Teresa Maria deAzevedo Pires Sério
PUC/SP
Não sabia que seria tão
difícil responder privadamente (para mim mesma) e depois publicamente a
pergunta: por que sou behaviorista radical
O caminho que
acabei encontrando começa com dois alertas. Gostaria de deixá-los bem claros.
O primeiro
alerta. Skinner, nas primeiras páginas de About Behaviorism (1974), por duas
vezes (p.8 e p.20), afirma que não está falando como o behaviorista. Na primeira
destas passagens, ele diz:
“O
leitor deve saber que nem todos os behavioristas concordariam com tudo que eu
diga. Watson falou como ‘o behaviorista', e em seu tempo ele era o
behaviorista, mas ninguém pode assumir este lugar hoje.” (1974, p.8)
A afirmação é
clara. Ninguém pode falar como o (ou a) behaviorista, ou, o que dá no mesmo, em
nome do behaviorismo.
O segundo alerta
está relacionado ao primeiro. Continuando a citação acima, Skinner diz:
“O que
se segue é reconhecidamente – e, como behaviorista, devo dizer necessariamente
– uma visão pessoal” (...) “reflete minha própria história ambiental”. (1974,
pp. 8, 20).
Resumindo os
alertas, agora com minhas próprias palavras. O que vou dizer não tem a
pretensão de legislar sobre o que é o Behaviorismo Radical. Sem ser um relato
de história de vida (entre outras razões porque minha história nada tem de tão
interessante, o que vou dizer é muito mais um depoimento. Um depoimento sobre
aquilo que me atraiu e continua me atraindo no/para o Behaviorismo Radical.
Tanto quanto as fontes de atração, a sequência na qual os diferentes aspectos
são abordados reflete apenas meu jeito pessoal de organizá-los.
Só mais um
'porém'. Apesar do primeiro alerta de Skinner, os aspectos que identificarei
como pertencentes ao Behaviorismo Radical são retirados dos textos escritos por
ele.
1.
Processo de produção de conhecimento científico
Um primeiro
conjunto de aspectos que gostaria de abordar se refere a como o Behaviorismo
Radical entende o processo de produção de conhecimento científico.
Acredito que duas suposições
básicas sustentam a concepção behaviorista radical de conhecimento científico:
a crença na existência do mundo (About Behaviorism, 1974, pp. 108-109, pp.
158-159) e a crença de que os fenômenos são determinados (About Behaviorism,
1974, p. 208; Ciência e ComportamentoHumano, 1989, p.29, p. 32). Como uma das
maneiras de conhecer o mundo, de conhecer a realidade, o conhecimento
científico deveria estar desvendando exatamente tais relações de determinação.
Creio que foi com esta formulação simples que estas crenças se constituíram no
impulso inicial para a produção de conhecimento que acabou configurando o
Behaviorismo Radical.
Entretanto, diferentemente do que
foi muito tempo divulgado (e talvez ainda hoje o seja), tais crenças não tornam
aquele que produz conhecimento - no caso, o cientista, um ser passivo, a quem
só cabe reconhecer neutralmente, e sem outra alternativa, os estímulos vindos
deste mundo e decodificá-los em leis que expressariam nada mais, nada rnenos,
que a ordem imanente a tais estímulos (About Behaviorism, 1974, pp. 82-83, pp.
86 88, p. 153). Ao contrário, desde o momento da percepção, este sujeito é
ativo: sua percepção é determinada por suas interações, passadas e atuais, com
a situação que se coloca como objeto de conhecimento. Ao se afirmar que
"conhecimento é ação, ou pelo menos regras para a ação" (About
Behaviorism, 1974, p.154), supõe-se que conhecimento implica sempre interação
com o objeto a ser conhecido, e se falamos em interação, falamos em modificação
do objeto e do sujeito que conhece.
Também diferente
do que é mais frequentemente divulgado, a concepção behaviorista radical não
reduz a ciência à coleta e organização de dados; muito ao contrário (e a
trajetória de Skinner como produtor de conhecimento é um exemplo disso). O
cientista persegue ideias, suposições, hipóteses; interpreta seus resultados,
busca constructos hipotéticos ou teóricos que lhe tragam significado; constrói
sistemas teóricos. Nesse processo, nem a especulação está de fora; como diz
Skinner:
“Todo campo científico tem uma fronteira além da qual a discussão,
embora necessária, não pode ser tão precisa quanto se poderia desejar (...) se
fosse verdade (que a especulação não faz parte da ciência), grande parte da
astronomia ou da física atômica, por exemplo, não seria ciência. De fato, a
especulação é necessária para delinear métodos que colocarão o objeto de estudo
sob melhor controle.” (1974. p. 21)
Talvez, as únicas coisas interditadas sejam o ecletismo e
o dogmatismo cego. Explicando: o cientista só produzirá conhecimento ao
comprometer-se com alguma ideia; é na busca de evidências que sustentará esta
tal 'ideia’ que o conhecimento será produzido e essa busca, por vezes, deve
serfeita contra tudo e contra todos; ele não poderá desistir diante das
primeiras ou das grandes adversidades – assim, um certo tanto de dogmatismo
parece necessário e, com certeza, o ecletismo estará eliminado. Agora, ele deve
buscar evidências, deve verificar a força de tal 'ideia', sua amplitude, sua
abrangência e, nesse percurso, deve descobrir seus limites. Para isso, ele deve
estar atento ao diferente, ao novo, ao não previsto inicialmente; deve estar
pronto, inclusive, para reformar ou negar sua ‘ideia’ inicial - assim, não cabe
um dogmatismo cego. Não fosse um certo tanto de dogmatismo, não teríamos
descoberto nenhuma regularidade nas relações comportamento-ambiente, nenhuma
relação de determinação; continuaríamos no reino absoluto da vontade, ou do
destino, ou de poderosas forças não-materiais, ou, no melhor dos casos, de uma
natureza caprichosa, tão caprichosa que não se submete ao conhecimento. Fosse
cego esse dogmatismo, continuaríamos buscando explicar todo e qualquer
comportamento através dos conceitos de reflexo e de reflexo condicionado.
Finalmente, o
caminho que o cientista percorre ao produzir conhecimento deve ser submetido a
uma única norma: deve ser público. Não cabe restringi-lo por nenhum outro tipo
de padronização (por exemplo, uso de instrumentos precisos, de medidas exatas.
de cálculos matemáticos) e por nenhum tipo de formalização (por exemplo,
dedução de hipóteses de tal ou qual forma). A esse modo de olhar o método
científico, costumamos chamar de teórico informal. Claro que pagamos certo
preço por essa opção. Entre outras coisas, a sistematização do conhecimento é
muito mais lenta, corre-se o risco da dispersão, questões teóricas importantes
podem ficar encobertas por muito tempo. Por outro lado, nos libertamos de
amarras que podem retardar (frear, conduzir para uma só direção) a produção de
conhecimento, já que a postura teórico-informal parece aumentar a possibilidade
da variabilidade, da novidade. Quase arriscaria dizer que a concepção
behaviorista radical do processo de produção de conhecimento científico
prioriza o controle por contingências e não o controle por regras. Se é assim,
por que a norma – a regra de ser público?
Uma primeira e
mais conhecida razão é a de propiciar possibilidades de avaliação pela
comunidade científica: tornar público o conhecimento produzido e o processo que
conduziu a ele é condição para submeter a variação à seleção; neste caso,
através das contingências de reforçamento da comunidade científica. Uma segunda
razão, menos difundida e talvez mais importante, é que tornar público o
conhecimento possibilita a ação da comunidade em geral. Como diz Skinner:
“O
'sistema científico’, como a lei, tem por finalidade capacitar-nos a manejar um
assunto do modo mais eficiente. O que chamamos de concepção científica de
determinada coisa não é conhecimento passivo. A ciência não se preocupa com
contemplação.” (1989, p. 26)
Nesse caso,
estaremos submetendo também à variação a seleção, só que o critério agora é uma
prática mais efetiva no mundo. Um critério, portanto, que vai além dos
controles explícitos estabelecidos pela comunidade científica. O conhecimento,
que é ação, tem por objetivo básico propiciar novas e mais efetivas ações e
nestas ações está o critério fundamental de sua validação.
2.
Psicologia como ciência do comportamento
O que acontece
quando esta concepção de ciência se encontra com a Psicologia? O segundo
conjunto de aspectos que eu gostaria de abordar se refere à proposta
behaviorista radical para a Psicologia.
Com certeza, a proposta
behaviorista radical tem como marca a construção da Psicologia como ciência.
Para muitos, isso significou, e significa ainda, empobrecer ou reduzir o objeto
da Psicologia.
Empobrecer porque fazer ciência
pareceria implicar o lidar só com fenômenos diretamente observáveis, o que, no
âmbito da Psicologia, significaria lidar apenas com o comportamento manifesto,
ou seja, com comportamentos aos quais qualquer observador independente pudesse
ter acesso diretamente. E todos nós sabemos que uma parte bastante
significativa de nós não é/não está (na maioria das vezes, felizmente)
acessível a outras pessoas.
Reduzir porque, na tentativa de
garantir tal critério, mesmo que como algo a ser atingido a longo prazo, fazer
ciência poderia significar descrever os fenômenos psicológicos em outro nível -
através das transformações neurológicas e/ou fisiológicas. Nesse caso, a
Psicologia perderia sua especificidade, já que se diluiria entre as ciências
ditas biológicas.
Entretanto, a proposta
behaviorista radical de construir uma psicologia científica, uma Psicologia
como uma ciência do comportamento, não opta por nenhum destes dois caminhos:
não empobrece nem reduz os fenômenos psicológicos.
Desde seus primeiros textos, Skinner (1931, por
exemplo) enfaticamente procura mostrar a diferença entre a
Fisiologia/Neurologia e a Ciência do Comportamento e, desde seu famoso texto de
1945 (A Análise Operacional de Termos Psicológicos), procura convencer os
próprios behavioristas de que não há razão alguma que justifique retirar da
ciência do comportamento aqueles fenômenos que não podem ser diretamente
observados. Do ponto de vista do Behaviorismo Radical, cada um de nós é um
organismo, isto é, membro da espécie humana com sua história de evolução; mas é
um organismo que, interagindo com o ambiente durante sua vida, adquire um
repertório de comportamentos: torna-se uma pessoa. Uma pessoa que, interagindo
com o ambiente, estabelece relações especiais: relações com outros seres humanos
que lhe possibilitam desenvolver um repertório também especial que podemos
chamar de autoconhecimento; uma pessoa que pode conhecer seus comportamentos,
públicos ou não, e os estados corporais (sentimentos, emoções) que acompanham
tais comportamentos e que, assim, se torna um self. Para as Ciências
Biológicas, esta pessoa pode continuar apenas um organismo, para a ciência do
comportamento não: seu foco de análise está exatamente nas outras duas
'dimensões' (About Behaviorism, 1974, p. 145), e a última delas (a que chamamos
self) nos coloca frente a frente com os fenômenos que não são passíveis de
observação direta por um observador independente.
xx |
xx |
Postado por: Hilton Caio Vieira