terça-feira, 28 de junho de 2011

VOCÊ FOI CUTUCADO POR DEUS!

























Publicado em 17 de junho de 2011
Artigo de Daniel Loxton, publicado em Skepticblog
Tradução gentilmente autorizada

O pioneiro cético Isaac Asimov (um dos fundadores do CSICOP, hoje CSI) produziu uma biblioteca tão impressionante de livros (mais de 500!) que suas múltiplas autobiografias foram apenas pontuações. Eu tenho três autobiografias de Asimov na biblioteca. Às vezes, apenas por diversão, pego uma ao acaso, abro-a e leio as primeiras duas páginas que vejo à minha frente. Toda vez que faço isso, sem falta:
leio algo engraçado; aprendo algo interessante e; sinto um post no blog surgindo pronto em minha cabeça.
Isto certamente aconteceu quando li a história de Asimov de sua experiência pessoal com a premonição psíquica ou a intervenção divina – na forma de um literal cutucão no ombro.[1]


Como contado em I. Asimov [um trocadilho entre a abreviatura de seu nome e “Eu. Asimov” em inglês], a história tomou lugar em uma tarde de 1990. Asimov estava dormindo em um leito privado de hospital (onde estava sendo tratado por sérios problemas cardíacos). Sua esposa Janet havia voltado para casa para alguns afazeres domésticos, deixando Asimov sozinho em seu quarto trancado.
Então algo estranho aconteceu. Asimov recordou: “Eu estava dormindo e então um dedo me cutucou. Eu acordei, é claro, e olhei assustado para ver o que havia me acordado e por que motivo”.
Ele examinou o quarto bem claro, iluminado pelo Sol. Estava vazio. A porta estava trancada e com correntes. O banheiro estava vazio. Não havia ninguém no armário. Era um verdadeiro mistério intrigante, envolvendo um quarto trancado, muito parecido com aqueles sobre o qual ele comumente escrevia. Sua mente se apressou sozinha a chegar a uma solução:
“Por mais racionalista que seja, não havia forma pela qual pudesse evitar pensar que alguma influência sobrenatural havia interferido para me dizer que algo havia acontecido com Janet (naturalmente, meu maior medo). Eu hesitei por um momento, tentando combater a ideia, e se envolvesse qualquer outra pessoa que não Janet, eu realmente teria deixado a ideia de lado. Mas eu liguei para ela”.
Felizmente, sua esposa atendeu prontamente. Ela estava bem.
“Aliviado, eu desliguei o telefone e parei para considerar o problema de quem ou o que havia me cutucado. Teria sido apenas um sonho acordado, uma alucinação? Talvez, mas pareceu absolutamente real”.
Ao final, ele descobriu o que havia acontecido: envolvido em seus próprios braços, Asimov havia conseguido cutucar a si mesmo no ombro. Mistério solucionado.
Mas imagine, ele refletiu que as coisas tivessem se desenrolado de outra forma.
“Agora suponha que no exato momento em que me cutuquei, Janet, por alguma coincidência absolutamente sem significado, tivesse tropeçado e machucado seu joelho. E suponha que eu tivesse ligado e ela houvesse reclamado e dito, ‘Eu acabei de me machucar’.
Teria eu resistido ao pensamento de uma interferência sobrenatural? Eu espero que sim. No entanto, não posso estar seguro. É o mundo em que vivemos. Corromperia os mais fortes, e não imagino que eu seja o mais forte”.
É fácil ver como a experiência visceralmente convincente de Asimov poderia tê-lo persuadido, e Asimov foi honesto o suficiente para admiti-lo. Afinal, aconteceu durante uma doença ameaçadora, próxima do final de sua vida, em uma época em que ele estava obcecado com a morte. (Em uma nota relacionada, porém mais leve, Asimov teve um sonho ao redor dessa época em que ele chegou, surpreso, no Céu. Depois de discutir com um anjo que o saudou a respeito de haver um engano em permitir a entrada de um velho ateu, Asimov ‘pensou por um momento e então se voltou ao anjo escrivão e perguntou: ‘Há alguma máquina de escrever por aqui que eu possa usar?’’[2]).
Eventos como a premonição de Asimov são uma força inexorável a favor da crença sobrenatural: humanos são facilmente confundidos, e se agarram facilmente a explicações sobrenaturais; experiências deste tipo são imensamente poderosas; e as implicações das crenças sobrenaturais podem ser muito, muito sedutoras. É muita coisa para resistir.
Como Asimov perguntou em uma [edição da revista] Skeptical Inquirer em 1986:
“Você gosta de ideia de morrer, ou de que alguém que você ame morra? Você pode culpar alguém por convencer-se de que há algo como uma vida eterna e que essa pessoa verá todos aqueles que ama em um estado de felicidade perpétua?
Você se sente confortável com as incertezas diárias da vida, sem nunca saber o que o próximo momento trará? Você pode culpar alguém por convencer-se de que pode alertar e se precaver contra estas incertezas ao ver o futuro através da configuração das posições planetárias, ou da disposição de cartas de baralho, o padrão de folhas de chá ou eventos em sonhos?”[3]
Isaac Asimov era um cético, um racionalista, um cientista por formação (sem mencionar “o maior educador de ciência de nosso tempo, e talvez de todos os tempos”, como foi saudado pelo editor da Skeptical Inquirer, Kendrick Frazier [4]). Ainda assim, um engano trivial o levou muito perto da fronteira da crença sobrenatural – tão próximo que ele tomou uma atitude levado por esta crença. Apenas para estar seguro.


A história de Asimov não é incomum, mesmo entre céticos. Por exemplo, James Randi (outro dos fundadores do CSICOP) uma vez acordou e descobriu-se flutuando no teto, olhando para baixo e vendo seu corpo, dormindo em sua cama. Esta experiência deixou Randi não apenas impressionado, como convencido. Foi, ele disse, “uma experiência muito forte para mim. Eu realmente acreditei, pela evidência apresentada a mim, que havia tido uma experiência fora do corpo que se ajustava à descrição que ouvimos tantas vezes”. No entanto, depois lhe foi  mostrada evidência clara de que seu vôo astral não poderia ter ocorrido literalmente, mas deve ter sido ao invés um sonho ou alucinação. Durante sua experiência fora do corpo, Randi interagiu com sua gata Alice enquanto ela estava deitada sobre o lençol de cor chartreuse. Depois lhe foi mostrado que a gata estava trancada do lado de fora, e o lençol chartreuse estava na lavanderia – não em sua cama. [5] Sem o acaso de que elementos físicos não combinavam com sua experiência, “eu teria agora que dizer a vocês que, até onde sabia, havia tido uma experiência fora-do-corpo”. Mas e quanto àqueles que viveram um episódio assim sem o benefício da experiência investigativa de Randi – ou seu golpe de sorte [com a gata]? “Se não tiverem uma evidência convincente do contrário”, Randi refletiu, “o que os impedirá de dizer ‘Estou absolutamente seguro de que tive uma experiência extra-corpórea’? … Por favor, considere isto cuidadosamente, e não se esqueça, porque é um bom exemplo de que mesmo um arqui-cético poderia ter sucumbido”.
Muito de meu próprio trabalho enfatiza o mesmo ponto: é compreensível que tantas pessoas boas e inteligentes acreditem em coisas estranhas. De fato, é mais que compreensível; é comumente razoável. Para muitas pessoas em muitas situações, o paranormal é a melhor explicação que têm para os fatos à sua frente.
E quando esses fatos incluem experiências diretas e pessoais que parecem inexplicáveis… Bem, as palavras de Asimov se aplicam a mim também:
“Corromperia os mais fortes, e não imagino que eu seja o mais forte”.
Nem de longe.
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Asimov, Isaac. I. Asimov. (Bantam: New York, 1994.) p. 14 ibid. p. 337 – 338
Asimov, Isaac. “The Perennial Fringe.” Skeptical Inquirer. Vol. 10. Spring, 1986. p. 212
Frazier, Kendrick. “A Celebration of Isaac Asimov: A Man for the Universe.” Skeptical Inquirer. Vol. 17. Fall 1992. p. 30
Randi, James. “A Report from the Paranormal Trenches.” Skeptic magazine. Vol. 1, No. 1. 1992. p. 25. Transcrito de uma palestra dada na Caltech em 12 de April de 1992.
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