B. F. SKINNER
Parece
haver duas maneiras para conhecer, ou saber a respeito de outra pessoa.
Uma é associada ao existencialismo, fenomenologia e estruturalismo. Propõe-se a saber o
que uma pessoa é, ou como é, ou como está sendo, ou como
virá a ser. Neste sentido, tentamos
conhecer uma outra pessoa da mesma forma que nos conhecemos. Compartilhamos seus sentimentos através do acolhimento ou empatia. Através da intuição descobrimos suas atitudes, intenções e outros estados da mente. Comunicamo-nos com ela no sentido
etimológico de tornar as
idéias e sentimentos comuns a nós dois. E, fazemos
isso de forma mais eficaz se tivermos estabelecido boas relações interpessoais. Esta é uma forma de conhecer passiva e contemplativa: se desejamos prever o que uma pessoa
faz ou está prestes a fazer, assumimos que ela - como nós – irá se comportar de acordo com o que ela
é; seu comportamento - como
o nosso - será uma expressão
de seus sentimentos, estados
da mente, intenções, atitudes
e assim por diante.
A outra maneira de conhecer diz respeito ao que uma pessoa faz. Podemos,
usualmente, observar isto tão diretamente quanto qualquer
outro fenômeno no mundo; não
é necessária uma forma
especial de conhecimento.
Explicamos por que uma pessoa se comporta como o faz, nos voltando para o ambiente e não para as atividades ou
estados interiores. O ambiente
foi
eficaz
durante a evolução das espécies
e
denominamos o resultado de dotação genética
humana. Um membro da espécie é exposto a outra
parte desse ambiente durante sua vida, e dela ele adquire um repertório de comportamento que converte um organismo com uma dotação genética em uma pessoa. Através da análise desses efeitos do ambiente, podemos avançar para a
predição e controle de comportamento.
Mas será que esta formulação
do que uma pessoa faz pode
negligenciar qualquer informação disponível sobre o que ela é? Há
lacunas temporais e espaciais entre o comportamento
e
os
eventos
ambientais aos
quais ele é atribuído e é natural tentar
preenchê-las com um relato do estado mediador do organismo. Fazemos isto quando
sintetizamos uma longa história evolucionária falando de dotação genética. Não estaríamos fazendo o mesmo quando falamos de uma história pessoal? Um fisiologista onisciente deveria ser capaz de dizer-nos, por exemplo, como uma pessoa
é mudada quando
uma fração de seu comportamento é reforçada,
e aquilo que ela assim
se torna deveria explicar porque ela, subseqüentemente, se comporta
de forma diferente. Argumentamos desta
maneira, por exemplo, em
relação à imunização.
Começamos
com
o
fato
de
que
a
vacinação torna menos provável que
uma pessoa
venha
a
contrair uma doença posteriormente. Dizemos que ela se tornou imune e falamos de um estado de imunização, o qual passamos a examinar.
Um
fisiologista consciente deveria ser capaz de fazer o mesmo para estados comparáveis no campo do comportamento. Deveria também ser capaz de mudar o comportamento, mudando
diretamente o organismo, ao invés de fazê-lo mudando
o ambiente. Não está o
existencialista, o fenomenologista ou
o estruturalista dirigindo sua atenção exatamente
para tal estado mediador?
Um dualista ferrenho diria que
não, porque, para ele,
o que uma pessoa observa
através da introspecção e o que um fisiologista observa com suas técnicas especiais
estão em universos diferentes. Mas é razoável
a visão de que aquilo que sentimos,
quando temos sentimentos,
são estados de nossos próprios corpos e de que os estados da mente que percebemos através da introspecção são outras
variedades dos mesmos tipos de coisas.
Não podemos, portanto,
antecipar o aparecimento de um
fisiologista onisciente e explorar a lacuna entre ambiente e comportamento, tornando-nos mais perspicazmente
cientes do que somos?
É
neste ponto que uma análise behaviorista do autoconhecimento se torna muito importante
e, infelizmente, mais propensa a ser interpretada erroneamente. Cada um
de nós possui uma pequena
parte do universo
debaixo de sua própria
pele. Não é, por essa razão,
diferente do resto do universo, mas trata-se
de uma propriedade privada:
temos maneiras de saber a seu respeito que são negadas
aos outros. É um engano, no entanto, concluir que a intimidade de que desfrutamos significa uma forma especial de compreensão. Somos, sem dúvida,
estimulados diretamente por nosso
próprio corpo. O sistema nervoso chamado de interoceptivo reage a condições
importantes na privação e na emoção.
O sistema
proprioceptivo está envolvido com a postura e com o movimento e, sem ele, mal
poderíamos nos comportar de modo coordenado. Estes dois sistemas, junto com o sistema nervoso exteroceptivo, são essenciais
para o comportamento eficaz. Mas
saber (knowing) é mais do que responder a estímulos. Uma
criança reage às cores das coisas antes de “saber suas cores”. Saber (knowing) requer contingências especiais de reforçamento que têm que
ser arranjadas por outras pessoas, e as contingências que envolvem eventos privados nunca
são muito precisas porque as outras pessoas não estão efetivamente em contato com eles. Apesar da intimidade com nossos próprios corpos, nós os conhecemos com menos precisão
do que conhecemos o mundo que nos cerca. E,
há, por certo, outras razões pelas quais conhecemos o mundo privado dos
outros ainda menos precisamente.
A
questão importante, no entanto, não é
precisão, mas o tema. O que pode, exatamente, ser conhecido quando “conhecemos a nós mesmos”? Os três sistemas nervosos acima mencionados evoluíram sob contingências
práticas de sobrevivência,
a maioria das quais não sociais. (Contingências
sociais importantes para a sobrevivência devem ter emergido em áreas como comportamento social e maternal). Elas eram, presumivelmente, os únicos sistemas disponíveis quando as pessoas começaram
a “conhecer-se a si mesmas”, como resultado
de respostas a
questões sobre o
seu comportamento.
Ao responder a questões
como: “Você vê aquilo?”
ou “Você ouve aquilo?” ou “O que é aquilo?”, uma
pessoa aprende a observar suas próprias respostas aos estímulos. Ao responder a
questões como: “Você está com fome?” ou “Você está com
medo?”, aprende a observar estados do seu corpo relacionados a privação e a
respostas emocionais. Ao responder a
questões como: “Você estará indo?” ou “Você pretende ir?” ou “Você
está a fim de ir?” ou “Você está
inclinado a ir?”, ela aprende a observar a força ou a probabilidade de seu comportamento.
A comunidade verbal faz esse tipo de questões
porque as respostas
são importantes para ela
e, num sentido, ela torna as
respostas importantes para a própria pessoa.
O fato importante é que tais contingências, sociais
ou não sociais, não incluem nada além de estímulos e respostas; elas não incluem processos mediadores. Não podemos preencher
a lacuna entre o comportamento e o ambiente do qual ele é função através da introspecção,
porque, para falar em termos fisiológicos diretos, não temos nervos conectados
com os lugares necessários para
isso. Não podemos observar os estados, nem os eventos aos quais um fisiologista onisciente teria acesso. O
que sentimos quando temos sentimentos e o que observamos através da introspecção não são nada mais que um
conjunto variado de produtos colaterais
ou sub-produtos das condições ambientais com as quais o comportamento se relaciona. (Não agimos porque
nos sentimos dispostos a agir, por exemplo; nós agimos e
nos sentimos dispostos a agir por causa de uma razão comum a ser procurada em nossa história ambiental). Quero com isso dizer que Platão nunca descobriu
a mente? Ou que Aquino,
Descartes, Locke e Kant estavam preocupados com sub-produtos incidentais de comportamento humano, freqüentemente irrelevante? Ou que as leis mentais
dos psicólogos fisiologistas, como Wundt, ou que o fluxo de consciência de William James,
ou o
aparelho mental de Sigmund Freud não têm um
lugar
útil na compreensão do comportamento humano? Sim,
estou. E exponho o tema com ênfase
porque, se é para resolver os problemas com que nos deparamos no mundo de hoje, esta preocupação com a vida mental não
deve mais afastar nossa atenção das
condições ambientais das quais o comportamento
humano é função.
Mas por que temos atribuído tanta importância aos nossos sentimentos e estados da mente, a ponto de negligenciarmos o ambiente?
A resposta parece estar na imediaticidade e
proeminência dos estímulos. Muitos eventos
relevantes em nossa história
pessoal passaram sem serem notados. Por um lado, o comportamento em relação ao qual eles, em algum
momento, se mostrarão
relevantes ainda não ocorreu e
não pode contribuir para as contingências que nos levariam
a observá-los. E, se os tivermos notado, podemos
rapidamente nos esquecer deles. Mas nossos sentimentos, “idéias”, “intenções sentidas” etc., freqüentemente, se superpõem ao comportamento com os quais estão relacionados e ocorrem, usualmente, no exato lugar que seria ocupado por uma causa (de acordo com o princípio de post hoc, ergo propter hoc3). Por exemplo:
freqüentemente
sentimos um estado de privação ou de emoção antes
de agirmos de uma determinada maneira. Se dissermos alguma coisa a nós mesmos, antes de dizê-la em voz alta, o que falamos alto parece ser a expressão
de um pensamento interior. E se dissermos alguma coisa em voz alta,
sem dizê-la primeiramente para nós mesmos, é tentador supor que devemos estar
expressando um pensamento não verbal.
Esta aparente causalidade alojada dentro
do mundo privado
debaixo da pele, junto com a organização imposta
sobre ela, pelo fato de que todas as suas condições determinantes ocorreram na história de uma pessoa, gera um
“senso de eu” (sense of self). Sentimos que há um
“eu” que sabe o que irá fazer e o faz. Cada um de nós está ciente ou consciente de pelo menos um
desses eus, que aprendemos a manejar mais ou menos eficientemente.
Uma vez que os únicos eus que conhecemos são eus humanos,
diz-se, freqüentemente, que o homem se diferencia
de outras espécies precisamente porque está ciente de si mesmo e participa na determinação de seu futuro.
O que caracteriza a espécie
humana, no entanto, é o desenvolvimento de uma cultura, um ambiente social que contém
as contingências que geram autoconhecimento e autocontrole. É este ambiente que tem sido, por tanto tempo, negligenciado por aqueles que têm
se interessado pela determinação
interna da conduta. Tal omissão tem feito
com que práticas
melhores para produzir
autoconhecimento e autogoverno tenham malogrado.
Diz-se com
freqüência que uma análise behaviorista “desumaniza o homem”. Mas
ela simplesmente não precisa de uma ficção explicativa perniciosa. Sendo
assim, move-se muito mais diretamente para os objetivos, do que a ficção erroneamente proposta para alcançá-los. As pessoas entendem a
si mesmas e governam a
si próprias mais eficazmente
quando entendem as contingências relevantes.
Processos importantes em autogoverno pertencem aos
campos da ética e da moral,
nos quais conflitos entre conseqüências imediatas
e atrasadas são considerados. Uma
das grandes façanhas de uma cultura tem sido a de fazer as conseqüências remotas virem a cair
sobre o comportamento do indivíduo.
Podemos planejar uma cultura na qual os mesmos resultados serão alcançados, com maior eficácia, deslocando
nossa atenção da solução do
problema ou conflito moral para
as contingências externas.
Podemos nos deslocar de um
agente interior para determinantes ambientais, sem ignorar a questão de valores. Tem-se argumentado que o behaviorismo é ou pretende
ser livre de valores, mas que
nenhuma ciência livre de valores pode
lidar, adequadamente, com o homem qua
homem. O que está errado no argumento tradicional pode ser identificado na expressão “julgamento de valor”. Um agente interior iniciador julga as coisas como
boas ou más. Mas uma fonte muito mais
eficaz
de
valores é encontrada nas contingências
ambientais. As coisas que as pessoas consideram como
boas são reforçadores positivos
e reforçam por causa das contingências de sobrevivência sob as quais a espécie evoluiu. Até recentemente, a espécie poderia sobreviver à fome, à peste e a outras catástrofes apenas se seus membros procriassem em todas as oportunidades e, sob tais contingências, o contato
sexual se tornou altamente reforçador. O sexo não é reforçador
porque é bom; é reforçador
e é bom por uma razão filogenética comum. Alguns reforçadores podem
adquirir seu poder durante a vida do indivíduo. Bens
sociais, tais como atenção ou aprovação, são criados e usados para induzir pessoas a se comportarem de maneiras que sejam
reforçadoras para aqueles que os usam. O resultado pode ser bom para o indivíduo tanto quanto
para os outros, em especial quando conseqüências atrasadas
são mediadas.
Os valores que afetam aqueles que são responsáveis por outras pessoas fornecem bons exemplos da importância
de mudar dos supostos atributos de um
homem
interno para as contingências que afetam comportamento. Há cinco grupos clássicos de seres humanos
que têm sido maltratados: o jovem, o velho, prisioneiros, psicóticos e retardados. São maltratados porque os responsáveis por eles não têm
afinidade, ou compaixão, ou benevolência, ou falta-lhes
consciência? Não; o fato importante é que eles são incapazes de se defender.
É fácil maltratar quaisquer
desses cinco tipos de pessoas sem ser, em
conseqüência, maltratado por elas. O
confronto de 1972, entre humanistas e católicos, no Lafarge Center, na
cidade de Nova York, não conseguiu deixar claro que as origens da consciência não podem ser encontradas nas verdades psicológicas, mas nas sanções punitivas.
Uma análise ambiental
possui uma primazia especial para promover um tipo de
valor interessado no bem
da cultura. As culturas evoluem
sob contingências especiais de sobrevivência. Uma prática,
que torne mais provável a sobrevivência de uma cultura,
sobrevive com a cultura.
As
culturas
tornam-se
mais bem sucedidas para agrupar
contingências de sobrevivência, na proporção em que induzem
seus membros a se
comportarem de maneiras mais e mais sutis e complexas. (O progresso não é inevitável, por certo, pois há culturas extintas, bem como espécies extintas). Alcança
- se um estágio importante
quando uma cultura induz alguns de seus membros a se interessarem por sua sobrevivência, porque eles podem, então, planejar
práticas mais eficazes.
Através dos
anos,
homens e mulheres têm, vagarosa
e
desordenadamente, construído ambientes físicos e sociais nos quais têm se aproximado mais do preenchimento
e realização do seu potencial. Não mudaram
a si
mesmos (trata-se
de um problema genético
que ainda não foi solucionado); mudaram o mundo em
que vivem. Pode-se dizer que, no planejamento
de sua própria cultura, o homem controla seu destino.
Eu definiria
um humanista como uma daquelas pessoas que, por causa do ambiente
ao qual foi exposta, está interessada no futuro da humanidade. Um movimento que se denomina “psicologia humanista” segue uma trajetória bem diferente. Ele tem
sido descrito como “uma terceira
força” para se diferenciar
do behaviorismo e da psicanálise; no entanto, “terceira” não deveria ser entendida como avançada, nem “força” sugere poder. Uma vez que,
tanto o behaviorismo como a psicanálise vêem o comportamento humano como um sistema
determinado, os psicólogos humanistas têm
dado ênfase a um contraste, ao defender a autonomia do indivíduo.
Têm insistido que a pessoa pode transcender seu ambiente, que ela é mais que um estágio
causal entre ambiente e comportamento, que ela
determina quais forças ambientais atuarão
sobre si; em outras palavras,
que ela tem livre escolha. Tal
posição é evidente no existencialismo,
na fenomenologia e no estruturalismo, porque a ênfase é sobre o que a pessoa
é ou está se tornando. A expressão “auto- atualização”, de Maslow, encaixa-se
perfeitamente: o indivíduo deve completar-se, não apenas através da
gratificação, é claro, mas através do “crescimento espiritual”.
Os psicólogos humanistas não estão despreocupados com o bem dos outros,
nem com o bem de nossa cultura ou da humanidade,
mas sua proposta é essencialmente egoísta.
Seu crescimento pode ser localizado na luta pela
liberdade política, religiosa e econômica, na qual um dirigente despótico
poderia ser destituído apenas
persuadindo o indivíduo
de que ele era a fonte do poder usado para controlá-lo. A estratégia tem tido resultados benéficos, mas tem levado a um
exagerado enaltecimento do indivíduo, o que pode, por
outro lado, levar a novas formas de
tirania ou ao caos. O suposto direito
do indivíduo para adquirir bens ilimitados,
que ele pode usar livremente conforme seu desejo,
resulta, freqüentemente, em uma forma de despotismo, e o interesse hindu pelo crescimento espiritual tem sido acompanhado por uma quase
total negligência do ambiente
social.
Melhores
formas de governo não serão encontradas em melhores legisladores, melhores
práticas educacionais em melhores
professores, melhores
sistemas econômicos em administradores
mais brilhantes, ou melhor terapia em terapeutas mais
compreensivos. Também não serão encontradas em melhores cidadãos, estudantes, trabalhadores ou pacientes. O equívoco secular está em procurar a salvação na natureza
dos homens e mulheres autônomos, ao invés de buscá-la no ambiente
social que surgiu na evolução das culturas e que pode ser explicitamente
planejada.
Ao mudar a ênfase do homem
qua homem para as condições externas
das quais o comportamento do homem é função, tornou-se possível planejar melhores
práticas para cuidar dos psicóticos e retardados,
para os cuidados infantis, para a educação (tanto no manejo de contingências em sala de aula como na programação de material institucional), para os sistemas de incentivo
na indústria e nas instituições pessoais. Nestas e em muitas outras
áreas podemos agora trabalhar mais eficazmente para o bem do indivíduo, em beneficio do maior numero de pessoas e para o Ben da cultura ou da humanidade
como um todo. Estas são, certamente, preocupações humanistas, e ninguém que se chame
de humanista pode se dar o direito de ignora-las.
Homens e mulheres
nunca se defrontaram antes com maior ameaça
para o futuro da espécie. Ha. muito a ser feito, e rapidamente,
e
nada menos que a pratica
ativa de uma ciência do comportamento bastara.
www.terapiaporcontingencias.com.br/pdf/.../humanismo_behaviorismo02. ..