Meu primeiro contato com a ACT foi num curso de terapia comportamental e cognitiva na USP, em 2004, quando tivemos uma tarde com a Profa. C. que tinha a dura tarefa de nos dar uma aula sobre ACT.
Não fugindo muito a uma porção de outras coisas que acabei abraçando na vida, este primeiro abraço foi fraco. Mas, alguma coisa me chamou a atenção, que não era, pensava eu, a ACT. Só mais tarde é que vim a saber que, embora não tivesse entendido quase nada da aula, duas concepções centrais na ACT já me acompanhavam há algum tempo.
Não me lembro de outras pessoas que estudassem ACT à época. Imagino que a Dra. Fátima Conte estivesse engatinhando na coisa também. Para quem vem de uma formação básica em behaviorismo, compreender a ACT pode ser muito mais difícil. Mas, como faz parte do processo de tornar-se um ACT-Terapeuta, o conhecimento da ACT vem primeiro pela experiência e não pelo conceito. Talvez por isto é tão – e como é – difícil alguém aprender ACT lendo manuais ou assistindo aulas – mesmo que tenhamos exemplos na aula.
O final da aula é inesquecível. Todos foram embora e ficamos ali, a Prof. F., a Profa. H. e a Prof. D. E eu, bobo por me ver em tudo aquilo que nem bem entendera direito. Como pode? Lembro-me da indignação da Profa D que não via naquilo que acabava de ver nada de que precisasse em sua prática clínica. Tudo aquilo ela já fazia com os conhecimentos de BF Skinner e Murray Sidman (para citar dois teóricos apenas). Mas ficava a inquietante pergunta que foi feita: qual a diferença entre o que havia e o que o Hayes propõe? Ficamos todos os quatro olhando para as anotações e desenhos que a Profa. C. tinha feito durante a aula.
Ensaiávamos algumas respostas – pensativos, olhando para a lousa, um para a cara do outro – que justificassem a importância da inovação que trazia. ACT. Hayes parecia um engodo, um herege, um sacripanta. Como ele se atreve a desconstruir o quintal de nossa casa? Mas, como expulsar um herege que tem escritos centenas de artigos científicos de cunho behaviorista radical, em periódicos de primeira linha (JABA, JEAB, etc). Bom, se ele for antipático ou convencido, já teremos um bom motivo. Não importa se suas ideais são ou não são úteis. As virtudes dos sentimentos não dispensam os cientistas e nem a ciência.
Foi então que – e me sinto bem com esta lembrança – apontei que a grande diferença era a maneira de lidar com o controle. Eu havia lido um texto básico para a aula. Era isto o que ficara. Hoje sei que, de fato, este é um dos pontos centrais da ACT, o que a diferencia das abordagens anteriores. Mas, outro detalhe da ACT passada pelo Profa. C. foi o intenso uso de metáforas. Nisto me senti em casa, embora não tenha compreendido, de pronto, as metáforas expostas pela professora, extraídas dos livros do Hayes. Mas, as metáforas têm sido ao longo de toda a minha carreira clínica uma técnica indispensável.
Posteriormente, vim a descobrir que, para o Hayes, o mais importante não era uma metáfora A ou B e sim a capacidade criativa do psicólogo para encontrar uma metáfora capaz de levar uma mensagem que os meios convencionais não davam conta. Talvez um dia eu escreva uma compilação de todas as metáforas que tenho utilizado. Mas, o Hayes trazia algumas novas, que de mais importante – como deve ser para a ACT – estavam novos elementos até então não percebidos pelo cliente dentro de uma perspectiva enraizada no behaviorismo radical de BF Skinner. Certos conceitos novos necessitavam ser transmitidos através de metáforas até então inexistentes. Eram conceitos centrais que se organizavam para formal o estilo de vida ACT, como costumeiramente gosto de chama.
Por esta época, não parecia compreensível que tipo de avanço pós Skinneriano o Steven Hayes estava trazendo com a Terapia de Aceitação e Compromisso. Conta-se que ele foi bastante rechaçado em diversos eventos. Mas, não deixava de ter sua turma, a dos iniciados que conseguiam entender o que ele dizia.
A ACT veio como uma terceira onda, como diz Hayes, no campo da psicoterapia. Ela chama de primeira onda o tempo da “modificação do comportamento” em que o comportamento público era o privilegiado. Foi por esta época que a palavra manipulação – usada até hoje por alguns que não conhecem seu sentido – era comum em livros de princípios comportamentais. E “manipulação” esteve muito associada á ideia de controle, no sentido de controle da liberdade. Para muitos que, como eu, estudaram psicologia experimental em 1977, o que fazíamos era um arranjo de ambiente para que alguns comportamentos tivessem mais probabilidade de ocorrência. Isto era manipulação ambiental, ou mais precisamente, manipulação de algumas variáveis relevantes. Até hoje encontramos professores que têm alguma dificuldade no ensino do conceito de controle experimental e manipulação.
A segunda onda é considerada a abordagem cognitiva, com diversos nomes de destaque, entre os quais Aaron T Beck, provavelmente o mais conhecido. Formou escola. Mas por que cognitivistas? De modo simples, é porque consideravam – e consideram – que o pensamento pode dar origem a comportamentos. Ou seja, nossos comportamentos têm causas internas, invisíveis aos outros, e, em geral, não conscientes para nós. Este é um dos motivos para ser chamada abordagem ou movimento cognitivista.
Este movimento veio com a proposta de tratar as causas dos distúrbios mentais, originados em esquemas de pensamento, modelos interpretativos dos eventos no mundo, que justificavam e mantinham as formas indesejáveis de pensar, agir, e consequentemente de se sentir mal (sentimentos, emoções, imagens, dores, etc – o que sentimos). Assim, com uma interpretação errônea das relações entre eventos no mundo, as pessoas passavam a se comportar de modo precário. Era preciso, nesta concepção, corrigir os pensamentos, os esquemas interpretativos do mundo e das relações para que novos comportamentos surgissem.
O que se quer nesta concepção é mudar o comportamento e para isto ataca-se sua origem localizada na mente, consciência, ou outra coisa interna responsável por processos que levam ao sofrimento humano. As pessoas procuram psicólogos devido a seus sofrimentos, relatados em forma de sentimentos, pensamentos, lembranças e outras coisas desagradáveis. Enfim, o que nos leva buscar ajuda é o que sentimos e não um objeto que o causa – se é que podemos simplificar assim.
Este movimento conseguiu muitos adeptos que utilizam, também técnicas da velho estofo modificador de comportamento, tão criticado por esta segunda geração de psicólogos comportamentais. Com isto, esta segunda geração de comportamentalista passou a se denominar, cognitivo-comportamental. Isto mostra que embora buscassem modificações comportamentais, tentando mudar – controlar – os esquemas e modos de interpretar o mundo de seus pacientes, eles também se utilizavam de técnicas ortodoxas e antigas, antes criticadas, como a dessenssibilização sistemática, modelagem e esquemas de reforçamento. Mas, desta vez como recursos associados secundários ou coadjuvantes nos tratamentos. A correção, de fato, ocorreria nas raízes, na causa situada em processos mentais distorcidos. Este modelo, então chamado cognitivo-comportamental, apresenta evidências de eficácia, a despeito das diferenças de atribuição de causalidade com o behaviorismo radical. Alguns estudos têm mostrado que esta eficácia - que se equipara com a de tratamentos comportamentais de terceira geração - se deve mais aos aspectos comportamentais do modelo. A seguir apresentarei conceitos fundamentais da ACT e algumas das diferenças que mantém com abordagens pautadas num modelo cognitivista, ou comportamental de primeira e segunda geração. Mas como objetivo do texto é contar a história de minha relação com a ACT enquanto estilo de vida, procurarei evitar que o texto fique árido, ainda que com possa deixar aspectos teóricos e práticos importantes para detalhar. Estes aspectos podem ser encontrados nas diversas obras publicadas por Steven S Hayes e seus colegas nas últimas décadas.
Entendida como uma maneira de intervir para modificar o comportamento humano, a ACT baseia-se na Teoria dos Quadros Relacionais (RFT) – um conhecimento científico sobre o modo de organização da experiência humana com base nas funções contextuais da linguagem. Cabe salientar que sua prática não guarda correspondência com a necessidade de protocolos rígidos. Assim, não deve ser confundida com um conjunto de técnicas e estratégias específicas.
O objetivo do relacionamento entre cliente e profissional, nas múltiplas situações em que a ACT é utilizada, está no aumento da flexibilidade comportamental e diminuição da rigidez destrutiva, proporcionada pela inevitável experiência controladora que a linguagem assume sobre as ações humanas.
Como a linguagem está no centro de muitas dificuldades humanas, a ACT vem a ser uma intervenção para colocá-la numa posição de instrumento a ser usado quando necessário, ao invés de permanecer como processo escondido que consome quem a possui. Isto implica em práticas que promovem a liberdade para criar através da aceitação do incontrolável e da escolha de ações comprometidas com propósitos de vida nobremente valorizados.
Venho estudando ACT desde 2004. Um dos colegas de interlocução sobre este tópico, e outros, de interesse para o campo da psicoterapia para psicólogos, tem sido o psicólogo Paulo Roberto Abreu - doutorando pelo Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia da USP - onde este que vos escreve, também fez doutorado em Teoria do Apego (etologia humana) sob a orientação da estimada Professora Doutora Vera S R Bussab.
Paulo R Abreu foi o idealizador é o atual responsável pelo Instituto de Análise do Comportamento de Curitiba (IACC). Juntos com dois outros colegas, fundamos o IACC. Este se tornou um respeitável centro de ensino e divulgação de avanços em análise comportamental aplicada. Tive o privilégio de dar aula sobre ACT na primeira turma do curso de aperfeiçoamento em psicologia Clínica Comportamental.
Assim como o Behaviorismo Radical de BF Skinner, em que tem sua origem - pouco compreendida até nos meios psicológicos - também a Teoria de Aceitação e Compromisso (ACT) não costuma ser de fácil introdução aos que desejam conhecer e praticar o estilo de vida ACT - uma alternativa eficiente para lidar com a dor humana.
Digo estilo porque a ACT não é um conjunto de técnicas e protocolos para tratar os sofrimentos humanos, comumente chamados de Transtornos, Distúrbios ou Desordens. Estes são comuns nas abordagens comportamentais cognitivistas anteriores a esta concepção pós skinneriana.
De fato, a ACT é uma referência de estilo, ou enquadre da experiência humana, que permite ao terapeuta ACT desenvolver ou derivar suas próprias técnicas, protocolos e estratégias, que atendam à necessidade máxima desta prática terapêutica, direcionada ao aumento da flexibilidade psicológica - conceito central.
ACT é um conhecimento primordialmente experiencial. Não se aprende para então viver ACT. Com a vivência do estilo ACT é que os conceitos passam a fazer sentido.
A seguir apresentarei brevemente alguns conceitos centrais da ACT, desenvolvidos em seções posteriores, e assinalarei algumas diferenças que mantém com abordagens comportamentais de gerações anteriores – um dos motivos pelos quais me senti atraído por sua proposta de olhar a dor na experiência humana.
[1] Este texto não se destina a uso acadêmico. Não constitui objetivo apresentar textos prontos e revisados. É aqui que se constrói, se escreve, e se reescreve. como se passa na própria experiência de vida concreta em outros âmbitos. As apresentações são feitas e refeitas no próprio BLOG, pelo próprio autor. As revisões serão identificadas pela data de postagem e por um identificador de versão em nota de rodapé. Podem ocorrer, assim, eventuais inconsistências, que fazem parte do processo de construção e reconstrução. Por se tratar de texto literário que privilegia contar histórias, o relato aqui apresentado é, em si, uma história presente que se pretende o mais fiel possível às lembranças do autor, e não aos fatos em si. Assim como nossa vida não tem ensaio, a história de relatar e os fatos citados aqui neste texto, “Minha história com a ACT” estarão em constante atualização, a medida que novos fatos e lembranças vierem à cena e/ou novas funções se apresentarem aos “mesmos fato e lembranças”. São aceitos comentários e sugestões para os textos. [FLORIVAL SCHEROKI]
Fonte: http://www.operantelivre.com/2011/01/minha-historia-com-act.html
Postado por : Hilton Caio
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