CAPÍTULO 4
B.F. Skinner começou a trabalhar em psicologia depois de graduar-se em Letras e ter tentado, por um ano, seguir a carreira literária. Nesta época, entrou em contato com o behaviorismo de Watson, através de artigos de B. Russell, publicados na revista literária Dial que, por sua vez, o levaram a seu livro Philosophy no qual Watson também é analisado. Passou, então, a ler Watson, Pavlov e Loeb, e finalmente decidiu fazer pós-graduação em Psicologia em Harvard, no ano de 1928, já decidido a ser um behaviorista Skinner diz que resistiu ao mentalismo reinante em Havard graças a dois colegas behavioristas – F. Keller e C. Trueblood.
Deve ser salientado desde já que behaviorismo e mentalismo, nesta época, não eram posições excludentes, sendo a rejeição de Skinner ao mentalismo, pelas razões que serão vistas a seguir, justamente o que diferenciou seu behaviorismo do behaviorismo reinante. Isto não costuma ser reconhecido pelos não-estudiosos de Skinner, mas para ele tem uma importância crucial, por constituir o cerne de sua posição em psicologia.
Além disso, Skinner também diz que estudou pouca psicologia
em Harvard, fazendo pesquisas quase sozinho, sem orientação principalmente no laboratório do Departamento de Biologia cujo chefe, Crozier, ex-aluno de Loeb, tinha preocupações semelhantes à suas quanto ao objeto de estudo (Skinner, 1979).
Duas influências fundamentais parecem ter marcado o pensamento de Skinner e guiado o seu trabalho em psicologia nestes anos iniciais, e posteriormente: a de Loeb, quanto ao objeto de estudo e a de Mach, quanto ao método científico. Embora Skinner cite também outros autores como Watson, Pavlov, Sherrington, Thorndike, Poincaré e Bridgman, estas influências parecem ter sido mais periféricas (Skinner, 1979).
De Loeb, Skinner herdou a idéia de se estudar o
comportamento do organismo como um todo. A esse respeito, ele diz que:
"O comportamento parece ter sido aceito pela primeira vez como um tema em seus próprios termos quando foram estudados organismos pequenos demais e com comportamento simples demais para sugerir processos iniciadores internos... A formulação de Loeb dos tropismos e sua ênfase no
'movimento forçado' dispensavam as explicações internas. A coisa a ser estudada era o comportamento do 'organismo como um todo'. E isto também poderia ser dito de organismos maiores" (1989a, p. 61).
E mais especificamente, Skinner afirma:
"Eu queria estudar o comportamento de um organismo separado de qualquer referência à vida mental, e isto era Watson, mas eu também queria evitar referências ao sistema nervoso, e isto era Loeb" (1989b, p. 122).
Isto significa que a rejeição de Skinner a referências internas ao organismo não se restringia apenas a eventos mentais não-físicos mas também a fatores internos físicos, como o sistema nervoso.
De Mach, Skinner herdou sua posição quanto ao que deve ser a tarefa da investigação cientifica. Referindo-se à descrição do comportamento, Skinner considera que:
"Como uma disciplina científica, ela deve descrever o evento não apenas para si mesmo mas em sua relação com outros eventos; e... ela deve explicar ... podemos tomar agora a visão mais humilde de explicação e causação que parece ter sido primeiro sugerida por Mach e é agora uma característica comum do pensamento científico, na qual, em uma palavra, explicação é reduzida a descrição e a noção de função substitui a de causação. A descrição completa de um evento deve incluir uma descrição de sua relação funcional com eventos antecedentes" (1961a, p. 337-338, grifo do autor).
Com isto, Skinner passa a rejeitar também hipóteses explicativas para o comportamento, o que parece reforçar sua posição anterior, ou seja, de rejeitar explicações mentais ou neurológicas.
Sua posição fica clara quando ela é apresentada pela primeira
vez no artigo The Concept of the Reflex in the Description of Behavior, publicado em 1930, e que foi parte de sua Tese de Doutorado. Skinner (1979) considera que este artigo era, em parte, um ataque a explicações mentalistas do comportamento e também um ataque ao que ele considerou ser um mau uso da fisiologia já que Sherrington nunca tinha visto uma sinapse. Para ele, as propriedades podiam ser definidas operacionalmente com referência ao comportamento e ao meio sem mencionar o sistema nervoso. Seu objetivo era traçar a relação do comportamento do organismo intacto com o meio.
Mais explicitamente, ao tratar do reflexo de flexão, Skinner diz
que:
"Temos estado procedendo, é claro, sobre uma suposição desnecessária, i.e., que há um reflexo de flexão, que existe independentemente de nossas observações, e que nossas observações aproximam. Tal suposição é inteiramente gratuita... Se permanecermos ao nível de nossas observações, devemos reconhecer um reflexo como uma correlação..." (1961a, p. 341, grifo do autor).
E mais adiante, ao sintetizar sua posição, ele afirma:
"A história do reflexo tem conhecido apenas uma característica positiva pela qual o conceito pode ser definido: a correlação observada de dois eventos, um estímulo e uma resposta. Por outro lado, as características negativas que descrevem o reflexo como involuntário, inconsciente e não-aprendido têm procedido a partir de suposições não científicas sobre o comportamento dos organismos. O reflexo é tentativamente definido aqui como uma correlação observada de estímulo e resposta" (1961a, p. 346).
A partir deste momento, o behaviorismo de Skinner passa a diferenciar-se do behaviorismo da época sob dois aspectos importantes. No aspecto filosófico, como já mencionado, ele passa a rejeitar totalmente o recurso a construtos explanatórios, sejam eles mentais ou não. E no aspecto da investigação científica, ele desenvolve a noção de comportamento operante.
Dando prosseguimento a suas pesquisas, Skinner modificou o procedimento experimental de Thorndike, procurando primeiro eliminar quaisquer fatores perturbadores da situação experimental para seu organismo – o rato – e depois escolhendo um ato mais claramente definido que a corrida no labirinto – o apertar uma alavanca. Ainda nos experimentos em labirinto, Skinner observou que os ratos não começavam logo uma nova corrida, quando tinham sido alimentados. Marcando os atrasos, ele verificou a existência de uma mudança ordenada no comportamento de seu sujeito, e portanto de um processo a ser melhor investigado. Foi então que ele escolheu a taxa de pressão à barra como sua principal medida. A conclusão a que Skinner chegou, com estas modificações, foi que o condicionamento não era a mera sobrevivência de uma resposta bem-sucedida e a eliminação das restantes, como havia dito Thorndike em sua teoria da aprendizagem por ensaio-e-erro, mas era um aumento ou fortalecimento da taxa da resposta pelas suas conseqüências (Skinner, 1978b).
Com base nestas pesquisas, Skinner publicou dois artigos importantes em 1935 – The Generic Nature of the Concepts Stimulus and Response e Two Types of Conditioned Reflex and a Pseudo-Type
– e em 1937 publicou uma resposta a dois pesquisadores poloneses sobre a análise feita por estes autores a seu segundo artigo – Two Types of Conditioned Reflex: A Reply to Konorski and Miller. Foi neste último que Skinner usou, pela primeira vez os termos 'operante' e 'respondente' para diferenciar os dois tipos de condicionamento, não considerando-se mais, a partir de então, um psicólogo S-R (Skinner,1978b).
Surge, assim, o novo modelo de condicionamento operante, válido tanto para o comportamento humano quanto para o animal, que não substitui o modelo respondente, mas passa a dar conta da maior parte do comportamento da vida diária. Nele, o comportamento deixa de ser 'determinado' ou eliciado pelo estímulo antecedente, e passa a ser controlado por uma contingência de três termos, ou contingência de reforçamento, que envolve um estímulo antecedente, a resposta e um estímulo conseqüente ou reforçador, que fortalece e mantém a resposta.
Com relação à posição behaviorista de Skinner, para ele:
"O Behaviorismo, com um acento na última silaba, não é o estudo do comportamento mas uma filosofia da ciência interessada no tema e métodos da psicologia. Se a psicologia é uma ciência da vida mental – da mente, da experiência consciente – então ela deve desenvolver e defender uma metodologia especial, o que ainda não foi feito com sucesso. Se ela é, por outro lado, uma ciência do comportamento dos organismos, humano ou não, então é parte da biologia, uma ciência natural para a qual estão disponíveis métodos testados e altamente bem sucedidos" (1969a, p. 221).
Skinner ficou com a segunda hipótese, como visto, e rejeitou o behaviorismo tradicional que ele chamou de Behaviorismo Metodológico para diferenciá-lo de seu Behaviorismo Radical. As principais divergências envolvem o mentalismo e a visão de linguagem operacionalista do Behaviorismo Metodológico. Segundo Skinner, o Behaviorismo Metodológico não nega a existência de eventos mentais não-físicos; ele apenas os descarta de estudo por uma questão metodológica, i.e., por não poder haver uma concordância entre os observadores, o que iria contra os princípios do Positivismo Lógico e do Operacionalismo reinantes na época. Ou seja, o que o Behaviorismo Metodológico negava era a possibilidade do estudo científico dos eventos mentais, e não a sua existência. Quanto a Skinner, embora ele tenha negado a existência de evento mentais não-físicos, ele não negou nem descartou o estudo de eventos privados físicos. Para ele, é tarefa da psicologia dar conta destes eventos privados, pelo papel que desempenham no auto- conhecimento e no auto-controle (Skinner, 1974).
Sua posição a esse respeito foi; primeiro explicitada no artigo
The Operational Analysis of Psychological Terms, publicado em 1945. É ai que Skinner expõe mais claramente suas divergências com relação ao Operacionalismo e Behaviorismo Metodológico, e qual deve ser o programa de uma ciência do comportamento interessada em dar conta dos eventos privados.
Com relação ao Operacionalismo, o que Skinner questiona é a sua noção de definição e sua teoria da linguagem. Ele diz:
"...o operacionalismo não tem uma boa definição de definição, operacional ou outra. Ele não desenvolveu uma formulação satisfatória do comportamento verbal efetivo do cientista... Definição é um termo chave mas não é definido com rigor. A afirmação original de Bridgman de que o 'conceito é sinônimo do conjunto correspondente de operações' não pode ser tomada literalmente..... não proporciona um esquema geral de definição, muito menos uma afirmação explícita da relação entre conceito e operação" (1961b, p. 272-273, grifo do autor)
A falha desta posição, para Skinner, é não basear-se em uma concepção objetiva do comportamento humano; em concepções mais modernas do organismo. E é nesta direção que se encaminha a crítica de Skinner ao behaviorismo da época, por considerar que ele foi nada mais que uma análise radical de conceitos mentalistas, não chegando a dar uma formulação aceitável do relato verbal, que deve ser a base da análise de termos psicológicos. Segundo Skinner:
"Para ser consistente o psicólogo deve lidar com suas próprias práticas verbais desenvolvendo uma ciência empírica do comportamento verbal. Ele não pode, infelizmente, se juntar ao lógico ao definir uma definição, por exemplo, como uma 'regra para o uso de um termo' (Feigl); em vez disso, ele deve se voltar para contingências de reforçamento que dão conta da relação funcional entre um termo, como uma resposta verbal, e um estímulo dado. Esta é a
'base operacional' para seu uso de termos; e não é lógica mas ciência" (1961b, p. 281).
O problema do behaviorismo metodológico parece, então se dever ao fato, já mencionado, de ele não ter sido capaz de abandonar as ficções mentalistas. Para Skinner (1961b), aquilo que observamos, e sobre o que falamos, é sempre o mundo 'real' ou 'físico' e a
'experiência' é um construto derivado que deve ser compreendido
através de uma análise de processos verbais seguindo o paradigma de condicionamento operante, por ele desenvolvido. Isto significa levar em conta que uma resposta verbal é dada na presença de um estímulo antecedente e recebe conseqüências, i.e., é reforçada pela comunidade verbal. No caso da análise operacional de termos subjetivos, é preciso conhecer as características das respostas verbais a estímulos privados. O que Skinner quer explicar, então, é o comportamento de falar sobre evento privados, seja ele do cientista ou outras pessoas. Para ele, a solução deve ser psicológica em vez de lógica.
Em outras palavras, os eventos privados físicos existem mas o
que é introspectivamente observado são certos produtos colaterais das contingências de reforçamento que aprendemos a conhecer através das contingências estabelecidas pela comunidade verbal (Skinner, 1974). Como isto ocorre será visto quando for analisado o papel da linguagem.
Mas para melhor compreender a posição anti-mentalista de
Skinner, torna-se necessário rever sua visão de ciência e mais particularmente sua concepção de uma ciência do comportamento. Parte dela já foi mencionada anteriormente; o que se pretende aqui é torná-la mais explícita.
A ciência, para ele, é a busca de ordem, uniformidade e relações ordenadas entre eventos da natureza. Assim, para se fazer uma ciência do comportamento é necessário pressupor que o comportamento é ordenado e determinado, e tentar esclarecer e tornar explícitas estas uniformidade do comportamento (Skinner,1970a).
O método científico, por ele adotado, é o método positivista de Mach que se limita à descrição em vez da explicação, sendo seus conceitos definidos em termos de observações imediatas. Seu sistema não requer hipóteses, no sentido de construtos exploratórios (Skinner, 1938).
Assim, Skinner (1970a) rejeita as noções de causa e efeito,
substituindo-as pela noção de relação funcional. O que uma ciência do comportamento deve fazer é uma análise da relação funcional existente entre a variável dependente, ou comportamento, e a variável independente, ou operação realizada fora do organismo, da qual seu comportamento é função. Neste sentido, Skinner nega que qualquer fator interno possa determinar o comportamento. As causas psíquicas são rejeitadas por não poderem ser diretamente observadas e por não possuírem dimensões físicas, enquanto as conceptuais por serem meras descrições redundantes. E as causas neurais porque
"Uma ciência do sistema nervoso baseada na observação direta, e não na inferência, eventualmente descreverá os estados e eventos neurais que precedem formas de comportamento.... Verificar-se-à que estes eventos são precedidos por outros eventos neurológicos, e estes, por sua vez, de outros. Esta seqüência levar–nos–à de volta a eventos fora do sistema nervoso e, eventualmente, para fora do organismo" (Skinner, 1970a, p. 24).
Em suma, Skinner considera que:
"O hábito de buscar dentro do organismo uma explicação do comportamento tende a obscurecer as variáveis que estão ao alcance de uma análise científica. Estas variáveis estão fora do organismo, em seu ambiente imediato e em sua história ambiental. Possuem um status físico para o qual as técnicas usuais da ciência são adequadas"..."A objeção aos estados interiores não é a de que eles não existem, mas a de que não são relevantes para uma análise funcional" (1970a, pp. 26 e 28, respectivamente).
Neste sentido, Skinner passa a rejeitar teorias psicofisiológicas, assim como teorias que façam referência seja a eventos mentais seja a um sistema nervoso conceptual, por lançarem mão de explicações "de um fato observado que apela a eventos que ocorrem em outro lugar, em outro nível de observação, descrita em termos diferentes, e medida, se tanto, em dimensões diferentes" (1961c, p. 39).
Isto não significa que Skinner seja contra teorias em si mesmas, mas apenas contra teorias que tenham as características descritas acima. No artigo Current Trends in Experimental Psychology ele chega a afirmar que a psicologia experimental está fadada à construção de uma teoria do comportamento por ser ela essencial à compreensão científica do comportamento, e descreve os diferentes níveis que esta teoria deve possuir (Skinner, 1961d).
Em suma, a concepção mais freqüente que se faz da posição de
Skinner acerca dos processos cognitivos é de que ele, por adotar uma
abordagem behaviorista, rejeita a sua relevância. No entanto, como foi visto, não é esta sua posição. Na verdade, Skinner não descarta a importância do estudo dos 'eventos privados', nem mesmo um papel para eles, e não descarta o comportamento que ele chama de encoberto. O que ele procura fazer é, em primeiro lugar, discutir a sua origem e, em segundo lugar, avaliar seu papel na determinação do comportamento, e é ai que reside sua rejeição. Para Skinner, a explicação do comportamento deve ser sempre procurada nos eventos externos – as contingências de reforçamento.
Com base nessas premissas, o desenvolvimento cognitivo para
Skinner, só poderá ser melhor entendido depois de realizadas as análises que serão apresentadas a seguir a respeito principalmente do papel do meio, do comportamento e da linguagem, assim como de sua concepção dos fatores inatos, do social, da aprendizagem e da relação mente-corpo.
FATORES INATOS
Skinner não nega a existência de fatores inatos, contrariamente ao que é mais freqüentemente propagado. Ele insiste mesmo que nenhum estudioso reputável do comportamento animal jamais tomou a posição de "que o animal vem para o laboratório como uma tabula rasa virtual, que as diferenças entre as espécies são insignificantes, e que todas as respostas são praticamente igualmente condicionáveis a todos os estímulos" (1969b, p. 173). Segundo sua avaliação o mito de que os behavioristas rejeitam o papel de fatores inatos no comportamento se deve certamente às afirmações exageradas de Watson a esse respeito.
Na realidade, Skinner (1969b) admite que, assim como partes
do comportamento do organismo ligadas à economia interna sempre foram aceitas como herdadas, não há nenhuma razão para não se aceitar que algumas respostas ao ambiente externo também não o sejam. Ele também admite a maturação como sendo uma variável importante (1969c, 1969d, 1957). No entanto, ele irá analisar o que são estas respostas, no sentido de como elas surgem: se elas surgem inteiramente prontas em sua forma final e se são imutáveis, ou se não o forem qual é, neste caso, o papel do ambiente externo. Para Skinner, na medida em que o comportamento de um organismo é simplesmente a fisiologia de uma anatomia, a herança do comportamento é a herança de certas características corporais, mas como no caso do comportamento estas características não são claras, a questão básica deixa de ser se o comportamento é instintivo ou aprendido, mas se identificamos corretamente as variáveis responsáveis pela sua origem, assim como as que estão atualmente em vigor.
Skinner (1961e, 1969b, 1974) passa então a considerar dois
tipos de comportamento, segundo sua origem: aqueles de origem filogenética, devidos ao que ele chama de contingências de sobrevivência, i.e., a seleção natural, e os de origem ontogenética, devidos a contingências de reforçamento. No primeiro caso, os padrões herdados de comportamento teriam sido selecionados pelas suas contribuições à sobrevivência. Uma determinada resposta seria fortalecida pelas conseqüências relacionadas com a sobrevivência do indivíduo e da espécie. No entanto, é preciso considerar que o ambiente muda e que o organismo que for capaz de modificar seu comportamento de acordo, terá maior probabilidade de sobrevivência. É esta a origem da possibilidade de condicionamento tanto operante como respondente que se dá na ontogênese. Neste sentido, o processo de condicionamento operante, por exemplo, deve ter surgido por causa de suas conseqüências filogenéticas. Os estímulos reforçadores primários são aqueles que são cruciais para a sobrevivência como alimento, água, contato sexual e fuga de dano físico. Assim, qualquer comportamento que os produzir terá valor de sobrevivência e se tornará mais provável. Isto é, por tanto, inato. Mas, embora estes mecanismos que permitem a modificação do comportamento na ontogênese sejam herdados, para Skinner, o comportamento aprendido não emerge e não é uma extensão do comportamento não-aprendido. Ao fazer uma analogia entre seleção natural, ou contingências de sobrevivência, e condicionamento, ou contingências de reforçamento, Skinner observa que em ambos os casos deve haver primeiro certa variabilidade de respostas para que possa haver seleção. Segundo suas próprias palavras:
"As contingências ontogenéticas permanecem ineficazes até que uma resposta tenha ocorrido. O rato deve pressionar a barra pelo menos uma vez
'por outras razões' antes de pressioná-la 'por
alimento'. Há uma limitação similar nas contingências filogenéticas. Um animal deve emitir um grito pela primeira vez por outras razões antes que o grito possa ser selecionado como um aviso por causa da vantagem para a espécie. Disso se segue que todo o repertório de um indivíduo ou espécie deve existir antes da seleção ontogenética ou filogenética, mas apenas na forma de unidades mínimas. Ambas as contingências filo e ontogenéticas 'modelam' formas complexas de comportamento a partir de material relativamente indiferenciado. Ambos os processos são favorecidos se o organismo apresentar um repertório extenso, indiferenciado" (1969b, p. 175-176)
Isto significa que, para Skinner, nenhum comportamento seja ele de origem filo ou ontogenética, surge pela primeira vez em sua forma final e acabada. Em ambos os casos é o ambiente que seleciona, modelando assim formas finais, que na verdade nunca são finais na medida em que o ambiente está sempre de alguma forma mudando.
A partir destas considerações, Skinner analisa algumas relações e misturas existentes entre as variáveis filo e ontogenéticas. Serão revistos aqui alguns de seus exemplos que ilustram sua posição.
Em primeiro lugar, Skinner (1969b) considera que alguns comportamentos de origem filogenética podem ter surgido inicialmente a partir de comportamentos de origem ontogenética. Um exemplo disto é o comportamento do cão de dar voltas em torno de si mesmo antes de deitar-se. Skinner imagina que este tipo de comportamento operante pode ter vantagens filogenéticas como livrar-se de insetos, ter melhor visibilidade de predadores, ter movimento mais rápido em uma emergência. Neste caso, aqueles cães que davam voltas ao deitar-se tiveram maior probabilidade de sobrevivência e isto pode ter-se tornado tão facilmente condicionável como um operante que eventualmente apareceu sem reforçamento, tornando-se 'instintivo'.
Em contraposição a isto, Skinner também analisa como
comportamentos de origem ontogenética podem ter surgido a partir de comportamentos de origem filogenética. É preciso considerar , segundo Skinner, que o comportamento relativamente indiferenciado a partir do qual os operantes são selecionados é presumívelmente um produto da filogênese. Ele cita como exemplos a agressão e a imitação. Skinner (1970a, 1972a, 1972b) admite que o indivíduo já traga algum repertório que envolva respostas de atacar, morder, bater ou de mover-se da mesma maneira que acabou de ver outra pessoa mover-se. Mas isto não significa que esta explicação esteja completa. Para Skinner são as conseqüências atuais destes comportamentos que passam a controlar os comportamentos semelhantes futuros. Ele diz que:
"Por exemplo, se uma criança irada ataca, morde ou golpeia outra criança, tudo sem prévio condicionamento – e se a outra criança chora e foge, então as mesmas conseqüências podem reforçar outros comportamentos da criança zangada que dificilmente poderiam ser inatos – por exemplo, importunar a outra criança, tirar o brinquedo dela, destruir seu trabalho, ou dizer-lhe nomes feios" (1970a, p. 99).
Isto significa que o que é herdado não é tanto a forma ou topografia da resposta mas a suscetibilidade de ser reforçado de determinadas maneiras. Um exemplo claro disto está na análise que Skinner (1974) faz do comportamento de seguir do patinho. No ambiente natural, o patinho apresenta o comportamento de seguir que tem valor de sobrevivência; logo sua origem parece ser filogenética. Mas o que o patinho herda não é, segundo Skinner, o comportamento de seguir mas a suscetibilidade de ser reforçado pela proximidade do objeto. Isto pode ser comprovado através de uma situação experimental na qual o comportamento de seguir provoca o afastamento do objeto enquanto que o se afastar provoca sua aproximação. Neste caso, observa-se que o patinho irá se afastar do objeto e não aproximar-se dele ou seguí-lo. Skinner conclui que: "Apenas conhecendo o que e como o patinho aprende durante sua vida podemos estar seguros do que está equipado para fazer ao nascimento" (p.46). No caso do ser humano, Skinner considera que, por exemplo, dizer que a inteligência é herdada não significa dizer que formas específicas de comportamento sejam herdadas. Para ele:
"Contingências filogenéticas possivelmente responsáveis pela 'seleção da inteligência' não especificam respostas. O que foi selecionado parece ser uma suscetibilidade para contingências ontogenéticas, que levam particularmente a uma maior velocidade de condicionamento e a capacidade de manter um repertório maior sem confusão" (1969b, p. 183).
Outros dois exemplos ilustram a questão de se considerar o comportamento apresentado no ambiente dito natural como sendo o comportamento representativo da espécie. No primeiro, Skinner (1969b) relata um experimento com um porco-marinho no qual foram condicionadas diferentes respostas. Seu repertório padrão logo extinguiu-se e o porco-marinho começou a apresentar respostas nunca observadas em sua espécie, mas em outras. Skinner diz que essas respostas não teriam sido incluídas em um inventário da raça observada não fosse pelas contingências não-usuais que tornaram altamente provável que todo o comportamento disponível aparecesse. E no segundo exemplo, Skinner comenta que: "Os chimpanzés que 'tripularam' os primeiros satélites foram condicionados sob complexas contingências de reforçamento, e seu comportamento foi logo descrito como 'quase-humano"' (p. 202-
203). Isto parece mostrar não só a limitação do conceito de
ambiente natural mas também o amplo papel exercido pelas contingências de reforçamento.
Para Skinner (1969e, 1974), muitos comportamentos
considerados universais específicos da espécie são universais porque as contingências sociais ou não-sociais são universais. No caso do ser humano, os aspectos universais da linguagem não implicam uma dotação genética universal, mas são as contingências arranjadas por comunidades verbais que têm aspectos universais. O mesmo poderia ser dito, segundo Skinner, sobre alguns conceitos freudianos como o complexo de Édipo, por exemplo. Ele diz a esse respeito que:
"A análise de Freud tem parecido convincente por causa de sua universalidade, mas são as contingências ambientais em vez da psique que são invariantes... Os aspectos universais ditos característicos das comunidades lingüisticas surgem do papel desempenhado pela linguagem na vida diária" (1974, p. l67).
Um último exemplo, de um pássaro africano que guia o homem até uma colméia cantando e voando até ela, mostra como um comportamento considerado instintivo pode apresentar também aspectos operantes. O canto inicial do pássaro, eliciado pela presença do homem, portanto, incondicionado, serve de aviso ao homem de que ele está próximo de uma colméia. Os diferentes comportamentos apresentados pelos dois 'parceiros' mantêm então uma cadeia de respostas que tem como elo final o homem encontrar a colméia, quebrá-la e o pássaro comer os restos deixados pelo homem (Skinner, 1969b).
Estes diferentes exemplos parecem mostrar a limitação do
enfoque metodológico da observação naturalista do que é inato.
Antes de concluir, convém abordar como Skinner encara o caso específico do homem. Ele considera que "a evolução do homem tem enfatizado a modificabilidade em vez da transmissão de formas específicas de comportamento" (1961e, p. 36.05). E diz isto quando analisa o comportamento verbal. Para Skinner, o comportamento verbal não é um refinamento dos gritos instintivos de alarme dos animais porque os mecanismos envolvidos na aquisição do comportamento verbal o separa das respostas instintivas. No caso dos gritos instintivos, eles são respostas emocionais inatas que são difíceis, se não impossíveis de modificar pelo reforçamento operante. Enquanto o balbucio do bebê humano não é eliciado mas envolve respostas indiferenciadas (1957). Além disso, Skinner (1969b) também afirma que: "O homem não 'escolheu a inteligência sobre o instinto'; ele simplesmente desenvolveu uma sensibilidade a contingências ontogenéticas que tornou as contingências filogenéticas e seus produtos menos importantes" (p. 205).
Concluindo, então, em última instância todo comportamento é herdado, no sentido de que até o 'repertório extenso, indiferenciado', a partir do qual é modelado o comportamento operante, tem uma origem filogenética. Além disso, os estímulos que têm o poder de reforçar o comportamento também têm essa origem. Entretanto, é preciso atentar que mesmo este repertório, considerado 'inato', foi 'modelado' pelas contingências ambientais de sobrevivência, i.e., a seleção natural que também é responsável pelo poder reforçador dos estímulos. Os diferentes exemplos analisados mostraram que tanto o comportamento 'inato' pode ter uma origem ontogenética quanto o comportamento ontogenético surge de um repertório básico inato. Mas o mais importante a ser considerado não é tanto a forma do comportamento mas a suscetibilidade de ser reforçado de uma ou outra maneira. É isto que diferencia as espécies. Além disso, uma outra noção a ser rejeitada é a de ambiente natural por ela ocultar o repertório possível da espécie; o que é universal são as contingências e não o comportamento. Também é preciso considerar que em alguns casos o comportamento apresentado não é apenas inato, sobre este podem entrar em ação variáveis ontogenéticas que se misturam às filogenéticas. Quanto ao homem, as contingências ontogenéticas tornaram-se mais importantes que as filogenéticas.
O que Skinner procura sempre enfatizar então é o papel do
ambiente, ou seja, das contingências ambientais, sejam elas filo ou ontogenéticas.
É este papel do ambiente ou meio que será analisado a seguir.
CONTINUA!!
CONTINUA!!