segunda-feira, 13 de junho de 2011

OBRA DE SKINNER VAI ALÉM
















Maria Amélia Matos1
Ao se estudar a obra de B.F Skinner é necessário antes de mais nada distinguir entre o behaviorismo radical e o analista de comportamento. O primeiro tem uma postura filosófica diante do mundo, da ciência e do conhecimento que reflete muito a influência da obra de Wittgenstein e sua teoria geral da linguagem. Tem-se dito que Skinner é um positivista lógico; na verdade, exceto por um pequeno interesse pelo operacionalismo no início de sua carreira e pela sua constante preocupação com a verificabilidade, a epistemologia skinneriana é marcadamente diferente daquela dos positivistas lógicos. Seu anti-formalismo, suas posições diante do problema de contrução de teoria, sua postura inabalavelmente empírico-descritiva revelam antes, a influência do físico E. Mach. Mesmo enquanto behaviorista, sua posição é malcompreendida. É um behaviorista na medida em que propõe que o objeto de estudo da psicologia deva ser o comportamento; e é um radical na medida em que nega ao psiquismo a função de causa do comportamento, embora não negue a possibilidade, de, através de um estudo da linguagem do sujeito, estudar seus estados internos, como seu pensamento e sentimentos.



Skinner enquanto um analista do comportamento propõe um programa de pesquisa para que a psicologia possa desvendar seu objeto de estudo. É com esse programa que trabalham seus seguidores, muitos dos quais desconhecem sua filosofia. A primeira proposta clara para esse programa só surgiu em 1938 com a obra "The Behavior of Organisms: An Experimental Analysis", enquanto sua filosofia, que já vinha sendo posta em prática desde 1931, só encontra igual explicitação em 1945, em seu artigo "The Operacional Analysis of Psychological Terms" (que, aliás, expressa uma postura anti-operacionalista). Posteriormente, essa explicitação foi traduzida (para enorme escândalo dos próprios bahavioristas) em "Science and Human Behavior" e, finalmente, entendida em 1974 com "About Behaviorism".
Skinner vê a psicologia como uma ciência biológica (embora seja avesso ao reducionismo fisiológico), que estuda o comportamento dos organismos dentro de coordenadas espaço-temporais, e na sua interação com o ambiente. Na verdade, propõe o estudo da interação comportamento-ambiente, posto em sua unidade de análise é a relação resposta-consequência (e não a resposta isolada), cujos termos são classes funcionais e não entidades estruturais. Ao contrário do que muitos julgam, não é uma psicologia voltada nem para o ambiente nem para o organismo, e sim para o estudo das contingências que contatam os dois, e, para os efeitos desse contato sobre o modo de agir e proceder dos organismos. Para Skinner, o comportamento tem lugar no mundo físico e social fora do organismo (ou melhor, somente aquelas interações que por aí terem lugar se constituem em eventos observáveis são legitimamente objetos de seu estudo). Quando uma pessoa descreve seus pensamentos, sentimentos ou suposições, tudo isso é comportamento. Entender os pensamentos e sentimentos de uma pessoa é conhecer as condições em que ela expressa esses sentimentos e pensamentos bem como as relações funcionais entre essas condições e aquelas expressões.
Skinner não rejeita que possam ocorrer fenômenos em outras esferas e níveis nos organismos (ao contrário do que afirmam alguns críticos), mas defende que, se o comportamento vai de fato explicar ou ser explicado por tais fenômenos, então, os métodos de coleta e de interpretação desses dados devem estar no mesmo nível dos princípios básicos das ciências naturais, que é o nível do comportamento. Como já dissemos, Skinner não nega a existência de estados internos, e o fato de que esses eventos se situem dentro dos organismos e não possam ser observados senão pelo próprio sujeito não põe em discussão sua existência. A objetividade ou concordância de observadores externos não é critério de realidade, nem critério para escolha de objeto de estudo. A restrição existente diz respeito ao acesso (para o qual bastaria um único observador), diz respeito à relação sujeito-fenômeno x observador-fenômeno. Nesse sentido, o behaviorista não discute se o relato (num estudo de relatos verbais sobre estados internos, por exemplo) é ou não real; ele é! O behaviorista discute porque o sujeito selecionou falar sobre esse evento e não sobre outros. Essa escolha é observável e pode se constituir legitimamente em seu objeto de estudo (aliás, é sobre essas escolhas e seus determinantes que incide grande parte da ação terapêutica). Por outro lado, estados subjetivos não têm status causal no bahaviorismo radical.
A palavra reforçamento, fortemente identificada com essa proposta, refere-se, de fato, a um tipo de contingência comportamento-ambiente muito importante: "o comportamento é afetado pelas suas consequências". Tão importante, que foi reificada, tanto por behaviorista como por críticos apressados, e virou "explicação" e/ou "causa" do comportamento, virou até mesmo uma "teoria". O behaviorismo radical "explica" o comportamento - se é que essa palavra deve ser usada -, especificando as condições nas quais o comportamento ocorre. O reforçamento seria uma das formas de selecionar comportamentos (isto é, de alterar a força, a variedade e a variabilidade dos comportamentos). Essa "modificabilidade" e "variabilização" do comportamento seriam, elas próptrias, produtos de uma seleção, dada a adaptabilidade dessas características e seu valor de sobrevivência. É aqui que se revelam as influências de Darwin e Spencer, e o cunho decididamente biológico que imprime à palavra "comportamento".
A expressão "seleção pelas consequências" é mais do que isso, ela de fato resume o modelo proposto por B.F. Skinner para o estudo do comportamento. Para ele, não só as características anatômicas e fisiológicas, mas também as comportamentais, passam por sucessivos crivos de uma seleção baseada nos contatos dos organismos vivos com seu ambiente. Todo ser vivo evolui e transforma-se continuamente (razão porque, certa vez, indagado, disse: "estudo o movimento dos organismos"). Mais importante, tais transformações são direcionadas pelas consequências que tais contatos produzem. Por força desses contatos o organismo muda o ambiente em que vive e é, por sua vez, modificado pelas mudanças que produziu. Para Skinner, o comportamento (e fazer ciência é um comportamento) está sempre em construção e reconstrução (donde a ênfase em estudos na área de apredizagem), sob a influência de contigências filogenéticas (atuando no nível das espécies), de contingências ontogenéticas (atuando no nível dos repertórios comportamentais individuais), de contingências culturais (atuando no nível das práticas grupais).
A vida, definida como uma molécula que se produz e que, ao se reproduzir é modificada, isto é, é selecionada em suas características pelo meio (ou mais propriamente, pelas mudanças que é capaz de produzir no meio), representa o primeiro exemplo de transformação ou seleção pelas consequências: Na filogênese, a modificação ocorre na reserva genética da espécie e assim transmitida pelos indivíduos que, consequentemente, sobrevivem. Em nível comportamental, esses indivíduos tornam-se sensíveis a diferentes tipos e/ou níveis de estimulação, apresentam posturas típicas, sequências reflexas, etc. O segundo exemplo de seleção pela consequência ocorre na ontogênese. Ele é melhor entendido se opusermos dois tipos de comportamento. O comportamento reflexo, controlado por mecanismos descritos por Pavlov e desencadeado por mudanças ambientais, e o comportamento operante, controlado por mecanismos que Skinner e seus seguidores estudam e que não é desencadeado por mudanças ambientais, pelo contrário, é afetado pelas mudanças que opera sobre o ambiente. Dito de outro modo, o comportamento operante repete-se e, a cada repetição, é modificado - enquanto classe -, pelas consequências que sua ocorrência produz no ambiente.
Na evolução cultural, terceiro nível da seleção por consequenciação no modelo skinneriano, a modificação ocorre naqueles dois primeiros níveis, porém via planejamento de grupo. O grupo adota e implementa comportamentos exibidos por determinados indivíduos (comportamentos esses que se revelaram úteis na solução de problemas), e dissemina esses comportamentos entre os demais indivíduos, garantindo assim a sobrevivência do grupo. Para Skinner, as práticas culturais representam casos especiais de aplicação do conceito de comportamento operante, quando diz, "é o efeito sobre o grupo, não as consequências reforçadoras para membros individuais, que é responsável pela evolução da cultura".
O teste desse modelo, sucintamente descrito aqui, é o programa de trabalho do analista do comportamento. Ele o realiza a partir de uma unidade que, no momento, é descrita como possuindo três termos: o comportamento e seu contexto ambiental antecedente e consequente. Tal programa tem produzido descrições quantitativas que analisam a interdependência entre o conjunto de variáveis do organismo e o conjunto de variáveis do ambiente. A análise experimental do comportamento já demonstrou que essas relações não precisam ser imediatas, que podem ser expressas em termos relativos, e que, provavelmente, incluem muito mais que três termos.
A abordagem do analista comportamental ao seu objeto de estudo implica em uma sofisticada metodologia de sujeito único, isto é, do sujeito como seu próprio controle, (descrita em 1865 por Claude Bernard e extrapolada, em 1960, por Murray Sidman, para o estudo do comportamento dos organismos). Seus procedimentos laboratoriais envolvem técnicas elaboradas como modelagem de resposta e de estímulo,esvanecimento, escurecimento, esquemas, encadeamento etc. Sua linguagem inclui uma série de conceitos descritivos, como reforçamento - e suas variantes: primário, secundário, positivo e negativo -, punição, controle de estímulos, classes de respostas, equivalência, operantes, lei da igualação etc. Essa metodologia, essas técnicas e esses conceitos explicitam o comportamento em suas relações com o ambiente, de uma forma tão evidente, regular e sistemática, que fazem por prescindir da estatística, como medida do resultado, e do acordo entre observadores, como critério de verdade. Mas o analista do comportamento não prescinde da replicabilidade. Ele concorda com auto-observação, autoconhecimento e aceita relatos na primeira pessoa, porém questiona a natureza do que está sendo observado, conhecido e relatado.
Existem hoje mais de 40 periódicos científicos que publicam exclusiva ou predominantemente trabalhos de pesquisa (teórica ou empírica, básica ou aplicadaa) de cunho comportamental, editados nos EUA, México, Peru, Brasil, Japão, França, Canadá e Bélgica. Até 1984, haviam sido indexados mais de um milhar de títulos, só nos EUA, de obras relativas ao behaviorismo radical de Skinner. Seus seguidores discutem pesquisas e idéias em sociedades científicas espalhadas nos EUA, Canadá, México, Irlanda, Bélgica, Alemanha, Itália, Uruguai, Japão, Brasil, Colômbia, Venezuela, Equador, Panamá, Bolívia, Chile, Guatemala, Nicarágua, Porto Rico, Holanda, Inglaterra, País de Gales, França, Portugal, Espanha, Suécia, Israel, Nova Zelândia, Austrália e Suíça.
O esforço de toda uma vida de trabalho pelo professor Skinner e a expansão e continuidade desse trabalho por seus alunos representam uma contribuição no sentido de tornar o estudo do comportamento objeto de investigação científica e não mero quebra-cabeças metafísico, evitando cair quer no mecanismo reflexológico quer no intencionalismo voluntarista.