sexta-feira, 3 de junho de 2011

O MITO DA LIBERDADE (artigo)



Primeira e segunda versão da conhecida obra de Skinner "mito"
 

O MITO DA LIBERDADE: RELAÇÃO ENTRE BEM-ESTAR INDIVIDUAL E CULTURA PARA O BEHAVIORISMO RADICAL





Autor: Mário Gomes de Figueirêdo (ACPC – Núcleo de Estudos Análise do Comportamento e Prática Cultural, da UNIVALE – Universidade Vale do Rio Doce, cidade de Governador Valadares, Estado de Minas gerais)
Uma questão da existência humana que muito tempo ocupa pensadores é quanto à liberdade do indivíduo e sua relação com a cultura. Tradicionalmente têm-se procurado explicar a liberdade a partir da idéia do livre-arbítrio. Segundo dicionário de filosofia, livre- arbítrio é ...o poder criador da vontade, capaz de agir como causa primeira...e escolher para si com completa independência” (DUROZOI; ROUSSEL, 1999).

Este conceito de liberdade prevaleceu (e ainda prevalece), ao longo dos tempos, na cultura ocidental. Diferentemente desta vertente de pensamento, Skinner propõe uma outra forma de compreender a liberdade, a partir de sua teoria da seleção pela conseqüência, firmada no Behaviorismo Radical para a explicação do comportamento (SKINNER, 1983;1999).



Em oposição à idéia de um poder criador interno ao indivíduo, como causa de suas ões e, portanto, origem de sua liberdade, Skinner (1999) propõe a história genética e ambiental do indivíduo como determinantes de seu comportamento.





A liberdade do indivíduo, assim, estaria atrelada a estes fatores determinantes. A história genética refere-se à seleção natural da espécie, caracterizando os aspectos filogenéticos do indivíduo, tanto em termos fisiológicos, quanto comportamentais. A história ambiental trata dos contextos onde transcorreu a trajetória de vida da pessoa, onde ela aprende um singular repertório de comportamentos A história ambiental ocorre dentro de um grupo, de uma comunidade, que através de suas pticas perfaz uma cultura, sendo esta outro aspecto importante na compreensão dos elementos envolvidos no comportamento e, portanto, na liberdade do indivíduo.


No processo de constrão do repertório comportamental de um indivíduo, o fator fundamental da teoria de Skinner é a seleção pela conseqüência, que se define quanto a um evento contingente a uma resposta ou classe de respostas fortalecer tal resposta ou classe de respostas; ou, de outra forma, quando aumentar a probabilidade de ocorrência futura de uma resposta ou classe de respostas em circunstâncias semelhantes.(SKINNER, 1983;

1999). A este processo, Skinner o nome de aprendizagem operante, na medida em que o organismo opera sobre o ambiente produzindo conseqüências que fortalecem a probabilidade de ocorrência futura da resposta, a partir de uma condição antecedente na forma de estímulos discriminativos e operações estabelecedoras. Sintetizou tal processo na forma de uma tríplice contingência; ou seja, uma unidade composta de três eventos contingentes, que são o estímulo discriminativo, a resposta e o estímulo conseente.

Sobre esta propriedade de aprender pela conseência produzida no ambiente, Skinner afirma tratar-se de algo natural, determinado pela seleção natural da espécie (SKINNER, 1999). Segundo ele, a luta pela sobrevivência implica no recurso individual de um poder operante, que opera sobre o ambiente. Desta forma, todos nós nascemos com a característica intrínseca à nossa condição biológica de agir sobre o ambiente a nossa volta, modificando-o e, conseentemente, sendo modificado por ele, na medida em que a conseqüência seleciona a resposta. Nesse sentido, Skinner afirma que somos dotados de um poder operante, uma capacidade de agir para controlar o mundo tão natural quanto a respiração ou a reprodução (SKINNER, 1983). Assim, podemos inferir que, para Skinner, lutar pela liberdade é algo natural ao homem.

Entretanto, para Skinner, apesar de sermos dotados de um poder natural para agir sobre o mundo, esse poder não se origina em uma suposta vontade interior. Assim, não se pode compreender a liberdade individual aqui como algo imanente ao sujeito, no sentido de ser desvinculado do mundo externo à ele. Nessa direção, para Skinner o conceito de sujeito é de uma relação entre o organismo e o ambiente. A liberdade, para Skinner, portanto, envolve indissoluvelmente essa relação do indivíduo com seu ambiente, onde a determinação do movimento do indivíduo em direção a ser livre não está nem em um nem no outro, mas na relação entre ambos.


O ambiente, que mantém essa relação com o organismo, envolve aspectos físicos, que vão desde alimentos, roupas e outros objetos, a as pessoas que interagem entre si. Os indivíduos agrupados constituem o ambiente social, o qual controla o comportamento de cada um do grupo, favorecendo ou não o bem-estar das pessoas.

Nesse contexto, a liberdade em Skinner não significa a abolição total de controle, visto que esta palavra em sua teoria diz respeito a uma inevitável relação funcional entre comportamento e suas variáveis ambientais. O termo, portanto, diferencia-se do sentido usual, que é de caráter pejorativo e indica que uma pessoa ou agência qualquer manipula outra em benecio exclusivo de si mesma. A liberdade, para Skinner, implica no indivíduo livrar-se de controles aversivos ou punitivos e buscar controles por reforçamento positivo (SKINNER, 1983). A liberdade, sob essa ótica, é a condição corporal sentida pelo indivíduo e gerada pelas contingências de refoamento. Para Skinner, portanto, liberdade não é fruto do exercício de algo intrínseco ao indivíduo, como o livre arbítrio, na medida em que estabelece em sua teoria um determinante relacional entre o indivíduo e o ambiente. Mais especificamente ainda, nos sentimos plenamente livres quando somos positivamente reforçados e não precisamos escapar do contra-controle exercido pelo ambiente social (SKINNER, 1999).


Avançando nessa dirão, temos que a libertação do indivíduo para Skinner exige um planejamento explícito, um plano de ação o qual deve fundamentar-se numa análise científica do comportamento humano, visto que, o comportamento sempre é controlado pelo ambiente e, de forma especial, pelo ambiente social. Análise científica para Skinner significa investigação das relações funcionais entre comportamento e suas conseqüências produzidas no ambiente. Assim, a liberdade do indivíduo, vista como uma condição que lhe favoreça seu bem-estar, está inapelavelmente ligada ao seu ambiente social, visto que é nessa relação que o indivíduo pode tirar o ximo de proveito de seu potencial genético (SKINNER, 1983). Na tentativa de uma analogia, podeamos dizer que o livre-arbítrio no sentido tradicional, como fruto da racionalidade humana, seria, para o behaviorismo radical, comportamento governado por regras; isto é, comportamento sob controle de estímulos discriminativos verbais (SKINNER, 1978).

A luta pela liberdade individual, portanto, implica em questionar e modificar relações de controle entre pessoas e destas com agências sociais. Visto tratar-se de convivência humana, esta relação exige uma regulação. A busca da liberdade pelo indivíduo, então, estará inevitavelmente limitada por controles de um mundo coercitivo (SIDMAN, 1995), constituído de regras de conduta e práticas culturais da comunidade da qual faz parte. Ou seja, a liberdade individual, é apenas uma questão de livrar-se de controles coercitivos e buscar reforçadores positivos, mas também é uma questão de discriminar quais são os aspectos das metacontingências (GLENN citado por TODOROV; MOREIRA, 2004) e das contingências coercitivas, próprias da regulação do comportamento do grupo e do indivíduo. Neste ponto, Skinner formula uma questão ética, quanto a que tipo de controle é bom ou mau, assim como quais são efetivamente os controles coercitivos sociais úteis à preservão da cultura, sendo esta uma prescrição moral da teoria skinneriana (SKINNER, 1983; ABIB, 2001; DITTRICH, 2003).


Isto posto, para Skinner a busca da liberdade em direção ao bem-estar individual está indissociada do compromisso do indivíduo com a sociedade. O bem-estar individual deve estar em harmonia com pticas que garantam a sobrevivência da cultura; isto é, da vida. Para Skinner, ...o que é bom para a cultura é aquilo que lhe ajuda a garantir sua sobrevivência; e o que é bom para o indivíduo é aquilo que lhe promova seu bem-estar” (SKINNER,1999, p. 177). O desafio para o indivíduo, então, é equilibrar seus interesses individuais com os interesses coletivos.

Cultura, para Skinner, é definida como o conjunto de contingências de reforço organizadas e mantidas por um grupo social (SKINNER, 1999). Dentre tais contingências, aquelas responsáveis pela educação do indivíduo devem modelar, ou favorecer, a aquisição de repertório comportamental que atenda a essa prescrição moral. Nesse intuito, as pessoas não devem ser deixadas livres para se desenvolver por si mesmas, uma vez que, para Skinner, a virtude moral não é produto de uma essência intrínseca ao indivíduo, mas sim é comportamento e, como tal, modelado pelas contingências de reforçamento (SKINNER.


1999). A liberdade individual, portanto, não é algo que se encontra aprisionado” dentro do indivíduo, mas envolve a análise sistemática e a modificação do ambiente social, assim como a modificação de comportamentos aprendidos (ou negligenciados) pela educação. Para Skinner, o comportamento do homem não é naturalmente moral, nem o homem é dotado de sentimentos nobres essenciais, que lhes são inerentes. O comportamento virtuoso e moral é produto do ambiente social e o julgamento ético e a moral do homem é produto da evolução da cultura. Buscar a liberdade individual com uma conduta moral, ética e com senso de dencia não é uma condição essencial do indivíduo, porém produto do ambiente social (SKINNER, 1999).

Assim, a liberdade do indivíduo implica nele livrar-se da coeão, mas também não transgredir indiscriminadamente todos os controles sociais coercitivos. Particularmente, algumas contingências coercitivas fazem parte do processo de educação do homem, uma vez que, para a construção e manutenção da civilização, em alguma medida a coeão é inevitável (SIDMAN, 1995). Para tornar sua conduta moralmente correta e responsável pela sobrevivência da cultura, o indivíduo tem seu comportamento mantido sob controle coercitivo do ambiente social, na forma de princípios legais e éticos. Nesse sentido, em busca de libertar-se, o comportamento do indivíduo está continuamente sob controles concorrentes, entre auto-regras de libertação e contra-controles das contingências sociais verbais e não verbais, além de metacontingências da cultura (GLENN citado por TODOROV; MOREIRA, 2004).

Nesse sentido, Skinner (1983) relaciona a liberdade à dignidade. Se a liberdade é um problema criado pelas conseqüências coercitivas, a dignidade, por sua vez, diz respeito ao reforçamento positivo social, em como obtê-los ou não per-los (SKINNER, 1983). A remoção de um reforço positivo é aversiva e as pessoas reagem protestando quando são privadas de reconhecimento e admiração. Assim, a luta pela liberdade possui muitos aspectos comuns e conflitantes com a luta pela manutenção da dignidade, uma vez que ambos, liberdade e dignidade, envolvem poderosos reforçadores sociais.

Por fim, concluímos que a liberdade, para Skinner, não é algo que deva ser procurado dentro do sujeito. Ser livre implica em operar sobre o ambiente, discriminando e escolhendo a que controle se sujeitar. Por outro lado, para o behaviorismo radical, a liberdade em seu sentido tradicional deve ser vista como uma ilusão ou um mito. A liberdade, efetivamente, é, antes de tudo, uma condição corporal gerada por contingências de refoo. Pode ainda ser explicada como um estímulo discriminativo verbal (SKINNER,1978) que aumenta a probabilidade do homem operar sobre seu ambiente social, em função
da conseqüência de gerar-lhe bem-estar e, ao mesmo tempo, transformar a sociedade em uma organização mais favorável ao desenvolvimento de todos.




Referências




ABIB, J. A. D. Teoria Moral de Skinner e Desenvolvimento Humano. Revista





Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 14, n. 1, Porto Alegre, 2001.




DITTRICH, A. Introdução à filosofia moral skinneriana. In: COSTA, C. E. (Org.) Primeiros Passos em Análise do Comportamento e Cognição. Santo And: ESETEC,

2003, p. 11-24.




DUROZOI,G.; ROUSSEL, A. Dicionário de filosofia, 3 ed. Campinas: Papirus,





1993. Tradução de Marina Appenzeller.




SIDMAN, M. Coerção e suas implicações, Campinas: Editora Psy, 1995. Tradução de Maria Amália Andery e Tereza Maria Sério
SKINNER, B. F. O mito da liberdade, 3 ed, São Paulo: Summus, 1983. Tradução de

Elisane Reis Barbosa Rebelo.




SKINNER, B.F. Comportamento Verbal. São Paulo: Cultrix, 1978. Tradução de





Maria da Penha Villalobos.





SKINNER, B. F. Questões Recentes na Análise do Comportamento. 2 ed. Campinas: Papirus, 1995. Tradução de Anita Liberalesso.

SKINNER, B. F. Sobre o Behaviorismo. 11 ed, o Paulo: Cultrix, 1999. Tradução de Maria da Penha Villalobos.

TODOROV, J. C.; MOREIRA, M. Análise experimental do comportamento e sociedade:

um novo foco de estudo. Revista Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 17, n. 1 Porto Alegre,

2004.