domingo, 1 de maio de 2011

Projeto Pombo - sem mistérios !!




















Durante a Segunda Guerra Mundial, o "Pigeon Project" foi a tentativa Americana (militar), para que B.F. Skinner desenvolve-se um sistema balístico guiado por pombos.
































O POMBO COMO SUJEITO NA ANÁLISE DO COMPORTAMENTO


THE PIGEON AS SUBJECT IN BEHAVIOR ANALYSIS

João Claudio Todorov

Resumo

Pombos são usados como sujeitos na análise do comportamento desde que Skinner trabalhava em um projeto patrocinado por um moinho de trigo nos anos 40 do século passado. A princípio eram utilizados para experimentos envolvendo apresentação de alimento e por sua visão de cores semelhante à humana. Dificuldades iniciais para o uso da resposta de bicar em experimentos com fuga ou esquiva de estimulação aversiva foram utilizadas para contestar a generalidade das leis da aprendizagem. Comprovado que as dificuldades estavam na técnica de modelagem e não na natureza da resposta ou do sujeito, os pombos passaram a ser sujeitos em todos os tipos de experimentos.

Nos tempos das grandes guerras mundiais do século passado, a Primeira, de 1914 a 1918, e a Segunda, de 1939 a 1945, as forças armadas dos Estados Unidos da América do Norte convocaram seus cidadãos para servir em diferentes postos, não só os diretamente associados a batalhas. Um psicólogo que serviu nas duas Grandes Guerras foi Fred S. Keller, que viveu de 1899 a 1996. Keller relata suas experiências de forma bem humorada em alguns escritos (Keller, 1982. 2008). Na Primeira, com 18 anos, serviu como telegrafista no Corpo de Sinaleiros do exército americano; na Segunda, recrutado já como pesquisador renomado, usou seus conhecimentos de análise do comportamento para aperfeiçoar o ensino do Código Morse para telegrafistas (Keller, 1958, 2008).

Outros psicólogos famosos também foram convocados como pesquisadores na Segunda Guerra Mundial. Herbert Simon, um dos grandes nomes da psicologia cognitiva e ganhador do Prêmio Nobel de 1978 foi um deles. B. F. Skinner trabalhou com um grupo de psicólogos conhecidos, Norman Guttman, Keller Breland, Marion Breland, e W. K. Estes em um projeto chamado “Pelicano”. Na época os norte-americanos trabalhavam no desenvolvimento de um torpedo que receberia esse nome mas encontravam sérias dificuldades nos seus mecanismos de correção de curso, o que o tornava pouco confiável quanto à precisão de ataque. Pelicanos são conhecidos por sua característica de ter um bico maior que a barriga, e o míssil de então usava servomecanismos tão complicados, ocupando tanto espaço, que quase não tinham capacidade para carregar explosivos. No “ Projeto Pombo” Skinner e seus colaboradores desenvolveram uma tecnologia comportamental capaz de treinar pombos na tarefa de pilotar torpedos/mísseis por meio de movimentos da cabeça.

Além de ocupar pouco espaço no nariz do míssil, o pombo podia guiar-se por padrões visuais do alvo, enquanto que os controles por rádio, então em desenvolvimento, poderiam ser prejudicados por interferência. O projeto nunca chegou a ver uso militar, pois logo os americanos desistiram de aumentar a precisão dos bombardeios convencionais e optaram pela maior eficácia da bomba atômica (Skinner, 1960), além de nunca terem realmente levado a sério a idéia (Smith, 2010).

O “Projeto Pombo” pode ter sido de pouca utilidade para as forças armadas norte-americanas, mas produziu bons resultados para a psicologia (Peterson, 2004). Para garantir o sucesso do pombo como piloto, Skinner e seus colaboradores desenvolveram todo um programa de pesquisa utilizando a resposta de bicar como variável dependente, verificando interações comportamento-ambiente em diferentes tipos de condições motivacionais, de reforçadores, sob efeitos de drogas, e diferentes condições de temperatura, ruído, aceleração e pressão atmosférica. Como conseqüência, pombos estavam lançados e aprovados como sujeitos para a psicologia experimental, começando pela análise experimental do comportamento. Dez anos depois um programa de pesquisa semelhante ajudou os russos e depois os americanos a lançar animais como a cachorrinha Laika para vôos em órbita da Terra, no início do programa espacial, que financiou, entre outras áreas, pesquisas sobre escolhas e preferências (Todorov, 1971).

Poder-se-ia perguntar por que psicólogos conhecidos por seu interesse primordial no comportamento humano estudam o comportamento de aves. É certo que o homem já foi definido como um bípede implume, e algum desavisado poderia argumentar que a única diferença entre o homem e o pombo são as penas do segundo. O bom senso responderá, porém, que o pombo nem é mamífero, e que em termos de espécie, somos estranhos há milhões de anos. Skinner precisou explicar como justificava a escolha do pombo e de outros animais quando seu foco era o estudo do comportamento humano:

“Os resultados dos estudos de laboratório do comportamento de animais abaixo do nível humano também são úteis. O uso deste material traz com freqüência a objeção de que há uma lacuna intransponível entre o homem e os outros animais, e que os resultados não podem ser extrapolados para o outro. Insistir nesta descontinuidade no início de uma investigação científica é uma petição de princípio. O comportamento humano se caracteriza por sua complexidade, sua variedade, e pelas suas maiores realizações, mas os princípios básicos não são por isso necessariamente diferentes. A ciência avança do simples para o complexo; constantemente tem que decidir se os processos e leis descobertos para um estágio são adequados para o seguinte. Seria precipitado afirmar neste momento que não há diferença essencial entre o comportamento humano e o comportamento de espécies inferiores; mas até que se empreenda a tentativa de tratar com ambos nos mesmos termos seria igualmente precipitado firmar que há. A discussão da embriologia humana utiliza consideravelmente os resultados de pesquisas com embriões de pintainhos, porcos e outros animais. Tratados sobre digestão, respiração, circulação, secreção endócrina e outros processos fisiológicos, referem-se a ratos, coelhos, cobaias, etc., mesmo quando o interesse principal está nos seres humanos. O estudo do comportamento tem tudo a ganhar com esta prática”. (Skinner, 1953/1994, p. 47).

Em suma, estamos interessados em processos básicos de interação (Todorov, 1989, 2002, 2004), e estudamos esses processos em animais na medida em que processos semelhantes podem ser detectados no homem As condições requeridas para uma análise experimental do comportamento humano são tais que uma experimentação controlada torna-se praticamente impossível. Com animais o comportamento é mais simples, de mais fácil observação e registro por períodos de tempo mais longos, sem serem prejudicados pela relação social entre sujeito e experimentador (Skinner, 1953/1994).

“As condições podem ser melhor controladas. É possível dispor histórias genéticas para controlar certas variáveis, e histórias de vida para controlar outras.” (Skinner, 1953/1994, p.48).

Tudo considerado, o pombo foi aprovado na prática. Compensando desvantagens de parentesco muito longínquo conosco, o pombo oferece algumas características vantajosas para experimentos de longa duração: longevidade, adaptação ao cativeiro, fácil controle de saúde e visão a cores muito desenvolvida. Uma das vantagens sobre outros animais é a capacidade de desempenho sem interrupções por muitas e muitas horas. Skinner (1957) relata o caso de um pombo que respondeu continuadamente por 1500 horas: nada menos que um trabalho de 24 horas por dia, sete dias por semana, durante dois meses, em um esquema de reforço diferencial de longas pausas entre respostas. Mesmo quando a contingência experimental gera altas taxas de respostas, há dados de desempenho constante por muitas horas. Ferrari, Todorov & Graeff (1973) mostram o registro de uma sessão que acidentalmente durou 14 horas na qual um pombo (Dirceu Lopes) bicou um disco de plástico em um esquema de esquiva.operante livre com desempenho uniforme e claramente adequado à contingência experimental. Em contingências delineadas para o estudo experimental de escolhas e preferências, Ferrara, Todorov, Azzi, & Oliveira Castro (1983) mostraram resultados de uma sessão de 12 horas, onde respostas de bicar eram mantidas por reforço positivo (apresentação de alimento) a cada 45 s em média, trabalho que inovou ao descartar o uso de sessões diárias de uma ou duas horas de duração, típicas dos trabalhos experimentais com pombos na análise do comportamento pós Ferster & Skinner (1957). O experimento de Ferrara et al. (1983), não publicado, deu origem a outros com sessões de longa duração, um deles (Todorov, Hanna & Bittencourt de Sá, 1984, 1986). precursor no Journal of the Experimental Analysis of Behavior (e.g., Banna & Newland, 2009).

As características da visão do pombo também são responsáveis por um grande número de trabalhos experimentais. Blough (1956), utilizando métodos da análise experimental do comportamento, demonstrou que as curvas de sensibilidade espectral do pombo são equivalentes às de um ser humano que, por razões médias, tem o cristalino removido. Sem o cristalino, há no homem maior sensibilidade para luz violeta, pois não há absorção. As correspondências nas curvas de visão escotópica, especialmente, são surpreendentes (Skinner, 1957). Essas características da visão do pombo tem sido utilíssimas no estudo de comportamentos regulados por situações antecedentes – quer sejam estímulos simples e definidos em termos de comprimento de onda (Guttman, 1956), ou relações entre estímulos simples (Wright, 1972; Zentall e Hogan, 1976), ou padrões complexos de estímulos (Skinner, 1960). Trabalhos recentes mostram como os pombos decidem aproximadamente de acordo com o equilíbrio de Nash em jogos de soma diferente de zero (Sanabria e Thrailkill, 2009), avaliam o valor subjetivo de consequências alternativas em sittuação de escolha (Green, Myerson, Shah, Estle & Holt, 2007), são sujeitos em pesquisas sobre economia comportamental (Madden, Smethells, Ewan, & Hursh, 2007), e sobre atribuição de causalidade (Young & Beckman, 2006), entre muitos outros assuntos complexos.

Parte do interesse pelo pombo como sujeito experimental, especialmente no fim da década de 60 para cá, deve-se à escolha do bicar como resposta. É uma resposta que não exige muito esforço e que pode ser repetida a intervalos de tempo extremamente curtos, propiciando uma grande amplitude de variação na freqüência de respostas. No Brasil, Rachel Kerbauy (comunicação pessoal) introduziu o pombo como sujeito em aulas de laboratório no curso de psicologia da Faculdade Sedes Sapientiae, em São Paulo, hoje incorporada á Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

A descoberta de que a resposta de bicar poderia ser uma resposta controlada tanto por condicionamento operante quanto respondente gerou grande interesse (Gamzu & Schwartz, 1977). Por outro lado, as dificuldades iniciais na utilização dessa resposta em investigações sobre o controle aversivo do comportamento (Hineline & Rachlin, 1969) foram, à mesma época, utilizadas para questionar a generalidade das leis da aprendizagem (e.g., Bolles, 1970). A demonstração por Ferrari, Todorov & Graeff (1973) de que as dificuldades eram mais de procedimento experimental abriu um campo de pesquisa na qual pombos não vinham sendo utilizados (Hineline, 1977; Ferrari, 1978; Gorayeb & Todorov (1977), Ferrari & Todorov (1980), de Moraes & Todorov, (1977).


Ilustração da época.





Referências

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Zentall, T. R., & Hogan, D. R. (1976). Pigeons can learn identity or difference, or both. Science, 191, 408-409.

Artigo convidado.

http://www.iesb.br/psicologiaiesb/jan_2010_v2n1/12_psicologiaiesb_v2n1_todorov_2010.htm

http://historywired.si.edu/enlarge.cfm?ID=353&ShowEnlargement=1

http://americanhistory.si.edu/index.cfm


CAIO-PSICOLOGIA UFGD



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BLOG: COMPORTE-SE


quarta-feira, 13 de abril de 2011

[Entrevista Exclusiva - Zilda Del Prette] - Habilidades Sociais: Pesquisa, Campo e Aplicação.


Zilda A. P. Del Prette: uma das principais referências nacionais e internacionais
na pesquisa sobre Habilidades Sociais.

Muitos dos problemas que chegam à Clínica de Psicologia estão relacionados, em maior ou menor grau, com a qualidade das relações interpessoais de nossos clientes. E a qualidade destas relações está diretamente ligada às Habilidades do indivíduo em situações em que lhe é exigido algum desempenho social satisfatório. Daí a importância do tema, para nós Psicólogos.

A Psicóloga Zilda A. P. Del Prette, uma das maiores referências nacionais e internacionais no assunto, prontamente atendeu ao convite do Comporte-se para participar de uma entrevista a respeito. Com o objetivo de apresentar o tema para aqueles que tiveram pouco ou nenhum contato com ele, Zilda fala sobre as perspectivas de desenvolvimento das pesquisas na área, importância do conhecimento produzido sobre Habilidades Sociais para o Psicólogo, temas emergentes, dificuldades enfrentadas no THS (Treinamento de Habilidades Sociais), áreas de destaque na aplicação, entre outras coisas.

Olá Zilda.

Primeiramente gostaria de te agradecer por se disponibilizar a participar desta entrevista aqui no Comporte-se. É uma honra termos a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre o que pensa a respeito das questões abordadas

Eu é que agradeço Esequias, pela oportunidade de falar de habilidades sociais neste blog.

1 – Para começar, gostaria que falasse um pouco sobre o que te levou a fazer Psicologia e como nasceu seu interesse pelas Habilidades Sociais.

Bem, acho que como a maioria dos estudantes da minha época, eu tinha somente uma idéia vaga do que iria estudar. Na minha adolescência, o que eu sabia de Psicologia era somente uma ou outra leitura em revistas populares sobre Psicologia e especialmente sobre... Freud! Isso mesmo... e mesmo sendo pouca informação ela foi uma contingência poderosa a direcionar minha curiosidade e interesse para os “mistérios da mente” e, quem sabe, por esse caminho, ajudar as pessoas em seus problemas.

O mais irônico foi ter entrado para um Curso de Psicologia (da UEL) que tinha um projeto de graduação centrado na Análise do Comportamento e na Terapia Comportamental! Somente uma ou outra disciplina era ministrada por professores de outras abordagens e nenhuma, que eu me lembre, por psicanalistas! Felizmente, tive excelentes professores e uma sólida formação em Análise do Comportamento.

O interesse específico por habilidades sociais chegou já no final da minha graduação, a partir de uma experiência muito rica de participação em um grupo de treinamento assertivo, no último ano de curso. Foi aí que descobri o quanto a Psicologia tinha a oferecer nessa área, o quanto a assertividade fazia diferença na qualidade de vida! Esse foi o começo, mas eu pude perceber, na época que um caminho se abria. Só nem sonhava o quanto iria caminhar por ele...

Quando fui fazer o mestrado (em Psicologia Comunitária, na UFPb) eu já estava, junto com o Almir, conduzindo grupos de “Treinamento Comportamental” (esse era o termo que usávamos na época, mais abrangente que assertividade pois incluía um conjunto de classes de habilidades sociais). Realizávamos programas de intervenção em grupo, tanto na universidade, com estudantes de Psicologia, como na comunidade, junto a jovens e adultos, em geral de baixa renda. E já fazíamos alguns estudos de levantamento e caracterização do repertório de habilidades assertivas de universitários, especialmente alunos de Psicologia.

No Doutorado, nem Almir nem eu focalizamos habilidades sociais (não havia orientador para isso!) e então, somente depois retomamos para valer nesse assunto, publicando, então, o primeiro artigo sobre o tema em revista brasileira no ano de 1996. O primeiro artigo relatando intervenção saiu em 1999 e o primeiro livro foi editado em 1999. Daí em diante sim, o tema foi se consolidando no país atraindo atenção de pesquisadores. Para isso, entendo que foi importante o esforço inicial de formar pesquisadores, começando com a Iniciação Científica, Mestrado e Doutorado e atualmente também de Pós-Doutorado.

2 – Os livros que a senhora e o Almir Del Prette publicaram sobre o assunto, estão hoje entre as principais referências da área. Existem planos para publicação de novas obras? Sobre o que pretendem tratar?

Estamos com um livro no prelo (Habilidades Sociais: Intervenções efetivas em grupo) no qual discutimos a questão das práticas psicológicas baseadas em evidências (PPBE) no campo das habilidades sociais. A preocupação com as PPBEs surgiu no âmbito da Saúde e da Psicoterapia (psicoterapias baseadas em evidência) e teve um impacto importante no sentido de valorizar ainda mais a pesquisa sobre psicoterapia e intervenções psicológicas em geral, além de produzir conceitos cada vez mais elaborados sobre as evidências necessárias e importantes. Por exemplo, além do foco em resultados, imediatos e de longo prazo (eficácia, eficiência, efetividade, utilidade clínica, generalização), um desenvolvimento adicional foi o direcionamento também para a identificação de fatores de processo associados à efetividade das intervenções. Um parêntese aqui: sobre PPBE, recomendo o estudo da tese de Simone Neno, de 2005, que conta a história do movimento em torno das PPBEs no âmbito da Psicologia até essa data, discutindo a situação da Terapia Analítico-Comportamental nesse movimento.

Mas retornando ao novo livro, o que nos motivou a escrever sobre PPBE e programas de Treinamento de Habilidades Sociais (THS) foi a constatação de que os relatórios produzidos pela Associação Americana de Psicologia a partir dos anos 90, que listavam as práticas efetivas ou potencialmente efetivas, faziam referências apenas indiretas a habilidades sociais, geralmente incluindo os programas de treinamento de pais entre as PPBE e habilidades sociais do terapeuta como fatores de processo em terapias bem sucedidas. As evidências de efetividade de programas de THS, disponíveis na literatura, justificariam incluí-los nessas listagens ou, pelo menos, argumentar em favor disso. Entretanto, é importante reconhecer que, no Brasil, a produção de evidências de efetividade sobre programas de THS ainda é pequena, principalmente do tipo mais robusto, por meio de delineamentos experimentais ou quase experimentais, ou seja, com grupo controle, no caso de estudos de grupo. Esse é um dos eixos de pesquisa de nosso grupo: o teste de programas de THS com diferentes clientelas, em diferentes contextos e para diferentes problemas.

Nas publicações sobre programas de THS em geral há uma descrição muito sumária das características de processo, procedimentos, técnicas e demais cuidados na condução da intervenção. Entendendo que essas informações são importantes na formação novos profissionais para conduzirem programas de THS, o objetivo principal foi apresentar, de forma detalhada, as características de processo e de procedimento de programas de THS em grupo, já testados experimentalmente em termos de evidências de efetividade. A primeira parte tem três capítulos, um sobre conceitos e tipos de programas de THS, o segundo sobre PPBE e programas de THS e o terceiro sobre os desafios da disseminação de programas de THS. A segunda parte consta de seis capítulos, cada um deles enfocando um programa com crianças, adolescentes, universitários, adultos, idosos, pais. Além dos pesquisadores de nosso grupo UFSCar, o livro conta com a colaboração do grupo de Eliane Falcone (UERJ), Sheila Murta (UnB) e Fabián Olaz (Universidade Nacional de Córdoba).

3 – Poderia falar um pouco sobre a importância do conhecimento produzido na pesquisa em Habilidades Sociais para a atuação do Psicólogo?

Na década de 90, escrevemos, em um ensaio, que a atuação do psicólogo tem como objetivo e como meio as relações interpessoais: de um lado, ela visa, necessariamente, ainda que não exclusivamente, a melhoria das relações interpessoais; de outro, ela ocorre por meio de relações interpessoais e depende da qualidade do relacionamento com o cliente (tanto para a adesão, como para o sucesso do atendimento). Isso significa que o conhecimento sobre os fatores da qualidade das relações interpessoais, destacando-se aqui as habilidades sociais das pessoas em interação, pode ser indispensável para a atuação efetiva do psicólogo.

Só para exemplificar, em sua atuação educacional, o psicólogo se insere em uma rede institucional de relações (com administração, professores, crianças, pais, funcionários) e o resultado de sua prática depende, em grande parte, do quanto consegue reconhecer e lidar com essa rede. Por outro lado, ele pode estar sendo chamado exatamente para melhorar a qualidade desses relacionamentos e, com certeza terá que incluir também uma atuação indireta sobre os alunos, via promoção de habilidades sociais educativas dos professores. Algo similar pode ocorrer em contexto organizacional de trabalho. Na clínica, é altamente reconhecida a importância das habilidades sociais do terapeuta, enquanto fator de sucesso do atendimento. Por outro lado, considerando os objetivos da terapia, é comum a inserção, de algum módulo de promoção de habilidades sociais, seja como coadjuvante do processo terapêutico (na maioria dos transtornos), seja como componente principal desse processo (p.e., nos casos de depressão, fobia social, problemas conjugais etc.).

Obs.: Sobre o texto referido – maiores informações em http://www.rihs.ufscar.br

4 – Tendo em mente o que já foi produzido sobre Habilidades Sociais no Brasil e fora dele, quais focos teóricos e práticos demandam de uma maior atenção por parte de nossos pesquisadores, atualmente? E onde a pesquisa brasileira tem se destacado?

Bem, me permita separar sua questão em duas: uma sobre a produção de outros países e outra sobre a produção em nosso país. Em ambos os casos, a questão remete a estudos de cientometria (ainda quase inexistentes, tanto no Brasil como no exterior) e a estudos de revisão geral. No nosso caso, talvez essa lacuna possa ser preenchida: temos uma doutoranda fazendo essa cientometria em habilidades sociais, mas pelo momento não dispomos de resultados.

Com referência à produção de outros países, desconheço publicação que analise, de forma geral, tudo o que foi produzido sobre habilidades sociais. Em geral são estudos de revisão focados em temas específicos, por exemplo, habilidades sociais e dificuldades de aprendizagem ou em temas que marginalmente situam as habilidades sociais, por exemplo, relações pais-filhos. A minha avaliação, não sistemática, com base em levantamentos bibliográficos dos estudos em curso, é que a maior fatia das publicações do exterior refere-se a pesquisa empírica, aplicada e, em relação a distúrbios específicos, está historicamente associada a esquizofrenia e ao autismo. Parece-me que, ao lado de uma ênfase sobre o conjunto geral das classes de habilidades sociais, alguns estudos tem focalizado classes específicas como, por exemplo, assertividade, empatia e abordagem afetivo-sexual (“dating”).

No Brasil, os estudos de revisão disponíveis mostram que vivemos uma fase inicial de estudos de levantamento e caracterização de habilidades sociais em populações específicas, juntamente com a produção de instrumentos, recursos e procedimentos de avaliação. Nessa fase, eram raros os estudos de intervenção e, quando ocorriam, eram delineamentos de pré e pós-teste apenas, sem controle experimental de validade interna. Ainda é baixa a quantidade de publicações sobre estudos experimentais que testam programas de intervenção, mas eles vêm ocorrendo, principalmente na forma de dissertações e teses, cujas publicações em artigos deverão estar disponíveis em futuro próximo.

Portanto, baseada nessa análise assistemática de estudos do exterior e de revisões em nosso país, eu diria que a pesquisa sobre relação entre habilidades sociais e demais transtornos ainda é escassa, podendo-se aí localizar vários nichos de investigação pouco explorados. É o caso, por exemplo, da relação e da intervenção em habilidades sociais para alguns transtornos de personalidade, distúrbios alimentares, problemas psicossomáticos e drogadição. Também me parece necessário maior investimento em psicopatias, comportamento criminal, agressividade e bullying, que constituem o contraponto da dimensão ético-moral da competência social. Ao lado de muitos estudos com universitários, poderia citar populações que não tem sido foco de suficiente atenção dos pesquisadores em habilidades sociais, como os idosos, os pré-escolares e a mulher enquanto categoria de gênero. Independentemente do tipo de transtorno e da população específica, entendo que o conhecimento sobre habilidades específicas requer maior investimento, por exemplo, as habilidades sociais educativas, de negociação, de trabalho, de solidariedade.

Penso que a pesquisa brasileira tem avançado na geração de conhecimento conceitual sobre o campo das habilidades específicas, mas a divulgação desse conhecimento é restrita a publicações no país. E faço aqui “mea culpa” pois, por longo tempo priorizamos a divulgação no Brasil e só recentemente começamos a expandir para outros países. Atualmente temos um grupo parceiro de pesquisa na Argentina e um que começa a se desenvolver em Portugal, além de relações consolidadas ou em fase de consolidação nos EUA, no México e na Espanha.

Além disso, penso que a elaboração conceitual é básica para o avanço do campo e se alimenta também da pesquisa empírica. Por exemplo, no Brasil está bem consolidada a compreensão de que assertividade e competência social não são termos equivalentes, que a assertividade é uma classe específica de habilidades sociais e que, em conjunto, as habilidades sociais constituem condições necessárias, mas não suficientes, para a competência social. Esses pontos estão bem argumentados em nossos livros.

Em síntese, poderia dizer que avançamos em pesquisa aplicada, mas ainda há muito a ser feito e que é fundamental a ampliação de evidências de efetividade de programas de THS adaptados à nossa realidade. Além disso, no novo livro, há um capítulo da colega Sheila Murta (UnB), que revisa, com muita propriedade, os desafios da disseminação dos programas de THS devidamente testados em sua efetividade e que implicam novas pesquisas. No capítulo sobre PPBE, discutimos a importância de avançar no desenvolvimento de manuais e protocolos de intervenção, porém sem desconsiderar a necessária flexibilidade em seu uso. Nesse sentido, questionamos o próprio conceito de programa enquanto estrutura pré-fixada, rígida, em termos de quantidade e plano das sessões. Essa é uma questão que vai ao encontro das primeiras propostas de PPBE e de encontro a formulações mais recentes, uma contradição que poderia ser alvo de interessantes discussões teóricas e práticas.

5 – Uma das críticas correntes ao THS é a dificuldade de generalização para outros contextos da vida do sujeito e a manutenção de seus resultados a médio e longo prazo. O que as pesquisas têm demonstrado a este respeito?

Essa é uma crítica pertinente tanto ao campo das habilidades sociais como a maior parte da prática psicológica em geral. Não falo da falta de generalização, mas da falta de estudos de acompanhamento que produzam evidências sobre isso. De todo modo, é uma crítica que vem sendo reiterada na literatura sobre THS e que teve o efeito positivo de instigar estudos de acompanhamento em curto e longo prazo.

Em nosso grupo de pesquisa, atualmente, não dispensamos as avaliações de seguimento (follow-up), mas precisamos avançar mais. Como as habilidades sociais são aprendidas e mantidas dependendo das contingências ambientais, a intervenção, no caso da clientela infantil, será mais efetiva se envolver pais e professores, e, no caso de qualquer clientela, se incluir estratégias de autocontrole e de “aprender a aprender”. Para isso, temos incluído como básico, em qualquer programa, o planejamento da generalização via tarefas de casa, porém, mais do que isso, entendemos que um bom programa não pode apenas ensinar a superar déficits e aperfeiçoar habilidades específicas. É indispensável promover a variabilidade comportamental, de modo a garantir que o cliente aprenda a lidar com as contingências sociais variáveis de seu ambiente e continue a aprender com elas após o processo de intervenção. Também questionamos o uso excessivo de regras e instruções para a promoção de habilidades sociais. Ainda que façam parte dos procedimentos usuais, mais importante é garantir e monitorar desempenhos e, principalmente, ensinar discriminação, automonitoria e promover variabilidade comportamental. Discorremos mais sobre isso recentemente em um artigo (Revista Perspectivas em Análise do Comportamento, 2010) e um capítulo (da coletânea Comportamento e Cognição, também de 2010).

6 – O Treinamento de Habilidades Sociais é apontado como uma estratégia efetiva na resolução de diversos problemas associados a relações interpessoais, nos diferentes campos de atuação do Psicólogo. Em que situações ele mais se destaca por seus resultados?

Ainda considerando as ressalvas que apresentei na resposta à questão 4, acho que se pode depreender, dos estudos produzidos no exterior, mais evidências nos campos da Psicologia Clínica e Educacional. Conforme fizemos referência em nosso livro Psicologia das habilidades sociais: Terapia, educação e trabalho, a literatura tem destacado a necessidade e efetividade dos programas de THS nos casos de transtornos afetivos e de ansiedade social, timidez e isolamento social, esquizofrenia, problemas conjugais e familiares, alguns transtornos de personalidade, delinqüência, psicopatia e depressão.

No Brasil, penso que precisamos acumular mais evidências sobre a efetividade de programas de THS nos diferentes campos de atuação do psicólogo, de modo a viabilizar, no futuro, estudos de metanálise. No nosso grupo de pesquisa, temos encontrado resultados bastante promissores de programas de THS junto a uma ampla amostragem de problemas e de populações, desde os problemas de comportamento em geral, dificuldades de aprendizagem, TDAH, deficiências sensoriais e motoras, autismo etc. No caso de crianças, temos testado o modelo triádico, promovendo habilidades sociais educativas de pais ou professores e identificando seu impacto positivo e significativo sobre os comportamentos dos filhos ou alunos. Também temos demonstrado a efetividade de programas de THS com adolescentes e universitários (não somente de Psicologia), com adultos inseridos em contexto de trabalho, com idosos... Eu diria que, com boa avaliação inicial, com um bom planejamento baseado nessa avaliação (e não em programas prontos e pré-fixados) e com um terapeuta bem preparado (que esteja atento às condições de processo), um programa de THS tem boa perspectiva de alcançar seus objetivos.

7 – Em que casos o Treinamento de Habilidades Sociais tem se mostrado como uma alternativa promissora, mas demanda de novos estudos e desenvolvimento para ser apontado como um método eficaz de intervenção?

Acho que, mais do que identificar casos (imagino que esteja se referindo a problemas, clientelas...), é fundamental aperfeiçoar e adotar métodos cada vez mais robustos de avaliação das intervenções. Essa tem sido uma preocupação de nosso grupo de pesquisa: elaborar, testar, buscar novos delineamentos de pesquisa-intervenção. No caso da intervenção em grupo, temos investido em estudos experimentais de grupo (com grupos controle, placebo, de espera, sondagens múltiplas etc.,) e em estudos experimentais de caso único (com sondagens múltiplas, linha de base múltipla etc.). Além disso, precisamos avançar em termos de análise de dados. Temos adotado o Método JT de análise de mudança confiável e de significância clínica nos casos em que não conseguimos compor grupos controle e nos casos de intervenção individual. Esse método é particularmente importante para o terapeuta, pois facilita uma avaliação imediata dos efeitos de sua prática. Estamos desenvolvendo um site que vai permitir o acesso livre ao uso do Método JT, com produção imediata desses indicadores pelos usuários.

8 – Para finalizar, gostaria de pedir que deixasse algumas dicas para aqueles que tem interesse em iniciar os estudos sobre o tema.

Penso que a dica mais importante é: não se deixe enganar pela aparente facilidade do campo. Todos nós temos uma noção quase intuitiva do que significa o termo habilidades sociais. No entanto, é preciso estudar muito para compreender bem esse campo. Há bastante material já disponível no Brasil, em artigos e livros (o que não ocorria há cerca de 10 anos) mas é preciso também aperfeiçoar a própria formação em pesquisa e reflexão conceitual, não somente para acompanhar os avanços da área, mas para contribuir nesse processo. Nesse sentido, quero dizer que tenho muita esperança na nova geração de pesquisadores em habilidades sociais. Acho que vem por aí um grupo que pode fazer a diferença e garantir a continuidade do desenvolvimento desse campo.

Para finalizar, gostaria de destacar que, no Brasil, o campo das Habilidades Sociais começou a se tornar mais visível a partir do ano 2000, ou seja, temos apenas cerca de 10 anos de movimento dessa área e uma participação destacada nos últimos anos em alguns congressos e eventos científicos. Espero que isso se traduza cada vez mais em produção sólida de conhecimento e em transformação de práticas culturais no sentido de efetividade e, principalmente, de compromisso com a dimensão ética da competência social.

Aliás, essas preocupações estão presentes no III SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE HABILIDADES SOCIAIS, cuja temática geral é “Habilidades sociais, pesquisa, cultura e prática”. Trata-se de um evento que ocorrerá em Taubaté, de 10 a 13 de agosto deste ano (maiores informações em www.sihs.com.br) e que está contando com a organização de nossa colega Profa. Dra. Maria Julia Xavier Ribeiro. Além do grupo da UFSCar, o evento terá a presença de pesquisadores expressivos do campo das habilidades sociais, como: Eliane Falcone, Alessandra Bolsoni-Silva, Sheila Murta, Marina Bandeira, Eliane Gerk e Sonia Loureiro (todos participantes, desde o início, de nosso Grupo de Trabalho na Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia) e outros que têm se envolvido mais recentemente de forma produtiva com esse campo, como Kester Carrara, Adriana Benevides e Margareth Oliveira, além dos recém-doutores, doutorandos e mestrandos em Habilidades Sociais. Os convidados internacionais incluem o Prof. Dr. Frank Gresham (EUA), Fabián Olaz (Argentina) e Francisco Gil Rodrigues (Espanha). Entendo que será uma oportunidade privilegiada para os que querem iniciar seus estudos nessa área.

Profa. Dra. Zilda A. P. Del Prette

Departamento de Psicologia - UFSCar - PPGPsi e PPGEEs

Grupo de Pesquisa - Relações Interpessoais e Habilidades Sociais

Fone 16-33518447 - Fax 33518361 - http://www.rihs.ufscar.br


Fonte:

http://www.comportese.com/2011/04/entrevista-exclusiva-zilda-del-prette.html



Sugestão da acadêmica: Ana Paula de Oliveira PSI-UFGD