quinta-feira, 30 de junho de 2011

REFLETINDO SOBRE AS CAUSAS DOS COMPORTAMENTOS VIOLENTOS [1]


Gladson de Almeida Prado

Pode-se acompanhar, mais especificamente no decorrer das duas últimas décadas, uma crescente preocupação relacionada ao aumento e à proliferação da violência. Esse fenômeno tem sido observado não só no Brasil, mas em todo o mundo, uma vez que há muito a violência e a criminalidade vêm garantindo um espaço e ganhando destaque nos mais variados meios de comunicação, principalmente os de massa, em notícias coletadas e veiculadas em diversas partes de nosso planeta.





            As discussões sobre a violência, na maioria das vezes, não aprofundadas e sujeitas à influência da mídia, permeiam a sociedade, nas suas mais diversas camadas, e incidem sobre a opinião pública, modificando sobremaneira a forma de se pensar sobre o assunto.
Dever-se-ia, então, se questionar sobre quais seriam as variáveis determinantes da violência, quais as contingências favorecedoras, ou quais os agentes reforçadores e punidores poderiam atuar, nos mais diversos contextos de nossa sociedade, a fim de manter e alimentar o fenômeno.
            Visando demonstrar uma relação entre o ambiente em que se vive e a apresentação de comportamentos classificados como violentos, Andery e Sério (1997, p. 435) apontam que

... ao olharmos para a violência estamos falando do comportamento humano, ou seja, de relação entre os homens. Ao discutir a violência, na realidade, estamos analisando o homem que está sendo produzido e em que condições este homem está sendo produzido.

            Dessa forma, pode-se atentar para o fato de que o homem mantém relações com o ambiente, sendo que nessas relações são produzidas alterações em ambas as partes envolvidas, podendo sempre um evento ser o fato gerador de sentimentos e comportamentos. Souza (1997) classifica qualquer relação de dependência, entre eventos comportamentais e ambientais, como contingência.
Sendo assim, o fenômeno da violência pode ser entendido, também, como sendo originado nas relações dos indivíduos considerados como violentos e o ambiente ou contexto, principalmente social, em que vivem.
            De acordo com Andery e Sério (1997), a violência pode ser entendida como sinônimo de coerção e como a presença de controle aversivo nas interações entre os homens e a natureza.
Pode-se perceber um delineamento do panorama social gerador da violência, pois, ao se analisar as contingências sociais, a partir da perspectiva apontada até aqui, teremos de um lado, membros da sociedade, marginalizados, frutos de relações tensas e hostis, reproduzindo, por meio de seus comportamentos, o retrato das relações e do ambiente em que viveram. Por outro lado, temos uma grande parcela da sociedade vivendo acuada, assustada devido ao aumento de ações violentas, reforçando-se, negativamente, no comportamento de tomar medidas, na maioria das vezes também coercitivas, na tentativa de afastar tais ações.
Segundo a compreensão de Sidman (1995, p. 51), a respeito da coerção:

Na linguagem cotidiana, ser coagido é ser compelido sob jugo ou ameaça a fazer algo “contra nossa vontade”. Mas analistas do comportamento afirmam que todo nosso comportamento é controlado e, neste sentido, tudo que fazemos é “contra nossa vontade”. “Jugo” e “ameaça”, entretanto, se aproximam de uma definição comportamental de coerção; esses termos se referem a classes de conseqüências, reais ou potenciais, que controlam nosso comportamento. [...].

            No que se refere à punição, Sidman (1995) esclarece que ela é um mecanismo utilizado com o objetivo de impedir os comportamentos inaceitáveis, por meio da apresentação de um estímulo aversivo ou retirada de algo que nos reforça positivamente, compreendendo, respectivamente, a punição positiva e a punição negativa.
            Os comportamentos violentos podem então ser analisados como produtos de relações praticadas em ambientes hostis, onde a coerção estaria presente, em suas mais diversas formas, como por exemplo, a fome, a miséria, o controle excessivo e repressor das instituições sociais, a segregação social e muitos outros aspectos que se tornam fatores de contribuição à formação do repertório comportamental de quem vive ou transita nesses contextos.

            O controle exercido em nossa cultura é, na maioria das vezes, traduzido como agressão, punição e restrição de liberdade, principalmente no que se refere ao controle social exercido sobre as minorias e classes sociais de menor poder aquisitivo, o que contribui para o aumento da iniqüidade.          
Exercido de maneira coercitiva, o controle gera, então, o que pode ser denominado como contra-agressão ou contra-controle, por meio do qual os indivíduos, que foram expostos ao controle coercitivo, tentam agir em busca da libertação dessa forma de controle, mesmo sem terem ciência disso, pois, na maioria das vezes, as pessoas agem sem refletir sobre o que as leva ou o que as mantém agindo de determinada forma.
            Diante dessas circunstâncias, percebe-se a complexidade a respeito do quadro social da violência, uma vez que toda a sociedade e todas as instituições sociais estão implicadas na geração, manutenção e perpetuação do mesmo. Objetiva-se, então, trabalhar no intuito de buscar alternativas de ação que contribuam para a mudança desse quadro social, utilizando de formas de controle que sejam experimentadas pelos sujeitos como menos coercitivas ou, até mesmo, não coercitivas.
            Em relação a isso, Sidman (1995) aponta que as melhores alternativas de ação, contrárias à coerção, estão calcadas na utilização dos esquemas de reforçamento positivo. Seja em casa, nas instituições, nas escolas e outros contextos sociais, a apresentação e manutenção de estímulos prezerosos (reforçamento positivo) favorecerão respostas que, por sua vez, terão conseqüências agradáveis, desencadeando comportamentos socialmente desejados e compartilhados.
            No âmbito psicoterapêutico, Skinner (1985) argumenta que até mesmo a psicoterapia pode ser encarada como um tipo de agência controladora. Isso se deve ao fato de que ela lida com espécies de comportamento, promovendo efeitos no campo da emoção e no comportamento operante do indivíduo. Como o paciente geralmente procura a psicoterapia em decorrência de uma condição aversiva, um acolhimento, por parte do psicoterapeuta, inicialmente por meio de uma audiência não punitiva, e a criação de um ambiente que denote alívio, fazem com que este terapeuta seja percebido como uma figura que representa o poder.
            Nessa perspectiva, o poder controlador da psicoterapia tende a aumentar, na medida em que a interação entre os envolvidos no processo resulte em produção de alívio para o paciente.
            Para evitar que o paciente associe a psicoterapia a mais uma das agências controladoras que exercem poder, geralmente coercitivo sobre ele, Skinner (1985) recomenda que o terapeuta não faça um uso consistente do mecanismo da punição. Essa medida propiciará a emergência dos comportamentos punidos, até então reprimidos, no repertório do cliente, a fim de que tais comportamentos sejam elaborados na sessão, e de que sejam reduzidos os efeitos da punição. “A terapia não consiste em libertar um impulso perturbador, mas na introdução de variáveis que compensem ou corrijam uma história que produziu o comportamento indesejável”. (SKINNER, 1985, p.358).
            Sendo assim, é importante que os indivíduos fiquem atentos às formas de controle que os permeiam para que possam identificá-las e construir possibilidades de ação que passem a ser disseminadas pela sociedade, na tentativa de mudar o quadro social atual, relativo à violência.


REFERÊNCIAS:

ANDERY, Maria Amália P. A.; SÉRIO, Tereza Maria. A violência urbana: aplica-se a análise da coerção? In: BANACO, Roberto Alves (Org.). Sobre Comportamento e Cognição: aspectos teóricos, metodológicos e de formação em análise do comportamento e terapia cognitivista. São Paulo: ARBytes, 1997. Vol. 1, cap. 41, p. 433–444.

MONKEN, Eliane Maria Freitas (Org.). Orientações para Trabalhos Acadêmicos. Belo Horizonte: Centro Universitário Newton Paiva. 2004. 17p.

SIDMAN, Murray. Nem todo controle é coerção. In:___. Coerção e Suas Implicações. Campinas: Editorial Psy, 1995. cap. 2, p. 44-64.

_______. Coerção gera coerção. In: ___. Coerção e Suas Implicações. Campinas: Editorial Psy, 1995. cap. 14, p. 220-230.

_______. Existe algum outro caminho? In: ___. Coerção e Suas Implicações. Campinas: Editorial Psy, 1995. cap. 16, p. 246-275.

SKINNER, B. F. Psicoterapia. In: ___. Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes, 1985. cap. XXIV, p. 340-362.

SOUZA, Deisy das Graças de. O que é contingência? In: BANACO, Roberto Alves (Org.). Sobre Comportamento e Cognição: aspectos teóricos, metodológicos e de formação em análise do comportamento e terapia cognitivista. São Paulo: ARBytes, 1997. Vol. 1, cap. 10, p. 82–87.


[1] Clínica Comportamental – Prof. Supervisora: Maxleila Reis Martins