sábado, 21 de maio de 2011

18 de maio dia da luta contra a exploração e o abuso de crianças e adolescentes

A luta contra a exploração e o abuso de crianças e adolescentes é celebrada nacionalmente no dia 18 de maio. Para compor este boletim especial sobre a data, o CFP entrevistou o psicólogo Ângelo Motti, coordenador do Programa Escola de Conselhos da Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Estudantis da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul e colaborador na elaboração de referências do Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas (Crepop). Motti possui ampla trajetória no estudo e enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes. Nesta entrevista, feita por e-mail, Ângelo Motti traz uma perspectiva do tema em âmbito nacional e aponta os desafios da Psicologia na área de enfrentamento à exploração e ao abuso sexuais, incluindo avan! ços e perspectivas de atuação.

Confira a entrevista:

CFP – Quais os principais desafios do Brasil na área de políticas públicas para o enfrentamento da exploração de crianças e adolescentes?

Ângelo Motti – Em que pese o Estado brasileiro ter admitido desde o ano 2000 a matriz de integração permanente das ações federais, estaduais e municipais no desenvolvimento de políticas e programas voltados ao enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes, prevalecem ainda grandes desafios para sua efetivação, que podem ser assim ordenados:

1. Prevalência da cultura de atuação setorizada no âmbito dos diversos programas e ações que compõem cada uma das políticas públicas e entre elas.

2. Reduzida qualificação dos profissionais para atuar nas situações de violência sexual, que possa promover de fato o atendimento das reais necessidades dos usuários, bem como contribuir de forma mais efetiva para que os instrumentos de garantia de direitos possam efetivar medidas mais eficazes na proteção das vítimas e seu definitivo afastamento do processo de vulnerabilidade.

3. Atuação tímida por parte dos cidadãos e da sociedade nas situações de violência sofridas por crianças e adolescentes, retratando a dificuldade de incorporação dos preceitos constitucionais que nos imputam a todos o dever de proteger crianças e adolescentes com absoluta prioridade e de colocá-los a salvo de qualquer ameaça a sua integridade física e emocional.


CFP – Quais são os desafios para a Psicologia na área?

Ângelo Motti – A Psicologia foi determinante para a melhoria da intervenção pública nos casos de violência sexual sofrida por crianças e adolescentes, não só pela atuação dos profissionais no campo da saúde, mas principalmente por sua inserção na política de assistência social, desde a criação dos centros de referência do Programa Sentinela no ano 2000, cuja concepção exigia a presença de um profissional da Psicologia no atendimento às vítimas. Os resultados disso acabaram por induzir a gestão pública a prever a atuação desses profissionais nos diversos serviços que hoje compõem o Sistema Único de Assistência Social.

Hoje, o grande desafio para a Psicologia é inserir no processo de formação de seus profissionais uma abordagem mais consistente dos temas relacionados a essa área, inclusive atualizar e elevar o nível de produção científica para orientação prática aos profissionais, independentemente da orientação teórica dos cursos. Na prática, deparamos elevado número de profissionais sem qualquer preparo teórico e prático para atuar nessas situações. Não tem como desconsiderar a enorme expectativa que todos depositam na atuação dos profissionais de Psicologia nesses casos. A meu ver, nossa resposta está muito aquém do que de fato poderíamos produzir.

A elaboração de documentos de referência técnica para a prática profissional em políticas públicas tem se constituído uma referência concreta para nortear a reflexão sobre a prática do psicólogo. Em 2009 foi produzido documento intitulado Serviço de proteção social a crianças e adolescentes vítimas de violência, abuso e exploração sexual e suas famílias: referências para a atuação do psicólogo, que sem dúvidas pode e poderá contribuir de forma efetiva para corrigir a ausência de formação dos profissionais para atuar nesse campo.
Link: http://crepop.pol.org.br/novo/wp-content/uploads/2010/11/Livro_ServicoProtecao_11mar.pdf

Assim como no campo da atuação dos profissionais nessa área, o Crepop tem produzido importantíssima contribuição para orientar o trabalho dos psicólogos nos outros campos de políticas de Assistência Social, Saúde, Segurança e outras.


CFP – Existem maneiras de o psicólogo ajudar a diminuir os casos de abuso e exploração?

Ângelo Motti – A diminuição da ocorrência da violação sexual de crianças e adolescentes está intrinsecamente ligada a uma atuação preventiva de todos, e isso nos inclui. Porém, responder a essa pergunta é muito complexo e poderia até suscitar a propositura de algumas perguntas para respondê-la, como, por exemplo:

1. Se existem estudos que demonstram que grande parte de abusadores sexuais foram vítimas de abuso, como nossa ciência e nossa atuação profissional podem contribuir para romper esse ciclo de violência reproduzida?

2. Que resultados práticos nossas técnicas e métodos de intervenção psicológica têm alcançado para a superação dos reais problemas vividos pelas pessoas vitimizadas por esse tipo de agressão?

3. Como temos sistematizado e disponibilizado nossas práticas profissionais nessa área de modo a subsidiar a formação de novas práticas e atuações profissionais com elevado nível de eficácia?

Tenho a convicção de que, se ao menos nos interessarmos em pensar nessas questões, poderemos construir condições reais para que a Psicologia contribua de forma mais efetiva na redução das situações de violação sexual.

CFP – Como pode ser feita a ajuda psicológica de quem sofreu essa violência?

Ângelo Motti – Existem várias formas de processar a ajuda psicológica para quem sofre violência, desde a simples escuta (verbal ou não verbal) até o tratamento psicológico em processos psicoterápicos breves ou não. Qualquer um deles exige do terapeuta variáveis de condições pessoais para fazê-lo, das quais destaco:

1. O reconhecimento da sexualidade de crianças e adolescentes.

2. A aceitação da condição de seres humanos com direitos sexuais reconhecidos.

3. O compromisso perante a condição de agente social em promover a proteção dos direitos humanos de crianças e adolescentes.

4. Além do conhecimento teórico, da adequação da metodologia utilizada, a disponibilidade interna para o processo de ajuda e superação do problema.

CFP – Quais são as perspectivas para o Brasil, na área citada, a médio e longo prazos?

Ângelo Motti Sou uma pessoa otimista por natureza; reconheço que nos últimos 15 anos avançamos muito no tratamento dessa questão, pelo conjunto que representa a organização do Estado brasileiro. Nesse sentido, penso que os avanços são fruto de uma atuação forte e consistente de segmentos institucionais e profissionais que sempre pautaram os poderes públicos (Executivo, Legislativo e Judiciário) para a adoção de medidas e providências necessárias para alterar de forma definitiva a realidade nesse campo.

Essa é uma situação que não nos permite buscar minimizar sua ocorrência. Ela nos obriga a trabalhar de forma permanente pela sua eliminação, e para isso devemos manter elevado o grau de intolerância com sua ocorrência. Nesse sentido, avalio que o Brasil tem avançado com grande reconhecimento da comunidade internacional, tendo inclusive sediado o III Congresso Mundial de Enfrentamento da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes*, que reuniu mais de 130 países e no qual foram produzidas e deliberadas uma série de recomendações que devemos levar a cabo.

Para isso nossos governos devem aumentar o nível de comprometimento das diversas políticas públicas que operam nessa área, desde a prevenção, passando pela atenção, proteção das vítimas e responsabilização dos agressores. Isso por certo exigirá a reversão de algumas situações extremamente nefastas que ainda perduram, fruto da total insensibilidade dos setores vinculados às ações que promovem o desenvolvimento econômico, como é o caso do setor turístico, das grandes obras de desenvolvimento energético e daquelas vinculadas à Copa do Mundo de Futebol em 2014. Precisamos de compromisso mais forte de todos os envolvidos e de garantias reais de que atuarão na prevenção de situações que vitimizem sexualmente crianças e adolescentes nas regiões onde vêm atuando.


* O III Congresso Mundial de Enfrentamento da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, realizado em 2008, no Rio de Janeiro, tinha o objetivo de fazer avançar a agenda global destinada a colocar um fim à exploração sexual de crianças e adolescentes. Teve realização do governo brasileiro, da Unicef, do Ecpat (Articulação Internacional contra Prostituição, Pornografia e Tráfico de Crianças e Adolescentes) e do NGO Group for the Convention on the Rights of the Child (Grupo de ONG para a Convenção sobre os Direitos da Criança).





Boletim enviado via e-mail por:

Profª. Maria Helena Touro Beluque Guedes