sexta-feira, 10 de junho de 2011

Uma Conversa com B. F. Skinner (introdução)




Autor : Alfie Kohn           
Extraído do livro: PUNIDOS PELAS RECOMPENSAS






Muito antes de ser o psicólogo mais influente dos Estados Unidos, Burrhus Frederic Skinner (1904-1990) decidiu ser escritor. Formou-se no Hamilton College em Inglês, e passou um ano infeliz com os seus pais, tentando imaginar o que fazer de sua vida, enfrentando o que se chamava de crise de identidade.

Descobriu, então, o behaviorismo. “Não considerei, de fato, o suicídio”, escreveu mais tarde em sua autobiografia. “O behaviorismo ofereceu-me outra saída: Não era eu, mas minha história que falhara... Aprendi a aceitar meus erros remetendo-os a uma história pessoal não criada por mim e que não poderia ser mudada.”
Encontrou-se a si mesmo renunciando ao seu eu. Realizou seu doutorado em Harvard, preencheu sua agenda de compromissos acadêmicos em Minnesota e Indiana e retornou triunfante em Cambridge em 1948. Eu o encontrei, em 1983, residindo num elegante bairro da cidade, comparecendo de vez em quando a eventos sociais, despedindo-se de sua mulher todas as manhãs para ir a seu escritório no sétimo andar do Hall William James, de Harvard. Ao longo do corredor, viam-se painéis de fiação elétrica, dos quais saiam estalidos e piscavam luzes vermelhas, ligados por telas de arame a caixas fechadas, numeradas, com minúsculos orifícios que permitiam espreitar para dentro delas. Em cada uma estava um pombo dando bicadas até conseguir ser alimentado.
“Já vivi o bastante para cavar alguma reputação”. disse-me ele modestamente. “Oitenta anos conseguem isso.”




Falava com um ar de divertido desprendimento ao se referir às multidões que arrebanhava onde quer que fosse, às pessoas cercando-o nas ruas, em busca de um autógrafo. “Não deixo de me surpreender quando as pessoas me reconhecem ou comparecem às minhas palestras”, disse. “Por que eu? Tive audiências extraordinárias por quase 30 anos Mas nada disso me trazia uma sensação esfuziante. Muito mais prazer me davam duas boas horas, de manhã, à minha escrivaninha.”
Contou-me que, certa vez, um homem lhe apareceu na rua perguntando-lhe se ele era um pregador. Diante disso, deu uma boa risada, pois não acreditava em Deus. Mas o homem na rua não estava totalmente errado. Em certo sentido, Skinner era um pregador, um indivíduo que fazia proselitismo por temperamento, seus escritos um contínuo sermão sobre a insensatez do “mentalismo” - ou seja , a suposição de que aquilo que se faz pode ser explicado simplesmente observando-se os comportamentos e as contingências comportamentais que as reforçam.
Em sua autobiografia, qualquer um de seus críticos é censurado por não ter conseguido apreender suas idéias. “O behaviorismo é terrivelmente mal compreendido em toda a parte”, queixou-se a mim. “Eu sou terrivelmente mal compreendido.” Para ele, comecei a entender, uma crítica implica na incompreensão da leitura, pois que seria impossível compreender sua teoria e rejeitá-la.
Não obstante sua convicção e sua fama, eu, bem como outros que o encontraram através dos anos, achamos Skinner desarmadamente afável. No meu caso, concordou em falar para a minha classe, embora não me conhecesse, e no ano seguinte agüentar várias horas de argüição, que foram muito mais do que eu precisava para escrever um perfil dele para uma revista. Respondeu às questões cortesmente, e mesmo assim como se mantivesse uma grande distância. Percebi que não era menos reservado com aqueles que conhecia melhor.
A única impressão verdadeira sobre Skinner que aconteceu depois de conversar com ele por algum tempo foi a de que ele era menos um teórico do que um técnico. O homem estava fascinado – de fato, mais obcecado – com problemas práticos de planejamento. Falou sobre o desafio de planejar algo mais eficiente para a escuta. Uns anos antes, ele teve enorme satisfação inventando um berço de vime mais confortável, fechado, para suas filhas nenês (o que deu lugar a um rumor cruel de que ele as estava confinando em “caixas de Skinner”, do tipo usado para laboratório de animais). Aplicou-se, pessoalmente, a projetar “máquinas de ensinar” para crianças e que prenunciaram os programas educacionais dos computadores atuais. (Seu orgulho nisso – “Eu estava trinta anos à frente de meu tempo”- emparelhava-se com a amargura de saber que a maioria dos educadores não estava interessada nessa idéia.) Recebia as sugestões práticas para tornar mais fácil seus últimos anos, eventualmente sendo co-autor de um livro de auto- ajuda para cidadãos mais velhos. Mesmo o problema da hora de se levantar, de manhã, era planejado minuciosamente: levantando-se às quatro horas poderia não apenas trabalhar algumas horas antes do telefone começar a tocar, mas poderia viajar à Inglaterra (onde vive uma de suas filhas) e ajustar o horário para um vôo comercial, sem ter que se atrasar.
Tudo, pela ótica de Skinner, era um problema a ser resolvido, e seus mais famosos e notórios pronunciamentos podem ser entendidos nesse contexto. “Planejar uma cultura é como planejar um experimento”, escreveu certa vez. Ao recordar-se de como, durante a Segunda Guerra Mundial, ele treinou pombos para orientar mísseis (trazendo-lhe de novo um amargo desapontamento quando sua proposta não despertou suficiente interesse), ele se tornou ingenuamente entusiasmado: “Que coisa fascinante! Total controle de um organismo vivo!”
Isso pode, por conseguinte, ser algo diferente da modéstia que o levou a refletir: “Não me considero ser um retrato clássico de um grande pensador, ou qualquer coisa desse tipo. Não acredito que o meu Q.I. seja muito alto, acho que me saí muito bem com o que atingi. Há habilidades que verdadeiramente não possuo. Por sorte, entrei num campo onde poderia utilizar as que tenho – grandemente habilidades práticas.”
Mais tarde perguntei-lhe sobre a morte e ele sacudiu os ombros, alegando que não havia-se estendido no assunto. “Nunca penso muito sobre morrer. Não tenho medo da morte. Minha família é apropriada para cuidar disso. A única coisa que temo é não terminar o meu trabalho. Há coisas que ainda quero dizer.” De fato, continuou despertando um entusiasmo pelo tópico. “Não entendo por que as pessoas temem a morte. Naturalmente, as pessoas religiosas a temem porque não têm muita certeza se irão para o inferno ou não, mas há aqueles que não acreditam nisso e que ainda não conseguem encarar a aniquilação.”
A crença de que não existe self, a qual o serviu tão bem quando era jovem, também o ajudou nesses últimos anos a lidar com a perspectiva de deixar de existir. “Agora posso pegar todas as minhas faltas e todas as minhas realizações e transferi-las para a minha história, e faço questão de que, ao morrer, isso não fará nenhuma diferença. Porque não há nada aqui ,veja, que importe. [Com tal visão] não se teme a morte de maneira nenhuma.”

CONTINUA !!!