, pois podemos apenas esperar para
que uma pessoa ou uma cultura passe para um outro período do desenvolvimento.
Quanto ao behaviorismo metodológico,
Skinner diz que ele também apresenta problemas. O behaviorismo metodológico
tenta predizer e controlar o comportamento observando e manipulando eventos
públicos antecedentes. Na verdade, não há novidade nisso, pois, na prática, as
pessoas sempre usaram técnicas para controlar comportamentos dos outros sem
recorrer a estados mentais. Entretanto, pouca teoria se fez sobre o papel do
ambiente físico sobre o comportamento, enquanto que muito se disse sobre o
papel da mente. Um programa de behaviorismo metodológico só se tornou plausível
quando começou a progredir a observação científica do comportamento, porque aí
se percebeu a importância do meio ambiente.
“O behaviorismo metodológico pode ser
pensado como uma versão psicológica do operacionismo ou positivismo lógico, mas
eles tratam de questões diferentes” (Skinner, 1974/1976, p. 16). Para o
positivismo lógico ou operacionismo, como dois observadores não podem concordar
sobre o que acontece no mundo mental, devemos abandonar o exame de eventos
mentais e nos voltar para o modo como eles são ou podem ser estudados. Não se
pode medir sensação ou percepção, mas é possível medir discriminação de
estímulos. Então, o conceito de sensação ou percepção pode ser reduzido
à operação de discriminação. Um robô que fizesse tudo o que um ser
humano faz e apesar de não ter idéias, sensações ou sentimentos, provaria que
não há necessidade de explicações mentalistas para as supostas manifestações da
vida mental. Então, o que o positivismo lógico faz é propor modificações no
método e não na ontologia; a vida mental existe, mas, como é subjetiva,
inacessível a outros observadores, não pode ser objeto de estudo da ciência. E
não é necessário recorrer a ela para explicar os comportamentos humanos.
O ponto em questão é que o
behaviorismo metodológico assumia a existência de eventos mentais, embora não
os considerasse em suas análises. Skinner se questiona se isso levaria à
conclusão de que, para o behaviorismo metodológico, a vida mental era apenas
epifenômeno, dado que existia, mas não tinha importância causal. O mundo físico
seria auto-suficiente e o mental estaria para o comportamento assim como a
fumaça que sai pela sua chaminé está para o trem em movimento, conforme a
doutrina secular do paralelismo psicofísico, que sustentava a existência de
dois mundos: um da mente e outro da matéria e que um não teria efeito sobre o
outro. Skinner também critica a psicanálise freudiana pelo fato de ela
ratificar o paralelismo[1].
Skinner propõe, então, um outro tipo
de psicologia e a filosofia dessa psicologia, o Behaviorismo Radical,
que também não afirma o paralelismo psicofísico. Para isso, ele propõe outra
filosofia sobre o ser, sobre o que existe, sobre o que são os sentimentos e os
estados mentais e sobre as causas do comportamento humano. Nesse sentido, ele
une os dois mundos em um só, assumindo uma única substância existente, um único
material (stuff) que compõe o mundo mental e o mundo físico. Não há
diferença ontológica entre a mente e o corpo. O que sentimos são estados
corporais. Ao contrário dos behavioristas metodológicos, Skinner nega a
existência de uma mente enquanto coisa e composta de algum tipo de matéria
intangível. A interpretação que Skinner dá para a mente - ou seja, o que
ele diz que a mente é - é funcional. Isto é, a mente se diferencia
funcionalmente do corpo e não ontologicamente. Ele não nega a existência de
sentimentos, emoções, idéias ou outras características da vida mental.
O que o behaviorismo metodológico
afirmava era a existência de eventos mentais enquanto coisa formada por um
material especial, de acordo com o entendido desde Descartes, ou mesmo desde
Platão, porém que esses eventos não podiam ser estudados pela ciência, dado que
a introspecção não era um método válido por não haver acordo público sobre sua
validade.
O Behaviorismo
Radical, entretanto, toma uma linha diferente. Ele não nega a possibilidade de
auto-observação ou de autoconhecimento ou sua possível utilidade, mas ele
questiona a natureza do que é sentido ou observado e, portanto, conhecido (Skinner, 1974/1976, p. 18).
Skinner afirma que cada um de nós
possui uma pequena parte do universo sob nossa pele; é uma possessão privada,
pois temos modos de conhecê-las que os outros não têm, mas isso não quer dizer
que seja um tipo especial de conhecimento (Skinner, 1978, p. 50).
Parece que Skinner utiliza o termo
“radical” no sentido de fundamental, pois ele propõe uma psicologia renovada em
seus princípios básicos, desde sua raiz, sua ontologia. Na opinião do autor, o
Behaviorismo Radical encontra um equilíbrio entre o mentalismo de um lado - o
qual ignorava eventos externos antecedentes que poderiam explicar o
comportamento - e o behaviorismo metodológico do outro – que lidava exclusivamente
com eventos antecedentes externos e ignorava auto-observação e
autoconhecimento. O Behaviorismo Radical não insiste na verdade por
concordância (aquela defendida pelo behaviorismo metodológico, influência
do positivismo lógico, e que se referia a dois ou mais observadores concordarem
com o mesmo tipo de observação, observarem a mesma coisa) e pode, portanto,
considerar eventos privados. Além disso, não considera esses eventos não
observáveis nem subjetivos, apenas questiona a natureza do objeto observado e a
confiabilidade das observações.
O que é sentido ou observado
introspectivamente não é algum tipo de mundo não físico da consciência, da
mente ou da vida mental, e sim o próprio corpo do observador. Mas isso não
significa que a introspecção é algum tipo de pesquisa fisiológica ou que o que
se sente ou se observa na introspecção são as causas do comportamento. Muito do
que um organismo faz se deve à sua estrutura atual, que, em sua maior parte,
porém, é inacessível à introspecção. Para o autor, precisamos nos contentar com
a história genética e ambiental do indivíduo. O que se observa na introspecção
são alguns efeitos colaterais dessas histórias (Skinner, 1974/1976, p. 18 -
19).
[1]
Entretanto, já há estudos analisando e defendendo o ponto de vista segundo o
qual Freud desvinculou mente e consciência ao propor o inconsciente, que também
era mental, desfazendo, assim, o paralelismo entre mente e corpo; propôs o
mental que estava no corpo, de modo inconsciente: eram os processos corticais
cujas funções podiam ou não se tornar conscientes. Ele desfez a identidade
entre psíquico e consciente, isto é, nem todo mental, psíquico é consciente.
Então, em Freud, pareceu surgir um novo tipo de paralelismo; ao invés de opor
mente e corpo, ele opôs uma mente consciente a uma mente inconsciente.
As fotos foram inseridas por: Hilton Caio - UFGD
FONTE : www.bdtd.ufscar.br/htdocs/tedeSimplificado/tde.../processaArquivo.php?...