A idéia sobre os subprodutos
psicológicos floresce naturalmente no importante e crescente campo da psicologia
evolutiva. Os psicólogos evolucionistas sugerem que, assim como o olho é um órgão
que evoluiu para a visão, e a asa um órgão que evoluiu
para voar, o cérebro é uma coleção de órgãos (ou "módulos") para
lidar com um
conjunto de necessidades
especializadas de
processamento de dados.
Há um módulo para
lidar com as relações
familiares, um módulo para
lidar com trocas
recíprocas, um módulo
para lidar com a
empatia, e assim por diante. A religião pode ser encarada como um subproduto do
"erro" de vários
desses módulos, por
exemplo os módulos
para a formação de teorias sobre
outras mentes, para
a formação de
coalizões e para
a discriminação a favor
de indivíduos de
dentro do grupo,
em detrimento de estranhos.
Qualquer um desses
poderia funcionar como
o equivalente humano para a navegação celeste das
mariposas, vulneráveis ao "erro" do mesmo modo que sugeri para a
credulidade infantil.
O psicólogo Paul
Bloom, outro defensor da visão da
"religião como subproduto", ressalta que as crianças têm uma
tendência natural para uma teoria dualista da mente.
A religião, para ele, é um subproduto desse dualismo
instintivo. Nós, seres
humanos, sugere ele,
especialmente as crianças, somos
dualistas por natureza.
Um dualista reconhece a distinção
fundamental entre matéria e mente. Um monista,
ao contrário, acredita
que a mente
é a manifestação da
matéria — o material do cérebro
ou talvez de um computador — e não pode existir sem
ela. Um dualista acredita que a mente é
algum tipo de
espírito fluido que habita o
corpo e portanto poderia, teoricamente, deixar o corpo e existir em algum outro
lugar. Os dualistas
prontamente interpretam as
doenças mentais como "possessão por demônios",
sendo que esses demônios são espíritos cuja residência no corpo
é temporária, de modo
que eles podem
ser "expulsos". Os
dualistas personificam objetos
físicos inanimados na
primeira oportunidade, enxergando
espíritos e demônios até em cachoeiras e nuvens.
O
romance Vice versa, de F.
Anstey, de 1882,
faz sentido para um
dualista, mas deve ser estritamente incompreensível para um monista
retinto como eu. O sr. Bultitude e
seu filho descobrem misteriosamente que
trocaram de corpo.
O pai, para diversão do filho, é obrigado a ir à escola no corpo do
filho; e o filho, no corpo do pai,
quase arruína os
negócios paternos com
suas decisões imaturas.
Uma
trama semelhante foi
usada por P.
G. Wodehouse em Laughinggas [Gás
hilariante], em que
o conde de Havershot e uma
estrela de filmes
infantis são submetidos ao
anestésico no mesmo
momento, em cadeiras
de dentista vizinhas, e acordam
um no corpo do outro. Mais uma vez, a trama só faz sentido para um
dualista. Tem de existir
alguma coisa que
corresponda ao lorde
Havershot e que
não faça parte
do corpo dele,
porque, do contrário, como
ele poderia acordar no corpo de um ator mirim?
Assim como a maioria dos cientistas,
não sou dualista, mas sou plenamente capaz
de gostar de Vice versa e Laughinggas. Paul Bloom diria
que isso acontece porque, embora eu tenha aprendido a
ser um monista intelectual, sou um animal humano, e portanto evoluí como um
dualista por instinto. A idéia de que existe um eu escondido atrás de meus olhos
e capaz, pelo menos na ficção, de migrar para a cabeça de
outra pessoa está
profundamente enraizada em
mim e em
todos os outros seres
humanos, sejam quais forem
nossas pretensões intelectuais
ao monismo. Bloom sustenta sua afirmação com evidências experimentais de
que as crianças têm uma
tendência ainda maior
que os adultos
a ser dualistas, especialmente
crianças bem pequenas. Isso sugere que a tendência ao dualismo
está
dentro do cérebro
e, segundo Bloom, produz
uma predisposição natural para a adoção de idéias religiosas.
Bloom também
sugere que temos
uma predisposição inata para
ser criacionistas. A seleção natural "não faz sentido
intuitivamente". As crianças são especialmente propensas
a dar um propósito a
tudo, como afirma
a psicóloga Deborah Keleman
em seu artigo "São
as crianças 'teístas
intuitivas'?". Nuvens servem "para chover". Pedras
pontudas servem "para os animais poderem se coçar nelas". A
designação de um propósito para tudo é denominada teleologia.
As
crianças são teleológicas
por natureza, e
muitas nunca abandonam
a característica.
O
dualismo inato e
a teologia inata
nos predispõem, sob as
condiçõescertas, à religião, assim como a reação à bússola de luz de minhas
mariposas as predispunha ao "suicídio" inadvertido. Nosso dualismo
inato nos prepara para acreditar numa
"alma" que habita o
corpo, em vez de ser
parte integrante do corpo. É fácil imaginar um espírito
imaterial assim indo para algum outro lugar depois da
morte do corpo.
Também é fácil
imaginar a existência
de uma divindade que seja
puro espírito, não
uma propriedade que
emerge da matéria complexa,
mas que existe
independentemente da matéria.
Mais óbvio ainda, a teleologia infantil nos
deixa prontos para
a religião. Se tudo tem um propósito, qual é esse
propósito? O de Deus, é claro. Mas qual é o equivalente da utilidade da bússola de luz das mariposas?