sábado, 25 de junho de 2011

O QUE É COMPORTAMENTO PSICÓTICO?


B. F. SKINNER


Um programa científico sobre “Os Mais Recentes Aspectos da Teoria, Etiologia e Tratamento das Psicoses” marcou a abertura do Renard Hospital, uma unidade psiquiátrica da Washington University School of Medicine e do Barnes and Affiliated Hospitals, em St. Louis, em 10 de outubro de 1955. Como parte do programa, este trabalho foi dirigido principalmente a psiquiatras e a outros interessados em saúde mental. A análise, particularmente representada pelas quatro figuras e pelo texto que se segue, provou-se útil em um contexto mais amplo. Por caracterizar o método tradicional de descrição e explicação do comportamento e por sugerir uma definição operacional mais vantajosa dos termos psicológicos comuns, o trabalho amplia as observações feitas em “A análise operacional de termos psicológicos”.
 Uma vez que minha área de especialização está um pouco distante da psiquiatria, seria interessante iniciar com as credenciais. A primeira será negativa. No sentido em que é mais provável que meu título seja compreendido, eu sou completamente desqualificado para discutir a questão que nos é colocada. O número de horas que passei na presença de pessoas psicóticas (pressupondo que eu mesmo seja são) é insignificante, se comparado com o que muitos de vocês poderiam reivindicar, e o tempo que dediquei a leituras e discussões relevantes sobre o assunto também se revelaria pouco diante da mesma comparação. Eu estou, atualmente, interessado em pesquisas sobre sujeitos psicóticos;




as quais voltarei a mencionar mais tarde, mas a minha associação com esse programa de forma alguma me qualifica como especialista.
Felizmente, eu não estou aqui para responder a questão nesse sentido. Um título mais adequado teria sido “O que é comportamento? – com uma referência ocasional à psiquiatria”. Apresentarei aqui as credenciais positivas que me parecem relevantes. Passei uma boa parte da minha vida profissional dedicado à análise experimental do comportamento dos organismos. Quase todos os meus sujeitos de pesquisa foram animais infra-humanos (a maioria deles ratos e pombos), e todos, que eu saiba, eram sãos. Minha pesquisa não foi planejada para testar qualquer teoria de comportamento, e os resultados não podem ser avaliados em termos da relevância estatística de tais evidências. O objetivo foi descobrir as relações funcionais que prevalecem entre aspectos mensuráveis do comportamento e várias condições e eventos da vida do organismo. O sucesso de tal empreendimento é avaliado pela extensão em que o comportamento pode, como resultado das relações descobertas, ser realmente previsto e controlado. Nisto penso que tivemos sorte. Com um arranjo experimental limitado, meus colegas e eu fomos capazes de demonstrar uma legitimidade no comportamento que nos parece bastante notável. Em pesquisas mais recentes, foi possível manter – na verdade, aprimorar – esse grau de legitimidade, enquanto a complexidade do comportamento estudado foi gradativamente aumentada. A extensão da previsibilidade e do controle conseguidos se faz evidente não só na “suavidade das curvas” e na uniformidade dos resultados obtidos de indivíduo para indivíduo ou, até mesmo, de espécie para espécie, mas nas utilizações práticas que já vêm sendo feitos das técnicas – por exemplo, fornecer linhas de base para o estudo de variáveis farmacológicas e neurológicas, ou converter um organismo inferior em um sensível observador psicofísico.
Embora a pesquisa delineada desta forma tenha uma utilidade prática imediata, isso não a torna independente de um tipo de teoria. Uma preocupação básica foi isolar um sistema de medida útil e conveniente. Entre todos os inúmeros aspectos do comportamento que são observáveis, quais são aqueles em que vale a pena prestar atenção? Quais se provarão mais úteis para estabelecer relações funcionais? De tempos em tempos, muitas características diferentes do comportamento pareceram importantes. Estudiosos do assunto se perguntaram o quão bem organizado o comportamento é, o quão bem adaptado está ao ambiente, o quão sensivelmente mantém um equilíbrio homeostático, o quão intencional é, ou o quão eficazmente resolve problemas e faz ajustes à vida cotidiana. Muitos têm estado especialmente interessados em como um indivíduo se compara a outros da mesma espécie ou a membros de outras espécies em alguma medida arbitrária de alcance, complexidade, velocidade, consistência ou outra propriedade do comportamento. Todos esses aspectos podem ser quantificados, pelo menos de forma aproximada, e qualquer um deles pode servir como uma variável dependente na análise científica. Mas eles não são todos igualmente produtivos. Na pesquisa que enfatiza previsão e controle, a topografia do comportamento deve ser cuidadosamente especificada. O que o organismo está fazendo precisamente? O aspecto mais importante do comportamento então descrito é a sua probabilidade de emissão. Qual a probabilidade de que o organismo se engaje em um comportamento de determinado tipo e quais as condições e eventos que alteram essa probabilidade? Embora a probabilidade de ação tenha sido reconhecida de maneira explícita apenas recentemente na teoria comportamental, ela é um conceito-chave, ao qual muitas noções clássicas, desde as tendências reativas até o desejo freudiano, podem ser reduzidas. Experimentalmente, tratamos disso como a freqüência com que um organismo se comporta de uma dada maneira sob circunstâncias específicas, e nossos métodos são delineados de modo a satisfazer essa condição. A freqüência da resposta provou ser uma variável notavelmente sensível e, com sua ajuda, a investigação de fatores causais tem sido recompensadoramente proveitosa.
Uma pessoa não se dedica a esse tipo de trabalho simplesmente por amor a ratos ou pombos. Como ilustrado pelas ciências médicas, o estudo de animais infra-humanos é indicado principalmente por conveniência e segurança. Mas o principal objeto de interesse é sempre um homem. As qualificações que tenho para oferecer na abordagem da presente questão provêm tanto do trabalho experimental já mencionado, como de uma preocupação paralela com o comportamento humano, em relação ao qual os princípios desenvolvidos através da análise experimental foram testados e postos em prática para a interpretação de fatos empíricos. Campos básicos, como governo, educação, economia, religião e psicoterapia, entre outros, em conjunto com a nossa experiência diária com os homens, assolam-nos com uma enxurrada de fatos. |A interpretação tais fatos, com a formulação que emerge de uma análise experimental, provou ser um árduo, porém saudável, exercício. Em particular, a natureza e a função do comportamento verbal adquiriram aspectos surpreendentemente novos e promissores, quando reformulados sob os rigores de tal modelo.
No longo prazo, logicamente, a mera interpretação não é suficiente. Se realmente atingimos uma compreensão científica do homem, deveríamos ser capazes de prová-la
através da previsão e do controle reais de seu comportamento. As práticas experimentais e os conceitos advindos de nossa pesquisa com organismos infra-humanos já têm se estendido nessa direção, não só nos já mencionados experimentos com sujeitos psicóticos, mas também em outras áreas promissoras. Os detalhes nos levariam longe demais, mas talvez eu possa indicar minha crença nas possibilidades, em único exemplo, ao arriscar a previsão de que estamos no limiar de uma mudança revolucionária nos métodos de educação, baseados não apenas em uma melhor compreensão dos processos de aprendizagem, mas também em uma concepção viável do próprio conhecimento.

Quer essa breve história pessoal me qualifique ou não para discutir a questão que nos é colocada, ela certamente criou uma alta probabilidade de que eu assim o faça, demonstrada pelo fato de que eu estou aqui. O que tenho a dizer é admitidamente metodológico. Eu posso compreender uma certa impaciência com essa discussão, particularmente quando, como no campo da psiquiatria, muitos problemas urgentes exigem uma ação. O cientista que reserva um tempo para refletir sobre a natureza humana, quando é preciso fazer tantas coisas práticas para o bem-estar humano, tem a probabilidade de ser colocado no papel de um Nero, tocando rabeca despreocupadamente, enquanto Roma arde em chamas. (É bem possível que a despreocupação a que esse mito arquetípico alude tenha sido uma invenção tardia dos historiadores, e que, no fato real, Nero tenha chamado seus filósofos e cientistas e estivesse discutindo a “natureza fundamental da combustão” ou a “epidemiologia da conflagração.”) Mas eu não estaria aqui se acreditasse que o que tenho a dizer está distante de conseqüências práticas. Se no momento estamos adentrando uma era de pesquisa em psiquiatria, que deve ser tão vasta e tão produtiva quanto outros tipos de pesquisa médica, então um certo afastamento dos problemas imediatos, um olhar novo sobre o comportamento humano em geral, um levantamento das formulações aplicáveis e a consideração de métodos relevantes talvez provem ser passos práticos efetivos com conseqüências surpreendentemente imediatas.

O estudo do comportamento humano está, naturalmente, ainda em sua infância, e seria precipitado supor que qualquer um pode prever a estrutura de uma ciência bem desenvolvida e bem sucedida. Certamente, nenhuma formulação atual parecerá correta daqui a cinqüenta anos. Mas, embora não possamos antecipar o futuro de maneira clara, não é impossível descobrir em qual direção é mais provável que nos modifiquemos. Obviamente, há grandes deficiências em nossas maneiras atuais de refletir a respeito do ser humano; caso contrário, seríamos mais bem sucedidos. Quais são elas e como podem ser remediadas? O que tenho a dizer se baseia na hipótese de que o comportamento do psicótico é simplesmente parte do comportamento humano, e que certas considerações, que foram enfatizadas pela análise experimental e teórica do comportamento em geral, merecem ser discutidas em relação a este tipo especial de aplicação.
 É importante lembrar que estou falando como um cientista experimental. Uma concepção sobre o comportamento humano, baseada fundamentalmente em informações e prática clínicas, será indubitavelmente diferente da concepção originada do laboratório. Isso não significa que uma seja superior à outra, ou que, eventualmente, uma formulação comum não se provará útil a ambas. É possível que questões sugeridas devido às exigências de uma análise experimental talvez não pareçam de primeira importância para aqueles que estão fundamentalmente preocupados com o comportamento humano sob terapia. Mas, na medida em que a psiquiatria progride mais rapidamente na direção da pesquisa experimental e que os resultados de laboratório
adquirem uma maior relevância clínica, certos problemas da análise do comportamento devem se tornar comuns tanto para o pesquisador quanto para o terapeuta, e devem receber soluções comuns e cooperativas.

O estudo do comportamento, psicótico ou outro, permanece seguramente na companhia das ciências naturais, desde que selecionemos como nosso objeto de estudo a atividade observável do organismo, quando se movimenta, permanece imóvel, pega objetos, empurra e puxa, emite sons, faz gestos e assim por diante. Instrumentos apropriados nos permitirão ampliar atividades em pequena escala como parte do mesmo objeto de estudo. Observar uma pessoa se comportar dessa forma é como observar qualquer sistema físico ou biológico. Também permanecemos dentro do modelo das ciências naturais ao explicar essas observações em termos de forças e eventos externos que agem sobre o organismo. Alguns destes são encontrados na história hereditária do indivíduo, envolvendo tanto a sua inclusão como membro de uma dada espécie, como sua dotação pessoal. Outros surgem do ambiente físico, passado ou presente. Podemos representar essa situação tal como na Figura 1. Nosso organismo emite o comportamento que será por nós considerado como nossa variável dependente, à direita. Para explicá-lo, recorremos a certas condições hereditárias e ambientais externas, geralmente observáveis e possivelmente controláveis, como indicado à esquerda. Essas são as variáveis independentes das quais o comportamento pode ser expresso como função. Tanto a entrada quanto a saída de tal sistema podem ser consideradas através dos sistemas dimensionais aceitos da física e da biologia. Um conjunto completo de tais relações nos permitiria prever e, na medida em que as variáveis independentes estiverem sob nosso controle, modificar ou gerar comportamento à vontade. Também nos permitiria interpretar certas instâncias do comportamento, inferindo variáveis plausíveis sobre as quais nos faltam informações diretas. Admitidamente, os dados são sutis e complexos e muitas condições relevantes são difíceis de se conseguir, mas o programa é aceitável do ponto de vista de método científico. Não temos motivos para supor antecipadamente que um relato completo não possa ser alcançado da mesma maneira. Temos apenas que tentar e verificar.



Fig. 1
No entanto, não são a sutileza ou a complexidade desse objeto de estudo as responsáveis pelo estado de relativo subdesenvolvimento de tal ciência. O comportamento raramente foi analisado desta forma. Ao invés disso, a atenção tem sido desviada para atividades que se diz ocorrerem dentro do organismo. Todas as ciências tendem a completar relações causais, especialmente quando os eventos relacionados estão separados pelo tempo e pelo espaço. Se um imã afeta a agulha de uma bússola a uma certa distância, o cientista atribui isso a um “campo” formado pelo imã, que influencia a agulha da bússola. Se um tijolo cai de uma chaminé, liberando a energia contida ali há, digamos, cem anos, desde quando a chaminé foi construída, o resultado é explicado dizendo-se que o tijolo possuía, durante todo esse tempo, uma certa quantidade de “energia potencial”. Para preencher tais lacunas de espaço e tempo entre a causa e o efeito, a natureza, de tempos e tempos, tem sido dotada de muitas propriedades, espíritos e essências misteriosos. Alguns se provaram úteis, tornando-se parte do objeto de estudo da ciência, especialmente quando identificados com eventos observados de outras formas. Outros se provaram perigosos e danosos para o progresso científico. Cientistas exigentes normalmente estão conscientes dessa prática e alertam contra seus perigos. Tais forças internas foram, na verdade, as hipóteses que Newton se recusou a fazer.
 Entre as condições que afetam o comportamento, fatores hereditários ocupam uma posição primária, pelo menos cronologicamente. Diferenças entre membros de diferentes espécies raramente são contestadas, mas diferenças entre membros da mesma espécie, possivelmente em função de fatores hereditários semelhantes, estão tão associadas a problemas sociais e éticos que têm sido tema de debates aparentemente intermináveis. De qualquer maneira, o organismo recém-concebido começa imediatamente a ser influenciado pelo seu ambiente; e, quando entra em total contato com o mundo externo, forças ambientais assumem um papel principal. Elas são as únicas condições que podem ser modificadas no que diz respeito ao indivíduo. Entre elas, estão os eventos que chamamos de “estímulos”, as várias interações entre organismo e ambiente, como as que ocorrem na respiração ou na alimentação; os eventos que geram as mudanças no comportamento que chamamos de emocional; e as coincidências entre estímulos ou entre estímulos e comportamento responsáveis pelas mudanças que chamamos de aprendizagem. Os efeitos podem ser sentidos imediatamente ou somente após a passagem do tempo – muitos anos, talvez. Essas são as “causas” – as variáveis independentes – em termos das quais esperamos explicar o comportamento, segundo o modelo de uma ciência natural.
 Em muitas discussões sobre o comportamento humano, no entanto, essas variáveis raramente são mencionadas explicitamente. Seu lugar é tomado por eventos ou condições internos do organismo, pelo qual se diz que são responsáveis (veja Figura 2).
Assim, a condição de espécie do indivíduo é tratada como um conjunto de instintos, não simplesmente como padrões de comportamentos característicos da espécie, mas como impulsos biológicos. Como um texto coloca: “instintos são forças, desejos ou impulsos biológicos inatos que impelem o organismo para um certo fim”. A dotação genética individual, se não for representada pelo tipo do corpo ou por outra característica física observável, é descrita na forma de traços ou habilidades herdados, tais como temperamento ou inteligência. Quanto às variáveis ambientais, episódios da história passada do indivíduo são tratados como memórias e hábitos, enquanto certas condições de interação entre organismo e ambiente são representadas como necessidades ou vontades. Certos episódios provocadores são tratados como emoções, novamente não no sentido de padrões, mas sim como causas efetivas de comportamento. Mesmo o ambiente presente, na forma como afeta o organismo, é transformado em “experiência”, quando nos desviamos do que é o caso para o que “parece ser” o caso do indivíduo.


  
O mesmo movimento centrípeto pode ser observado do outro lado do diagrama (veja Figura 3). É raro encontrar comportamento tratado como objeto de estudo por si só. Ao invés disso, ele é encarado como evidência de uma vida mental, a qual é, então, tomada como objeto principal de investigação. O que o indivíduo faz - a topografia de seu comportamento – é tratado como o funcionamento de uma ou mais personalidades. Está claro, especialmente quando as personalidades são múltiplas, que elas não podem ser identificadas com o organismo biológico como tal, mas são concebidas, pelo contrário, como entidades internas que se comportam, de status e dimensões duvidosos. O ato de se comportar em uma dada instância é negligenciado em favor de um impulso ou desejo, enquanto a probabilidade de tal ato é representada como uma tendência excitatória ou em termos de energia psíquica. Mais importante que tudo, as mudanças no comportamento, que representam os processos comportamentais fundamentais, são caracterizadas como atividades mentais – tais como pensar, aprender, discriminar, raciocinar, simbolizar, projetar, identificar e reprimir. 


Fig. 3
 O esquema relativamente simples mostrado na primeira figura não representa, portanto, a concepção de comportamento humano característica da teoria mais dominante. A grande maioria dos estudiosos do comportamento humano supõe que estão preocupados com uma série de eventos indicada no diagrama ampliado da Figura 4. Nesta, pressupõe-se que as condições hereditárias e ambientais geram instintos, necessidades, emoções, memórias, hábitos e assim por diante, que, por sua vez, levam a personalidade a se engajar em várias atividades características do aparato mental, e estas, então, geram o comportamento observável do organismo. Todos os quatro estágios do diagrama são aceitos como objetos apropriados de investigação. De fato, longe de deixar os eventos internos para outros especialistas enquanto se limitam às relações finais, muitos psicólogos e psiquiatras escolhem o aparato mental como seu principal objeto de estudo.



Talvez agora o objetivo de meu título esteja ficando mais claro. O estudo científico do comportamento – normal ou psicótico – está preocupado com o comportamento do organismo observável, sob o controle de fatores hereditários e ambientais, ou com o funcionamento de uma ou mais personalidades envolvidas em uma variedade de processos mentais instigados por instintos, necessidades, emoções, recordações e hábitos? Não quero levantar a questão da suposta natureza dessas entidades internas. É difícil deixar de perceber um certo parentesco entre tal sistema explicativo e o animismo primitivo, mas quaisquer que sejam as fontes históricas desses conceitos, podemos supor que eles foram expurgados de conotações dualistas. Se não for esse o caso, se existem aqueles que sentem que a psiquiatria está preocupada com um mundo além daquele do organismo psicobiológico ou biofísico; que a mente consciente ou inconsciente não possui dimensão física; e que os processos mentais não afetam o mundo de acordo com as leis da física, então, o argumento a seguir precisa ser ainda mais convincente. Mas a questão não é sobre a natureza desses eventos, mas sobre sua utilidade e conveniência em uma descrição científica.

Dificilmente se pode negar que a ampliação do objeto de estudo, representada pela Figura 4, tem o desastroso efeito de perda de um status físico. Isto é mais do que uma simples questão de prestígio ou de “aparências”. Um objeto de estudo que inquestionavelmente faz parte do campo da física e da biologia foi abandonado em troca de um com características duvidosas. Isso pode não ser corrigido simplesmente pela declaração de nossa crença na natureza basicamente física dos processos internos. Afirmar que as atividades da mente consciente ou inconsciente são apenas, em certo sentido, um aspecto do funcionamento biológico do organismo não responderá a questão prática. Ao abandonar os sistemas dimensionais da física e da biologia, abandonamos as técnicas de mensuração que, de outra forma, teriam sido uma herança natural das conquistas anteriores de outras ciências. Essa é, possivelmente, uma perda irreparável. Se, por um lado, apoiarmos categoricamente a existência de instintos, necessidades, memórias e assim por diante, e, por outro, os processos mentais e as funções da personalidade, então, temos que assumir a responsabilidade de criar métodos de observação desses eventos internos e de descobrir sistemas dimensionais de acordo com os quais eles possam ser medidos. A perda da oportunidade de mensurar e manipular, do modo característico das ciências físicas, seria compensada apenas por uma extraordinária vantagem obtida com o voltar-se para as condições ou os estados internos.

É possível, entretanto, argumentar que esses eventos internos são simplesmente formas de representar os externos. Muitos teóricos sustentarão que um hábito é somente um tipo de anotação útil para relatar um pouco da história do indivíduo, assim como os assim chamados “processos mentais” são formas de falar a respeito de mudanças no comportamento. Essa é uma posição tentadora, pois podemos insistir então que os únicos sistemas dimensionais necessários são aqueles apropriados para os eventos terminais. Mas, se seguirmos esse raciocínio, muita coisa ainda precisa ser feita para colocar ordem científica na nossa casa. Os conceitos encontrados na teoria comportamental atual representam os eventos observáveis de uma forma extremamente confusa. A maioria deles originou-se de considerações teóricas e práticas que têm pouca relação com sua validade ou utilidade como construtos científicos; e carregam as marcas de tal história. Por exemplo, Freud sugeriu importantes relações entre o comportamento de um adulto e certos episódios ocorridos na primeira infância, mas optou por preencher a considerável lacuna entre a causa e o efeito com atividades ou estados do aparato mental. Desejos ou emoções conscientes ou inconscientes no adulto representam os episódios antigos e são considerados como diretamente responsáveis por seu efeito sobre o organismo. É dito, por exemplo, que um adulto sofre de ansiedade consciente ou inconsciente gerada quando, na infância, foi punido por um comportamento agressivo para com um irmão. Mas muitos detalhes do episódio antigo são encobertos (e podem, em conseqüência disso, ser negligenciados), quando se atribuem as perturbações em seu comportamento a uma ansiedade atual, em vez de à punição precoce. O número de referências à ansiedade em estudos sobre comportamento deve exceder de forma vasta o número de referências aos episódios de punição, mas, ainda sim, precisamos nos voltar para estes últimos para maiores detalhes. Se os detalhes não estão disponíveis, nada pode ocupar seu lugar.
 Outros tipos de variáveis independentes fornecem exemplos semelhantes. Todos estão familiarizados com o fato de que, em geral, organismos comem ou não comem, dependendo de uma história recente de privação ou ingestão. Se pudermos estabelecer que uma criança não come seu jantar porque comeu alguma outra coisa um pouco antes, parece não haver problema em expressar isso dizendo que “ela não está com fome”, desde que expliquemos então essa afirmação, mencionando a história de ingestão. Mas o conceito de fome representa, de forma bastante inadequada, os muitos aspectos de esquemas de privação e outras condições e eventos que alteram o comportamento de comer. Da mesma forma, os substitutos internos das variáveis hereditárias funcionam além do que devem. Freqüentemente, não temos qualquer outra explicação para uma determinada parcela do comportamento, a não ser a de que, como outros aspectos da anatomia e da fisiologia, ela é característica de uma espécie; mas, quando, ao invés disso, escolhemos atribuir esse comportamento a um conjunto de instintos, tornamos obscura a natureza negativa do nosso conhecimento e sugerimos causas mais ativas do que as garantidas pelo simples status da espécie. De forma similar, aceitamos o fato de que os indivíduos diferem em seus comportamentos e nós podemos, em alguns casos, mostrar uma relação entre aspectos do comportamento de gerações sucessivas, mas essas diferenças e relações são distorcidas de modo otimista quando falamos de traços e habilidades hereditários. Novamente, o termo experiência representa de forma incorreta nossa informação sobre uma área estimulante. É comum observar, por exemplo, que algum incidente trivial gera uma reação completamente fora de proporção em sua magnitude. A pessoa parece estar reagindo não ao mundo físico como tal, mas ao que o mundo “significa para ela”. Eventualmente, é claro, o efeito precisa ser explicado – por exemplo, pela indicação de alguma conexão com eventos anteriores mais importantes. Mas, qualquer que seja a explicação, é quase certo que seja inadequadamente expressa pela noção de uma experiência momentânea. Há dificuldades óbvias para representar um ambiente físico em conjunto com uma história pessoal simplesmente como um ambiente psicológico atual.

No que se refere às nossas variáveis independentes, então, a prática que estamos examinando tende a encobrir muitos detalhes e complexidades importantes. A estrutura conceitual esconde de nós a inadequação do nosso conhecimento atual. Em grande parte, a mesma dificuldade é enfrentada no que diz respeito à variável dependente, quando o comportamento observável fica em segundo plano em relação ao funcionamento mental de uma personalidade. Assim como o ambiente físico é transformado em experiência, também o comportamento físico passa a ser descrito em termos de seu propósito ou significado. Um homem pode caminhar pela rua exatamente da mesma forma em duas ocasiões, embora em uma das vezes ele esteja se exercitando e na outra ele esteja indo postar uma carta. Assim, acredita-se ser necessário considerar não o comportamento em si, mas “o que ele significa” para o indivíduo que se comporta. Mas a informação adicional que estamos tentando transmitir não é uma propriedade do comportamento, mas sim de uma variável independente. O comportamento que observamos nos dois casos é o mesmo. Ao atribuir-lhe significado ou intenção, estamos especulando a respeito de algumas de suas causas. Para dar outro exemplo, é comumente dito que podemos “ver” a agressão. Mas nós a “vemos” em dois passos: (1) observamos o comportamento de um organismo e (2) o relacionamos com variáveis observadas ou inferidas que tenham a ver com conseqüências prejudiciais e com os tipos de circunstâncias que tornam tal comportamento provável. Nenhum comportamento é agressivo por natureza, mas algumas formas de comportamento são tão freqüentemente uma função de variáveis que os tornam agressivos, que nós ficamos inclinados a negligenciar as inferências envolvidas. Da forma semelhante, quando observamos dois ou mais sistemas comportamentais no mesmo indivíduo e os atribuímos a personalidades diferentes, obtemos uma vantagem considerável para certos propósitos descritivos. Por exemplo, nós podemos, então, descrever oposições entre tais sistemas da mesma forma que o faríamos entre duas pessoas diferentes. Mas quase que seguramente sugerimos uma uniformidade que não é comprovada pelos sistemas de comportamento examinados e provavelmente tornamos mais difícil a representação da extensão real de quaisquer conflitos, assim como a explicação de suas origens. E quando observamos que o comportamento de uma pessoa é caracterizado por uma certa sensibilidade ou probabilidade de resposta e falamos, ao invés disso, de uma certa quantidade de energia psíquica, negligenciamos muitos detalhes dos fatos reais e nos esquivamos da responsabilidade de encontrar um sistema dimensional. Finalmente, processos mentais são quase sempre concebidos como mais simples e mais ordenados do que o material extremamente caótico dos quais eles são inferidos e para o qual são usados como explicação. O “processo de aprendizagem” na psicologia experimental, por exemplo, não nos dá um cômputo exato das mudanças medidas no comportamento.
Buscamos dentro do organismo um sistema mais simples, no qual as causas do comportamento sejam menos complexas do que os eventos hereditários e ambientais reais, e no qual o comportamento de uma personalidade seja mais significativo e regular do que a atividade diária do organismo. Toda a variedade e complexidade da entrada do nosso diagrama parece ter sido reduzida a alguns poucos estados relativamente amorfos, os quais, por sua vez, geram funções de personalidade relativamente amorfas, que então explodem repentinamente em uma extraordinária variedade e complexidade de comportamento. Mas a simplificação alcançada por tal prática é, evidentemente, ilusória, visto que resulta apenas do fato de que uma correspondência um-a-um entre eventos internos e externos não foi exigida. É exatamente essa falta de correspondência que torna tal sistema interno inadequado na análise experimental do comportamento. Se “fome” é algo produzido por certos esquemas de privação, certas drogas, certos estados de saúde e assim por diante, e se, por sua vez, ela produz mudanças na probabilidade de uma grande variedade de respostas, então ela deve ter propriedades muito complexas. Ela não pode ser mais simples do que suas causas ou seus efeitos. Se o comportamento que observamos simplesmente expressa o funcionamento de uma personalidade, a personalidade não pode ser mais simples do que o comportamento. Se algum processo de aprendizagem comum é responsável pelas mudanças observadas em um número de diferentes situações, então ele não pode ser mais simples do que essas mudanças. A simplicidade aparente do sistema interno explica a avidez com que recorremos a ele, mas, do ponto de vista do método científico, deve ser considerada como uma simplicidade falsa, que prenuncia o derradeiro fracasso de tal esquema explicativo.
 Há outra objeção. Embora a especulação sobre o que ocorre dentro do organismo pareça demonstrar uma preocupação em completar uma cadeia causal, na prática ela tende a ter o efeito oposto. Cadeias são deixadas incompletas. O leigo normalmente tem a sensação de que explicou o comportamento quando o atribuiu a algo dentro do organismo – como ao dizer “Ele foi porque ele quis ir” ou “Ele não pôde trabalhar porque estava preocupado com a sua saúde”. Tais afirmações podem ter valor ao sugerir a relevância de um conjunto de causas em comparação com outra, mas elas não dão uma explicação completa até que seja explicado por que a pessoa quis ir ou por que ela estava preocupada. Freqüentemente esse passo a mais é dado, mas, talvez com a mesma freqüência, essas explicações incompletas levam a investigação para um beco sem saída.
 Não importa o quanto desejemos representar tal seqüência de eventos causais, não poderemos satisfazer as exigências de interpretação, previsão ou controle, a menos que nos voltemos a eventos que agem sobre os organismos de fora para dentro – eventos esses que, além disso, são observados como qualquer evento é observado nas ciências físicas e biológicas. Portanto, é de bom senso, assim como uma boa prática científica, assegurar que os conceitos que façam parte de uma teoria do comportamento sejam explícita e cuidadosamente relacionados a tais eventos. O que é necessário é uma definição operacional dos termos. Isso significa mais do que simples tradução. O método operacional normalmente é mal utilizado para remendar e preservar conceitos que são apreciados por razões insignificantes e irrelevantes. Assim, talvez seja possível estabelecer definições aceitáveis para instintos, necessidades, emoções, lembranças, energia psíquica e assim por diante, nas quais cada termo seria cuidadosamente relacionado a certos fatos comportamentais e ambientais. Mas não temos garantia de que esses conceitos serão os mais úteis quando as reais relações funcionais forem mais bem compreendidas. Um programa mais adequado, nesse estágio, é tentar explicar o comportamento sem apelar para entidades explicativas internas. Podemos fazer isso dentro do modelo aceito da biologia, ganhando com isso não somente uma certa segurança pessoal advinda do prestígio de uma ciência bem desenvolvida, como também um extensivo conjunto de práticas experimentais e sistemas dimensionais. Evitaremos a supersimplificação e a distorção dos fatos disponíveis porque não transformaremos nossas descrições em outros termos. Os critérios práticos de previsão e controle nos forçarão a levar em conta a cadeia causal completa em cada instância. Tal programa não está preocupado em estabelecer a existência de eventos inferidos, mas sim em avaliar o estado do nosso conhecimento.
 Isso não significa, é claro, que o organismo é concebido, de fato, como vazio ou que a conexão entre a entrada e a saída não será eventualmente estabelecida. O desenvolvimento genético do organismo e as complexas interações entre organismo e ambiente são o tema de disciplinas apropriadas. Um dia, saberemos, por exemplo, o que acontece quando um estímulo atinge a superfície de um organismo e o que acontece dentro do organismo depois disso, em uma série de estágios em que o último é o ponto em que o organismo age sobre o ambiente e possivelmente o modifica. A essa altura, perdemos o interesse nessa cadeia causal. Algum dia, saberemos também como a ingestão de alimento desencadeia uma série de eventos, sendo o último deles a atrair nossa atenção uma redução da probabilidade de qualquer comportamento anteriormente reforçado com alimento semelhante. Algum dia, talvez até saibamos como preencher a lacuna entre características comportamentais comuns a pais e filhos. Mas todos esses eventos internos serão considerados a partir de técnicas de observação e mensuração apropriadas à fisiologia das várias partes do organismo e serão reportados em termos apropriados para esse objeto de estudo. Seria uma coincidência notável, se os conceitos atualmente usados para se referir de maneira inferencial aos eventos internos viessem a encontrar um lugar nesse relato. A tarefa da fisiologia não é encontrar fomes, medos, hábitos, instintos, personalidades, energia psíquica ou atos de vontade, atenção, repressão e assim por diante. Tampouco é sua tarefa localizar entidades ou processos, dos quais esses itens poderiam ser considerados como outros aspectos. Sua tarefa é levar em consideração as relações causais entre entrada e saída, que são a preocupação
especial de uma ciência do comportamento. A fisiologia poderia ser deixada livre para fazer isso à sua maneira. Exatamente pelo alcance em que esses sistemas conceituais correntes falham em representar corretamente as relações entre eventos terminais, eles distorcem a tarefa dessas outras disciplinas. Um amplo conjunto de relações causais estabelecidas com a maior precisão possível é a melhor contribuição que nós, como estudiosos do comportamento, podemos fazer no empreendimento cooperativo de explicar o organismo como um sistema biológico.

Mas será que não estamos negligenciando uma fonte importante de conhecimento? E a observação direta da atividade mental? A crença de que o aparato mental está disponível para inspeção direta precedeu a análise científica do comportamento humano em muitas centenas de anos. Ela foi aprimorada por psicólogos introspectivos no final do século dezenove, como uma teoria especial do conhecimento, que parecia colocar a recém-criada ciência da consciência em equivalência com a ciência natural, ao argumentar que todos os cientistas necessariamente começam e terminam com suas próprias sensações e que o psicólogo simplesmente lida com elas de uma forma diferente por diferentes propósitos. A noção foi revivida em recentes teorias de percepção, nas quais foi sugerido que o estudo do que costumava ser chamado de “ilusões de ótica”, por exemplo, fornecerá princípios que ajudem a compreender os limites do conhecimento científico. Também foi discutido que a especialmente profunda compreensão empática que ocorre freqüentemente na psicoterapia fornece um tipo de conhecimento direto sobre o processo mental de outras pessoas. Franz Alexander e Lawrence Kubie apresentaram argumentos a esse respeito em defesa das práticas psicanalíticas. Entre os psicólogos clínicos, Carl Rogers defendeu ativamente uma visão similar. Algo semelhante pode estar por trás da crença de que o psiquiatra pode compreender o psicótico melhor se, através do uso do ácido lisérgico, por exemplo, ele puder experimentar temporariamente condições mentais semelhantes.

Se a abordagem do comportamento humano que acabei de esboçar ignora algum fato básico; se é incapaz de levar em consideração o “inflexível fato da consciência”, são questões que fazem parte de uma disputa respeitável que não será resolvida aqui. Dois pontos podem ser levantados, entretanto, ao avaliar a evidência da “introspecção” direta do aparato mental. O conhecimento não deve ser identificado com a forma como as coisas nos parecem, mas sim com o que fazemos a respeito delas. Conhecimento é poder porque é ação. A maneira como o mundo ao redor se infiltra através da superfície de nosso corpo é simplesmente o primeiro capítulo da história e não teria sentido se não fosse pelas partes que se seguem. Estas estão relacionadas com comportamento. Astronomia não é a maneira pela qual os céus parecem ao astrônomo. Física atômica não é a percepção do físico sobre os eventos que acontecem dentro do átomo, ou nem mesmo sobre os eventos macroscópicos dos quais o mundo atômico é inferido. Conhecimento científico é o que as pessoas fazem ao prever e controlar a natureza.

O segundo ponto é que o conhecimento depende de uma história pessoal. Os filósofos freqüentemente insistiram que não estamos cientes de uma diferença enquanto ela não fizer diferença, e evidências experimentais estão começando a se acumular para dar apoio à visão de que provavelmente nada saberíamos, se não fôssemos forçados a isso. O comportamento discriminativo chamado de conhecimento aparece apenas na presença de certas contingências reforçadoras entre as coisas conhecidas. Assim, provavelmente permaneceríamos cegos, caso estímulos visuais nunca tivessem qualquer importância para nós, da mesma forma que não ouvimos separadamente todos os instrumentos de uma sinfonia ou não vemos todas as cores de uma pintura, até que fazê-lo se torne vantajoso para nós.



Algumas conseqüências interessantes ocorrem quando esses dois pontos são levantados a respeito de nosso conhecimento sobre eventos que ocorrem dentro de nós. Dificilmente se pode negar que uma pequena parte do universo se encontra encerrada debaixo da pele de cada um de nós, e que isso constitui um mundo privado ao qual cada um de nós tem um tipo especial de acesso. Mas esse mundo com o qual estamos em contato não tem, por essa razão, nenhum status físico ou metafísico especial. Agora, presumivelmente é necessário aprender a observar ou a “conhecer” os eventos dentro desse mundo privado, tanto quanto aprendemos a observar e a “conhecer” os eventos externos, e nosso conhecimento consistirá em fazer alguma coisa a respeito deles. Mas a sociedade da qual adquirimos tal comportamento está em especial desvantagem. É fácil ensinar uma criança a distinguir cores, através da apresentação de diferentes cores e do reforçamento de suas respostas conforme estejam certas ou erradas, mas é muito mais difícil ensiná-la a distinguir entre diferentes dores ou sofrimentos, uma vez que a informação sobre o acerto ou erro de suas respostas é muito menos confiável. É essa acessibilidade limitada do mundo debaixo da pele, mais do que sua natureza, que tem sido responsável por tanta especulação metafísica.

Termos que se referem a eventos privados tendem a ser usados de forma inexata. A maioria deles é emprestada, em primeiro lugar, de descrições de eventos externos. (Foi demonstrado que quase todo o vocabulário a respeito de emoção, por exemplo, é metafórico em sua origem.) As conseqüências são bastante conhecidas. O depoimento do indivíduo a respeito de seus processos mentais, sentimentos, necessidades e assim por diante, como o psiquiatra especialmente tem insistido, não é confiável. Sistemas técnicos de termos que se referem a eventos privados raramente se parecem uns com os outros. Diferentes escolas de psicologia introspectiva enfatizaram diferentes aspectos da experiência, e o vocabulário de uma pode, ocasionalmente, ser incompreensível para a outra. Isso é verdadeiro também em relação a diferentes teorias dinâmicas sobre a vida mental. O representante de um “sistema” pode demonstrar extrema convicção no uso que faz dos termos e na defesa de um dado conjunto de entidades explicativas, mas geralmente é fácil encontrar alguma outra pessoa que demonstra a mesma convicção e defende um sistema diferente e possivelmente incompatível. Assim como a psicologia introspectiva, em dado momento, considerou oportuno treinar observadores no uso de termos que se referem a eventos mentais, também a educação de psicólogos experimentais, educadores, psicólogos aplicados, psicoterapeutas e muitos outros, preocupados com o comportamento humano, nem sempre está livre de um certo elemento de doutrinação. Somente dessa forma foi possível assegurar que os processos mentais serão descritos por duas ou mais pessoas com alguma consistência.

A própria psiquiatria é responsável pela noção de que uma pessoa não precisa estar consciente dos sentimentos, dos pensamentos e assim por diante, que se diz que afetam o comportamento. O indivíduo muitas vezes se comporta como se estivesse pensando ou sentindo de uma dada forma, embora ele próprio não seja capaz de dizer que o está fazendo. Processos mentais que não têm o suporte do depoimento fornecido pela introspecção são necessariamente definidos em termos de, e mensurados como, fatos comportamentais dos quais foram inferidos. Infelizmente, a noção da atividade mental foi preservada em função de tal evidência, com a ajuda da idéia de uma mente inconsciente. Talvez tivesse sido melhor descartar completamente o conceito de mente, como uma ficção explicativa que não sobreviveu a um teste decisivo. Os modos de inferência através dos quais chegamos ao conhecimento do inconsciente precisam ser examinados, também, em relação à mente consciente. Ambas são entidades conceituais, cujas relações com os dados observados precisam ser cuidadosamente reexaminadas.



No longo prazo, o argumento não será estabelecido através de debates, mas pela efetividade de uma dada formulação no delineamento da pesquisa produtiva. Um exemplo de pesquisa com sujeitos psicóticos, que enfatiza os termos finais de nosso diagrama, é o projeto já mencionado anteriormente. Aqui não é o lugar para detalhes técnicos2, mas a base lógica dessa pesquisa pode ser relevante. Nesses experimentos, um paciente passa uma ou mais horas diárias sozinho, em uma pequena sala agradável. Ele nunca é forçado a ir para lá e é livre para sair a qualquer momento. A sala está mobiliada com uma cadeira e contém um equipamento semelhante a uma máquina que vende refrigerantes, doces, cigarros, que pode ser operada pressionando-se um botão ou puxando-se uma alavanca. A máquina fornece doces, cigarros ou comida, ou projeta figuras coloridas em uma tela translúcida. A maioria dos pacientes eventualmente operam a máquina, são “reforçados” pelo que ela fornece, e então continuam a operá-la diariamente por longos períodos de tempo – possivelmente um ano ou mais. Durante esse tempo, o comportamento é reforçado sob vários “esquemas” – por exemplo, uma vez a cada minuto ou uma vez a cada trinta respostas –, em função de vários estímulos. O comportamento é registrado em outro cômodo, em forma de uma curva contínua, que pode ser lida mais ou menos da mesma forma que um eletrocardiograma e que permite avaliação e mensuração rápidas da taxa de resposta.

O isolamento desse pequeno espaço obviamente não é total. O paciente não deixa para trás a sua história de vida pessoal, quando entra na sala e, em certo sentido, o que ele faz lá é parecido com o que ele faz ou fez em algum outro lugar. No entanto, com o passar do tempo, as condições arranjadas pelo experimento começam a compor, por assim dizer, uma história pessoal especial, cujos detalhes importantes são conhecidos. Dentro desse espaço pequeno e evidentemente artificial, podemos assistir o comportamento do paciente mudar, na medida em que são alteradas as condições de reforçamento, motivação e, em certo grau, de emoção. Em relação a essas variáveis, o comportamento se torna cada vez mais previsível e controlável ou – como é característico do organismo psicótico – deixa de fazê-lo de maneiras específicas.

O comportamento do paciente pode se assemelhar ao de um ser humano ou sujeito infra-humano normal, em resposta a condições experimentais similares, ou pode diferir em termos quantitativos simples – por exemplo, o registro pode ser normal, com exceção de uma taxa total mais baixa. Por outro lado, um desempenho pode ser interrompido por breves episódios psicóticos. O controle comportamental é interrompido momentaneamente pela intromissão de comportamento atípico. Em alguns casos, foi possível reduzir ou aumentar o tempo dessas interrupções e determinar em que momento, durante as sessões, elas irão ocorrer. Como em trabalho semelhante com outros organismos, essa apuração quantitativa e contínua do comportamento do indivíduo sob controle experimental fornece uma linha de base altamente sensível para a observação dos efeitos de drogas e de várias formas de terapia. Para nossos objetivos atuais, no entanto, o que importa é que isso nos permite aplicar ao psicótico uma formulação bastante acurada do comportamento, baseada em um trabalho muito mais extenso e sob controle muito mais adequado das condições, conseguido com outras

espécies. Essa formulação é expressa em termos de entrada e de saída, sem referência a estados internos.
A objeção que algumas vezes se faz é que pesquisas desse tipo reduzem o ser humano ao status de um animal de pesquisa. Uma evidência cada vez maior da legitimidade do comportamento humano parece apenas tornar a oposição ainda mais persuasiva. Pesquisas médicas se depararam com esse problema antes, e encontraram uma resposta que está disponível aqui. Graças ao trabalho paralelo com animais, tem sido possível, em alguns casos pelo menos, gerar comportamentos mais saudáveis nos homens, ainda que, nesse estágio, talvez não estejamos diretamente preocupados com tal resultado.

Outra objeção comum é que obtemos nossos resultados apenas através de uma supersimplificação de condições, e que essas condições não são, portanto, aplicáveis à vida cotidiana. Mas sempre se simplifica no início de um experimento. Já começamos a tornar nossas condições mais complexas e continuaremos a proceder dessa forma tão rapidamente quanto a uniformidade dos resultados o permitir. É possível dificultar ilimitadamente a tarefa do paciente e desenvolver não só tarefas intelectuais complexas, mas também interações entre sistemas de comportamento como as que são vistas nos dinamismos freudianos.

Uma simplificação que é, às vezes, questionada é a ausência de outros seres humanos nesse pequeno espaço. Isso foi, obviamente, uma medida preliminar deliberada, já que é muito mais difícil controlar estimulação e reforçamento sociais do que mecânico. Mas agora nós estamos caminhando para situações nas quais um paciente observa o comportamento do outro, trabalhando num equipamento semelhante, ou observa que o outro paciente recebe reforço sempre que ele mesmo consegue um, e assim por diante. Em outro caso, o paciente é reforçado apenas quando seu comportamento corresponde de alguma forma ao comportamento de outro. Técnicas para obter competição e cooperação extraordinariamente precisas entre dois ou mais indivíduos já foram desenvolvidas com organismos inferiores, e são aplicáveis nas circunstâncias presentes.

Esse projeto, evidentemente, abordou apenas superficialmente a questão do comportamento psicótico. Mas, até o ponto em que chegamos, pareceu-nos ter demonstrado o valor de nos determos aos dados observáveis. Quer vocês os considerem ou não como significativos, os dados que relatamos têm um tipo especial de objetividade simples. Pelo menos, podemos dizer que isso é o que um indivíduo psicótico fez sob tais circunstâncias, e isso é o que ele deixa de fazer sob circunstâncias que teriam tido um efeito diferente se ele não fosse psicótico.

Embora tenhamos sido capazes de descrever e interpretar o comportamento observado nestes experimentos sem nos referirmos a eventos internos, tais referências não estão, evidentemente, proibidas. Outros talvez prefiram dizer que estamos, na verdade, manipulando hábitos, desejos e assim por diante, e observando mudanças na estrutura da personalidade, na força do ego, na quantidade de energia psíquica disponível e outros. Mas a vantagem disso sobre uma descrição mais parcimoniosa se torna mais difícil de demonstrar, na medida em que a evidência da efetividade de uma formulação objetiva se acumula. No futuro brilhante para o qual a pesquisa em psiquiatria aponta atualmente, devemos estar preparados para a possibilidade de que uma ênfase crescente será colocada em dados imediatamente observáveis e de que teorias do comportamento humano terão que se ajustar de acordo com eles.. Não é inconcebível que o aparato mental e tudo aquilo que ele implica seja esquecido. Isso será então mais do que uma simples hipótese de trabalho para dizer que – retornando

enfim para o meu título – o comportamento psicótico, como qualquer comportamento, é parte do mundo de eventos observáveis, aos quais se aplicam os poderosos métodos da ciência natural e para cuja compreensão estes métodos se provarão adequados.



 HILTON CAIO - UFGD